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O império da ignorância

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 10 de setembro de 2015

          

Vamos falar o português claro: Aquele que não dá o melhor de si para adquirir conhecimento e aprimorar-se intelectualmente não tem nenhum direito de opinar em público sobre o que quer que seja. Nem sua fé religiosa, nem suas virtudes morais, se existem, nem os cargos que porventura ocupe, nem o prestígio de que talvez desfrute em tais ou quais ambientes lhe conferem esse direito.
Discussão pública não é mera troca de opiniões pessoais, nem torneio de autoimagens embelezadas: é eminentemente intercâmbio de altos valores culturais válidos para toda uma comunidade humana considerada na totalidade da sua herança histórica, e não só num momento e lugar.
O direito de cada um à atenção pública é proporcional ao seu esforço de dialogar com essa herança, de falar em nome dela e de lhe acrescentar, com as palavras que dirige à audiência, alguma contribuição significativa. O resto, por “bem-intencionado” que pareça, é presunção vaidosa e vigarice.
Todos os males do Brasil provêm da ignorância desses princípios. Políticos, empresários, juízes, generais e clérigos incultos, desprezadores do conhecimento e usurpadores do seu prestígio, são os culpados de tudo o que está acontecendo de mau neste país, e que, se esses charlatães não forem expelidos da vida pública, continuarão aumentando, com ou sem PT, com ou sem “impeachment”, com ou sem “intervenção militar”, com ou sem Smartmatic, com ou sem Mensalão e Petrolão.
Desprezo pelo conhecimento e amor à fama que dele usurpa mediante o uso de chavões e macaquices são os pecados originais da “classe falante” no Brasil.
Só o homem de cultura pode julgar as coisas na escala da humanidade, da História, da civilização. Os outros seguem apenas a moda do momento, criada ela própria por jornalistas incultos e professores analfabetos, e destinada a desfazer-se em pó à primeira mudança da direção do vento.
A cultura pessoal é a condição primeira e indispensável do julgamento objetivo. A incultura aprisiona as almas na subjetividade do grupo, a forma mais extrema do provincianismo mental.
Vou lhes dar alguns exemplos de desastres nacionais causados diretamente pela incultura dos personagens envolvidos.
Só pessoas prodigiosamente incultas podem ter alguma dificuldade de compreender que uma eleição presidencial com apuração secreta, sem transparência nenhuma, é inválida em si mesma, independentemente de fraudes pontuais terem ocorrido ou não.
O número de jumentos togados e cretinos de cinco estrelas que, mesmo opondo-se ao governo, raciocinam segundo a premissa de que a sra. Dilma Rousseff foi eleita democraticamente em eleições legítimas, premissa que lhes parece tão auto evidente que não precisa sequer ser discutida, basta para mostrar que o estado de calamidade política e econômica em que se encontra o país vem precedido de uma calamidade intelectual indescritível, abjeta, inaceitável sob todos os aspectos.
Quando na década de 90 os militares aceitaram e até pediram a criação do “Ministério da Defesa”, foi sob a alegação de que nas grandes democracias era assim, de que só republiquetas tinham ministérios militares.
Respondi várias vezes que isso era raciocinar com base no desejo de fazer boa figura, e não no exame sério da situação local, onde a criação desse órgão maldito só serviria para aumentar o poder dos comunistas. Mil vezes o Brasil já pagou caro pela mania de macaquear as bonitezas estrangeiras em vez de fazer o que a situação objetiva exige. Esse caso foi só mais um da longa série.
Mesmo agora, quando a minha previsão se cumpriu da maneira mais patente e ostensiva, ainda não apareceu nenhum militar honrado o bastante para confessar sua incapacidade de relacionar a estrutura administrativa do Estado com a disputa política substantiva. Continuam teimando que a ideia foi boa, apenas, infelizmente, estragada pelo advento dos comunistas ao poder – como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra, como se fosse tudo uma soma fortuita de coincidências, como se a demolição do prestígio militar não fosse um item constante e fundamental da política esquerdista no país e como se, já no governo FHC, a criação do Ministério não fosse concebida como um santo remédio, com aparência legalíssima, para quebrar a espinha dos militares.
Um dos traços mais característicos da incultura brasileira, já assinalado por escritores e cientistas políticos desde a fundação da República pelo menos, é a subserviência mecânica a modelos estrangeiros copiados sem nenhum critério.
Numa sociedade culturalmente atrofiada, a coisa mais inevitável é que todas as correntes de opinião que aparecem na discussão pública sejam apenas cópias ou reflexos de modelos impostos, desde o exterior, por lobbies e grupos de pressão que têm seus próprios objetivos globais e não estão nem um pouco interessados no bem-estar do nosso povo.
Cada “formador de opinião” é aí um boneco de ventríloquo, repetidor de slogans e chavões que não traduzem em nada os problemas reais do país e que, no fim das contas, só servem para aumentar prodigiosamente a confusão mental reinante.
Como é possível que, num país onde cinquenta por cento dos universitários são reconhecidamente analfabetos funcionais e os alunos dos cursos secundários tiram sistematicamente os últimos lugares nos testes internacionais, o currículo acadêmico de um professor continue sendo aceito como prova inquestionável de competência?
Não deveria ser justamente o oposto? Não deveria ser um indício quase infalível de que, ressalvadas umas poucas exceções, o portador dessa folha de realizações é muito provavelmente, por média estatística, apenas um incompetente protegido por interesses corporativos? Terá sido revogado o “pelos frutos os conhecereis”? A interproteção mafiosa de carreiristas semianalfabetos unidos por ambições grupais e partidárias tornou-se critério de qualificação intelectual?
Não é mesmo um sinal, já não digo de mera incultura, mas de positiva debilidade mental, que os mesmos apologistas do establishment universitário fossem os primeiros a apontar como mérito imarcessível do candidato Luís Ignácio Lula da Silva, em duas eleições, a sua total carência de quaisquer estudos formais ou informais? Não chegava a prodigiosa incultura do personagem a ser louvada como sinal de alguma sabedoria infusa? Todo sujeito que, à exigência de conhecimento, opõe o louvor evangélico aos “simples”, é um charlatão. Jesus prometeu aos “simples” um lugar no paraíso, não um palanque ou uma cátedra na Terra.

Frivolidade criminosa

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 25 de agosto de 2011

Em entrevista publicada pela BBC Brasil no último dia 19, o historiador americano John French, da Duke University, afirmou que, vinte anos após a queda da URSS, a esquerda no Brasil – e na América Latina em geral – está mais forte do que nunca, graças à criação do Foro de São Paulo em 1990.

“Quando eles começaram, disse French, os partidos que se reuniam nesses encontros a cada dois anos estavam todos em crise e se perguntando qual seria o futuro da esquerda”.

“Duas décadas depois – prossegue a BBC –, muitos desses mesmos partidos estão no poder em seus países, observa French, ao citar os exemplos da Frente Ampla (do Uruguai), da FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, de El Salvador) e da FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional, da Nicarágua), todos integrantes do Foro de São Paulo.”

French conclui: “O fato de que eles conseguiram chegar ao poder na última década é realmente impressionante.”

Impressionante, digo eu, é a resistência obstinada que a elite brasileira em geral opôs, durante duas décadas, a reconhecer que isso estivesse acontecendo. Mais impressionante ainda é que, depois de tudo, continue louvando e badalando os palpiteiros cegos que então a induziram em erro, e afetando desprezo olímpico a quem lhe informou e explicou tudo com antecedência mais que suficiente.

O Sr. Merval Pereira, cujo único feito jornalístico admirável foi repetir, diluídos, os meus artigos de dez anos antes, ganhou uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

O Sr. Pedro Bial, que ao me entrevistar em 1996 só faltou rir ante a minha assertiva de que a esquerda estava crescendo (v. http://www.youtube.com/watch?v=ehjFqQatiCo), até hoje não reconheceu que desconfiou da pessoa errada.

Os liberais quase todos, que só queriam falar de economia e não ligavam a mínima para o Foro de São Paulo, continuam arrotando doutrina como se ter sido atirados à lata de lixo da História pelo curso dos acontecimentos fosse um título de glória, uma prova de superioridade, não um atestado de incompetência colossal. Um deles, cujo nome não citarei por ser um ex-aluno meu pelo qual guardo um resto de condescendência paterna, insiste na conversa anestésica da massacrada e desmoralizada geração liberal anterior, assegurando, contra todas as estatísticas, que a participação das Farc no comércio de entorpecentes é mínima, que portanto a liberação das drogas – a menina-dos-olhos da ideologia libertarian – não trará vantagem nenhuma à esquerda latino-americana.

Os militares, já habituados a apanhar sem dar um pio, celebram a substituição de Nelson Jobim por Celso Amorim no Ministério da Defesa, como se essa mudança não trouxesse consigo, em troca da simples remoção de um ministro mal-educado, a promessa da total submissão das nossas Forças Armadas aos objetivos estratégicos do Foro de São Paulo.

E não faltam aqueles que, reconhecendo por fim aquilo que negavam, buscam consolar-se alegando que afinal o governo da esquerda onipotente não é tão mau assim, que a ordem democrática foi preservada e que o PNB – a medida máxima da realidade, na sua visão – está crescendo. Sabem perfeitamente que 50 mil brasileiros são assassinados por ano, que o sistema educacional foi totalmente destruído, que muito mais do que o país crescem a dívida federal e o consumo de drogas. Mesmo quando dispõem dessas informações, nada dizem a respeito, porque são coisas que não saem nas manchetes – e admitir qualquer informação que não seja avalizada pela mídia é expor-se ao risinho dos maliciosos, que os brasileiros de hoje, sem fibra nem caráter, temem como se fosse arma de destruição em massa. Pior ainda é acreditar piamente, como tantos, que todos esses fatos são detalhes laterais, sem significação política, quando na verdade constituem os pilares mesmos em que se assenta o poder da esquerda triunfante.

Já não me pergunto mais: Quando essa gente vai aprender? Já sei a resposta: é “Nunca”.

A frivolidade criminosa das nossas classes falantes – especialmente da nossa “direita” – é um fenômeno tão abjeto, tão deprimente, que só um masoquista da erudição se atreveria a descrevê-lo em detalhe. Da minha parte, sigo o conselho que Virgilio deu a Dante no primeiro círculo do inferno: Non raggionam di lor, ma guarda e passa –“Não vamos comentá-los: dê apenas uma espiada e vamos em frente.”

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