Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 3 de agosto de 2009
(Redigido em 17 julho de 2009)
Desde que começou a campanha eleitoral americana no ano passado, entendi – e escrevi – que um único problema sério ali estava em jogo: a identidade de Barack Obama. De um lado, pouco ou nada se sabia do personagem, e ele fazia tanto empenho em ocultar fatos e documentos essenciais da sua vida quanto em exibir com esplendor máximo a imagem estereotipada construída em seus dois livros autobiográficos e numa profusão inabarcável de reportagens promocionais. De outro lado, a discussão de propostas de governo, nessas condições, era totalmente imaterial: entre os lances cuidadosamente encobertos da biografia de Barack Obama estavam justamente aqueles que revelavam os seus mais fundos compromissos ideológicos, ao passo que o discurso de campanha apresentava uma versão tão diluída e adocicada que dificilmente se poderia dizer, com base nela, quem era politicamente Barack Obama.
Com toda a evidência, o que ele prometia fazer na presidência era apenas uma camuflagem de seus verdadeiros objetivos. Só para dar uma idéia do abismo entre o discurso e o plano de governo que ele encobria, notem que 72 por cento dos judeus americanos votaram no candidato democrata, acreditando que ele defenderia Israel como seus antecessores. Tão logo eleito, ele tirou a máscara, mostrando-se, conforme disse o líder sionista Morton Klein, “o presidente americano mais anti-Israel de todos os tempos”. E assim foi em muitos setores.
Do seu discurso de campanha, nada se podia deduzir quanto ao que ele viria a fazer no governo. Mas da sua biografia podia-se deduzir tudo, com precisão milimétrica. Ademais, eleição não é debate acadêmico; campanha presidencial não é luta de idéias, é disputa de poder entre seres humanos reais e concretos. Àquela altura, discutir as “propostas” de Barack Obama era o cúmulo da alienação, da cegueira voluntária: os verdadeiros propósitos do candidato não se podiam deduzir dos seus discursos, da sua performance de leitor emérito de teleprompters, mas sim, precisamente, daquilo que ele escondia, da sua vida de militante radical, colaborador pertinaz de ditadores e genocidas.
Poucos analistas da política americana entenderam isso na ocasião. Quanto aos candidatos republicanos e seus iluminados mentores de campanha, esses não entenderam absolutamente nada. Havia mesmo um bloqueio mental impedindo que tocassem na ferida. A dificuldade de colocar em discussão a vida pregressa de Barack Obama, paradoxalmente, não vinha da força dos mecanismos de camuflagem que a encobriam, mas precisamente da sua fragilidade: o homem não tinha sequer uma certidão original de nascimento, seu alistamento militar era patentemente falsificado, ele e sua família se contradiziam quanto ao seu local de nascença, e até mesmo os registros de sua atividade como senador no Illinois tinham desaparecido, ao mesmo tempo em que espoucavam notícias alarmantes, sempre confirmadas, sobre suas ligações com vigaristas e terroristas. A posição real do candidato, sob esse aspecto, era tão frágil que seus adversários se recusaram a acreditar no que viam; desviando os olhos, permitiram que o feixe de enigmas e ocultações chegasse à Presidência.
Agora que pela primeira vez um juiz federal aceitou examinar a matéria de um dos processos de inelegibilidade movidos contra Obama, a fatídica certidão de nascimento, que ele já gastou mais de um milhão de dólares para ocultar, vai ter de aparecer mais cedo ou mais tarde.
Os últimos lances do jogo de esconde-esconde foram tão patéticos que bastam para tornar verossímeis as suspeitas mais paranóicas quanto à nacionalidade do presidente. O site de jornalismo eletrônicoWorldNetDaily descobriu que em janeiro ele enviara um cartão de cumprimentos ao hospital Kapiolani, em Honolulu, dizendo-se muito honrado de ter nascido ali. Durante todo o debate presidencial, os adeptos de Obama haviam proclamado como certeza absoluta que ele nascera no hospital Queens, achando que com isto esmagavam as objeções dos céticos. Tão logo divulgado o incômodo cartão, jornais, revistas e sitesnoticiosos obamistas, inclusive oficiais, não admitiram o erro: simplesmente apagaram o nome “Queens” e puseram “Kapiolani” no seu lugar, achando que com isso disfarçavam retroativamente quase um ano inteiro de vexames. Fraude geral explícita. Na verdade o vexame acabou ficando maior ainda, pois o hospital Kapiolani, que durante meses ganhara dinheiro ostentando o nome de Barack Obama como o de um dos bebês que haviam se beneficiado dos seus maravilhosos serviços obstétricos, de repente sentiu perigo no ar e passou a recusar-se terminantemente a confirmar que o presidente nascera ali.
Ao mesmo tempo, um major do exército, que entrara com um pedido na justiça para ser dispensado de obedecer às ordens do presidente até que este confirmasse sua nacionalidade e portanto sua legitimidade no cargo, obteve uma vitória espetacular quando seus comandantes, reconhecendo o drama, o dispensaram de ir para o Afeganistão como lhe fora ordenado. Como reagiu a Presidência? Pressionou uma empresa privada, na qual o major estava trabalhando, a que demitisse o atrevido. Quando a mais alta autoridade federal prefere antes sujar-se com uma vingança mesquinha contra um cidadão privado do que gastar doze dólares com um traslado da certidão original de nascimento do presidente e encerrar o debate em torno da legitimidade do mandatário no cargo, é preciso ser um verdadeiro crente obamaníaco para não concluir que o homem está escondendo alguma coisa.
Se os líderes republicanos e o séquito de jornalistas que os apóiam não quiseram enxergar a vulnerabilidade completa de um adversário desprovido até de documentos de identidade, foi pela simples razão de que são todos eles uns bons burgueses gordos, comodistas e trêmulos, que não têm a coragem intelectual necessária para examinar os fatos nas suas fontes primárias e tirar conclusões objetivas: temem pensar por si próprios e não ousam dizer uma só palavra que já não reflita a unanimidade do establishment. Mas o medo do vexame imaginário é promessa certa de um vexame mil vezes maior num futuro que se anuncia bem próximo.