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Salvando as Farc

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 10 de julho de 2008

Estranguladas pelo Exército, odiadas pelo povo colombiano, reduzidas a um décimo de seu contingente e, por fim, desmoralizadas pelo resgate espetacular de quinze reféns, as Farc estão seguindo o manual de instruções e fazendo exatamente o que a guerrilha brasileira fez em circunstâncias idênticas: partiram para o gerenciamento de danos e tentam desesperadamente transformar a derrota militar em vitória política.

Se bem sucedida, essa operação terá sido, no fim das contas, o triunfo mais espetacular que a gangue poderia ter desejado. Todos os clássicos da guerra revolucionária explicam que guerrilhas não têm por alvo derrotar o adversário no campo de batalha, mas forçá-lo a aceitar exigências políticas. Esse é o único objetivo a que podem aspirar e a única razão de ser da sua existência – e, para isso, a derrota militar pode ser ainda melhor do que a vitória. O exemplo do Vietnã ainda está na memória de todos, mas não precisamos ir buscar tão longe: nosso governo atual não é outra coisa senão as guerrilhas dos anos 60-70 transfiguradas em poder político pelas boas graças da anistia.

Não é, pois, de estranhar que, sob pretextos humanitários de uma hipocrisia abjeta, os apelos à desmobilização das Farc em nome da “luta pacífica” se espalhem por toda parte com a simultaneidade exemplar de uma orquestra bem afinada.

Quem soa a nota dominante é, como não poderia deixar de ser, o sr. presidente da República. Fingindo pena dos reféns mantidos em cativeiro e um ardente desejo de “paz”, ele sugere que as Farc abandonem a luta armada e sigam o exemplo do seu partido.

Para uma organização que matou trinta mil pessoas e manteve três mil seqüestrados presos em condições sub-humanas durante quase uma década, ser de repente admitida como partido político e automaticamente anistiada de todos os seus crimes é mais do que um presente generoso: é a vitória perfeita, a realização integral dos seus sonhos mais lindos.

Que o sr. Presidente da República venha a colaborar tão solicitamente para a realização desses sonhos é nada mais do que natural: durante dezesseis anos, como fundador e chefe do Foro de São Paulo, ele sentou-se à mesa com os líderes da narcoguerrilha e de outras organizações criminosas, traçando com elas a estratégia unificada da esquerda latino-americana para a conquista do poder total no continente. O princípio mais elementar e óbvio dessa estratégia não poderia deixar de ser a articulação dialética da violência armada com o esforço de organização política, ora convergindo, ora fingindo opor-se — e ludibriando a todos, enfim, pela alternância feliz da intimidação e da sedução.

A gratidão que as Farc têm por Lula e por seu partido expressou-se da maneira mais eloqüente na mensagem que enviaram a eles na última assembléia do Foro, em 2007, onde se derramavam em louvores a ambos por terem resgatado do perigo de extinção o movimento comunista na América Latina. Com seu pronunciamento recente, o sr. Presidente da República não faz senão dar continuidade à sua obra salvadora, que chegará ao seu ponto culminante no momento em que uma infinidade de crimes hediondos for premiada com a anistia geral e a elevação dos delinqüentes à posição de governantes legais. Governantes que, decorrido algum tempo, poderão então, com toda a calma, serenamente, metodicamente, ir destruindo um por um aqueles que os anistiaram, exatamente como faz hoje a guerrilha brasileira.

Ao sr. presidente pouco interessa que, entre as vítimas das Farc, estejam os funcionários da nossa Embaixada feitos em pedaços pelo atentado à bomba ali praticado em 1993, os milhões de crianças brasileiras levadas à autodestruição pelas drogas que as Farc distribuem no país, ou os nossos concidadãos mortos a tiros, nas ruas, por quadrilheiros locais que as Farc armaram e treinaram. Tudo o que lhe interessa é assegurar um futuro brilhante para aqueles seus companheiros de militância — assassinos, seqüestradores e narcotraficantes.

Palhaçada total

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 19 de janeiro de 2006

Muitas vezes, ao longo da história, o movimento comunista demonstrou sua capacidade de tirar proveito publicitário do seu próprio descrédito, trocando de pele e fazendo com que, da revelação de cada novo banho de sangue, o carrasco emergisse com as feições imaculadas de vítima sacrificial.

Mas nada se compara à mágica da transmutação que ele operou ao longo da última década e meia. A queda da URSS, os fracassos da economia socialista e a debacle intelectual do marxismo não paralisaram o comunismo internacional, mas lhe deram um novo sentido de direção: despiram-no de seus adornos doutrinais e reduziram seu discurso ao ódio anti-americano puro e grosso.

O enxugamento ideológico, eliminando atritos que antes limitavam seus movimentos, permitiu que seu raio de ação se estendesse ad infinitum , irmanando comunistas, socialistas, “progressistas” de toda sorte, ateístas e secularistas em geral, militantes gays e black power, radicais muçulmanos, neonazistas, revisores do Holocausto, feministas, abortistas, narcotraficantes e, por fim, nacionalistas de direita (fascistas, para dizer o português claro) do Terceiro Mundo.

Que raio de “sociedade melhor” poderia surgir desse melting pot de tudo o que não presta — eis uma pergunta que pessoas educadas não fazem. O pressuposto subjacente é que os antagonismos inconciliáveis se resolverão espontaneamente para produzir um mundo maravilhoso tão logo removidos da cena planetária os últimos obstáculos à felicidade humana: o Grande Satã americano e seu mascote, o Pequeno Satã israelense.

Tal como o novo paraíso terrestre subseqüente ao Juízo Final tornará amigos o leão e o cordeiro, o reino de justiça e paz que deve emergir da eliminação dos EUA e de Israel trará ao mesmo tempo um governo socialista global e a independência das nações, a implantação mundial da shari’a e a legalização dos casamentos homossexuais, a eliminação do racismo e a apoteose da superioridade ariana, a moralização universal e a liberação das drogas, o fim da exploração sexual infantil e o advento do “sexo intergeracional”. Não pergunte como. Não seja um estraga-prazeres.

A internacional comunista não está morta. Ressuscitou como Internacional da Estupidez Humana. Ao contrário de sua antecessora, que não agradava a todos, ela possui um número ilimitado de adeptos potenciais. Mas seu sucesso não se explica só pela atração do abismo: funda-se numa bem montada estrutura de apoio, que abrange desde a malha planetária dos velhos partidos comunistas, com nomes trocados ou não, até a grande mídia internacional praticamente inteira, a militância islâmica onipresente e a rede global de ONGs ativistas subsidiadas por fundações bilionárias como Rockefeller, Soros ou Ford. Já desde a década de 50 uma comissão parlamentar (v. René Wormser, Foundations: Their Power and Influence , New York, 1958) comprovou que muitas dessas fundações se empenhavam na destruição do sistema americano, visando à constituição de um poder mundial de inspiração socialista. Passado meio século, o fruto desses esforços ganhou vida e está gritando pelas ruas. Com um detalhe especialmente perverso: como a maioria delas tem origem e sede nos próprios EUA, sua atuação é facilmente utilizada como slogan publicitário anti-americano, persuasivo ante platéias semiletradas incapazes de captar a sutil ambigüidade da operação. No Brasil, por exemplo, sob a influência de esquerdistas espertalhões infiltrados na ESG, os generais Andrade Nery e Baeta Neves, entre outros, apontam a presença de pseudópodos dessas organizações na Amazônia como argumentos fulminantes contra o Grande Satã. Dando as mãos aos comunistas do Foro de São Paulo e ajudando Fidel Castro a “resgatar na América Latina o que se perdeu no leste europeu”, podem assim condenar como “agente do imperialismo” quem quer que se oponha a esse projeto, ao mesmo tempo que alegam seu passado militar como prova de patriotismo imune a contaminações esquerdistas. É a palhaçada total.

Tudo por um queijo

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 21 de agosto de 2003

A estratégia do movimento comunista mundial é hoje tão complexa, tão sutil, tão abrangente, que suas próprias vítimas potenciais — os capitalistas, incluindo nisto os donos da mídia — se prestam docilmente a colaborar com ela, por total incapacidade de apreender a unidade de propósitos por trás de uma alucinante variedade de táticas.

Que um mesmo movimento explore, numa parte do mundo, os apetites sexuais da classe alta e, noutra, o atavismo reacionário de moralistas islâmicos enragés, eis algo que parece ao observador sonso uma hipótese demasiado rebuscada para não ser pura teoria da conspiração.

No entanto ela é a simples aplicação lógica dos preceitos estabelecidos há mais de quarenta anos por Herbert Marcuse, que para a mídia ocidental foram objeto de curiosidade passageira durante as agitações de 1968, mas que na elite comunista continuaram a ser estudados com muita seriedade.

Os comunistas, tal como fizeram os nazistas, anunciam antecipadamente e com bastante exatidão o que vão fazer, mas a coisa sempre parece demasiado inverossímil para merecer atenção, e a piada invariavelmente se transforma em tragédia quando sai do papel para a realidade. Uma revolução que em vez da unidade de interesses do proletariado se apoiasse numa massa heterogênea de estudantes, milionários gays, esposas mal amadas, mendigos, prostitutas e fanáticos religiosos parecia menos um perigo iminente do que um capítulo de “O Incrível Exército Brancaleone”. No entanto o Exército Brancaleone hoje lança bombas sobre o edifício da ONU em Bagdá, em perfeita sintonia com seus agentes na mídia ocidental, que imediatamente proclamam ser tudo culpa… dos americanos, é claro.

A capacidade dos comunistas para ações contínuas e de longo prazo contrasta da maneira mais acachapante com o imediatismo superficial das análises empreendidas pelos supostos “especialistas” acadêmicos e jornalísticos em que a classe empresarial deposita toda a sua confiança.

Poucos meses antes das eleições de 2002, doze desses experts brasileiros e americanos entrevistados pelo Herald Tribune asseguravam, com certeza científica, que Lula nunca teria mais de trinta por cento dos votos. Na mesma época, escrevendo na imprensa carioca, eu dizia que era absolutamente impossível uma derrota do PT nas eleições. Evidentemente, o louco era eu.

E ninguém desconfia que entre os tais experts podia ser tão grande o número de simples idiotas pomposos quanto de agentes de desinformação capacitados, bem pagos por organizações comunistas para amortecer os temores do adversário. É sempre assim. Quando os comunistas anunciam o que vão fazer, aterrorizando suas vítimas potenciais, tudo o que estas querem é um desmentido que as alivie. Em troca de umas palavras tranqüilizantes, dão tudo. E pouco lhes importa de quem vão comprar o alívio. Como ratos de Pavlov, correm do choque para o queijo e, quando o encontram, ficam até felizes de saber que vem da mesma fonte. Vêem nisso um sinal reconfortante de que o dono do laboratório é seu amigo.

Mas aqueles mesmos que em 2002 induziram o empresariado a um falso sentimento de segurança ante a força eleitoral da esquerda são hoje ouvidos com profundo respeito quando persuadem a classe proprietária a colaborar com um governo que, enquanto isso, discretamente, vai tratando de abolir a propriedade privada por meio de impostos progressivos inspirados numa receita criada por Marx e Engels em 1848. Quando a reforma tributária for um fato consumado, será tarde para chorar. Mas, novamente, o errado sou eu.

Com idêntica circunspecção, o governo vai montando sua parceria com Hugo Chávez, tal como anunciado por loucos em que ninguém acreditou, entre os quais, evidentemente, o autor do presente artigo. E, ao planejar duas novas plataformas para a Petrobrás, no valor de dois bilhões de dólares, faz a licitação por meio de discretas cartas-convite, endereçadas a três empresas de sua predileção, furtando-se à concorrência pública. A única hipótese de que essa denúncia do deputado João Caldas (PL-AL) venha a encontrar repercussão é que algum radical de esquerda, rompendo por ingenuidade patriótica o silêncio da estratégia petista, ponha a boca no mundo. Como a nossa mídia já não admite alternativa ao governo de esquerda senão uma oposição de esquerda, a esperança de que a verdade prevaleça depende de que ela passe, apertada, entre as rachaduras do bloco esquerdista.

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