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Grandes brasileiros

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 14 de dezembro

Por estes dias, não sei bem a data, o embaixador José Osvaldo de Meira Penna completará noventa anos de idade. Noventa anos que valem por novecentos, tal a quantidade de experiência, conhecimento e sabedoria que esse homem extraordinário acumulou ao longo de uma vida repleta de estudos, viagens e encontros com personagens de primeira ordem. Já pedi e implorei que ele escrevesse suas memórias, mas não dá tempo: novas idéias e novos livros continuam brotando da cabeça dele num jato veloz e contínuo, sem lhe deixar uma brecha para registrar o passado. Num país onde as pessoas ficam gagás aos dezoito anos (não sem alguma ajuda universitária, é verdade), a pujança mental de um nonagenário, sua inteligência fulgurante e seu interesse apaixonado pela vida presente chegam a ter algo de obsceno. Já entrevejo o dia em que Meira Penna será proibido pela delegacia de costumes. Se isso ainda não aconteceu, pelo menos ele já sofreu toda sorte de boicotes, perfídias e difamações que a inépcia oficial reserva à genialidade despudorada. Há anos excluído da mídia chique – o que é antes um prejuízo para a população do que para uma alma alegre demais para ser vencida pelas frustrações –, ele só se comunica com os leitores através dos seus livros, do website www.meirapenna.org e de ocasionais aparições em congressos e conferências, onde ilumina os mais complicados problemas nacionais com uma lucidez de alguns milhões de watts e, com tiradas humorísticas surrealistas, faz a platéia passar mal de tanto rir. Felizmente seu humorismo não ficou só no improviso oral. Seus romances satíricos Urânia e Cândido Pafúncio estão entre as coisas mais engraçadas que já li nesta vida. É verdade que, diante de suas páginas, nem todos os leitores riem. Alguns choram – os personagens ridículos que ali se reconhecem.

Como adoramos conversar, eu e esse meu amigo queridíssimo vivemos inventando divergências só para no fim chegarmos à conclusão de que estamos de pleno acordo. Num único ponto somos inconciliáveis: ele é apaixonado por Brasília e eu estou seguro de que a única coisa bonita nessa cidade é o jardim da casa dele, um ambiente de sonho criado ao longo de trinta anos, com devoção e arte, por ele e por sua esposa, a adorável D. Dorothy, uma americana da North Carolina que mantém viva no coração do Brasil a tradição da hospitalidade sulista.

Qualquer que seja o caso, sou fã de carteirinha desse escritor originalíssimo e admirável, um dos melhores – e mais injustiçados – que já nasceram neste país onde se tolera tudo, exceto a inteligência, a verdade e a sinceridade. E só não vou elogiá-lo até à última linha deste artigo porque me ocorre que o próximo dia 3 de janeiro será o centenário de nascimento de um brasileiro ainda mais injustiçado: o filósofo Mário Ferreira dos Santos. Não houve na nossa terra e aliás também em muitas outras um pensador mais sério, mais profundo, mais consistente, mais grandioso nas suas realizações intelectuais e mais desprezado pela mediocridade em torno. Patrimônio da humanidade, sua obra atravessará os séculos. Quando o Brasil cessar de existir, será lembrado principalmente por este detalhe: aqui nasceu e viveu um dos mais autênticos gênios da filosofia universal.

Anistia?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 14 de novembro de 2006

O processo de indenização movido por César Teles e sua esposa Maria Amélia contra o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra é confessadamente um ato político, calculado para estimular outros militantes esquerdistas presos durante o regime militar, bem como seus descendentes, a que abram processos similares e mantenham acesa por tempo ilimitado a chama da “luta contra a ditadura”, que há vinte anos vem rendendo às organizações de esquerda incalculáveis lucros publicitários, políticos e financeiros.

A tática jurídica adotada é restringir ex post facto a aplicação da lei de Anistia, mediante a alegação de que ela só preserva contra a punição penal, não contra ações cíveis, uma nuance que nunca foi explorada antes por ser demasiado rebuscada para ocorrer de maneira natural e espontânea seja ao legislador, seja aos possíveis acusados ou eventuais beneficiários. A idéia do processo nasceu claramente de uma arificiosa investigação de brechas possíveis que permitam eternizar os ganhos da autovitimização esquerdista. Para os que combateram o terrorismo, bem como para os familiares dos que morreram nesse combate, tudo é um passado doloroso que deve ser esquecido. Para os esquerdistas, é um futuro repleto de promessas: há muito dinheiro nos cofres públicos que ainda não foi gasto em indenizações e muitas manchetes que ainda não foram escritas para a glória do terrorismo nacional. Há uma diferença substantiva entre a reivindicação sincera de quem se sente prejudicado e o ativismo judicial que visa a espremer até depois da última gota o limão das vantagens possíveis. Não é preciso colocar em suspeita a lisura de intenções do casal Telles em particular, pois a má-fé é o pressuposto geral de toda a instrumentalização esquerdista dos “anos de chumbo”.

O que ninguém parece ter notado é que, se o argumento da acusação for aceito pela Justiça, ele abrirá um precedente para que as vítimas e familiares de vítimas de atentados terroristas movam ações similares contra os membros de organizações esquerdistas que apoiaram a “luta armada”, inclusive, é claro César Telles e Maria Amélia Telles. Como diretores da gráfica do PC do B, partido maoísta, os Telles foram, além de auxiliares do terrorismo nacional, também cúmplices morais do genocídio chinês, podendo ser acusados, pelas leis internacionais, de crimes contra a humanidade, como acontece com os apologistas até mesmo retroativos do regime nazista. Só escaparam disso até hoje porque não existem no Brasil organizações de direita e, se existissem, dificilmente seriam mesquinhas ao ponto de tentar explorar politicamente cada crime real ou imaginário cometido pelos comunistas quatro décadas atrás, como os comunistas não se vexam de fazer, com tenacidade incansável, contra seus adversários.

No caso em particular da reclamação contra o coronel Brilhante Ustra, o juiz encarregado do processo terá de ser um campeão de autocontrole, um verdadeiro asceta espiritual, para resistir à pressão da mídia que já prejulgou e condenou o acusado. Mesmo aquelas raras publicações que não chamam o militar diretamente de “torturador”, negando-lhe o direito de ser considerado inocente até prova em contrário, recusam-se obstinadamente a publicar qualquer das alegações que ele apresenta em sua defesa no livro A Verdade Sufocada. Entrevistá-lo, então, é hipótese proibida e impensável nesses primores de idoneidade que são os grandes jornais e canais de TV deste país. Quando eles choramingam que estão sendo oprimidos pela militância petista, fazem-no com sobra de razão, exatamente como a esposa fiel que, depois de fazer todos os sacrifícios possíveis pelo bem do marido, ainda leva uns tapas do sem-vergonha.

Mas, de modo geral, as vítimas do terrorismo estão colocadas numa posição juridicamente mais que favorável para exigir indenizações de seus algozes, já que o dano que sofreram foi imensuravelmente maior que o de qualquer comunista ou pró-comunista dos anos 60-70.

Em primeiro lugar, na época não agiam em nome de organizações ilegais, mas em obediência aos códigos militares e policiais que regiam o combate ao terrorismo. Mesmo que tenham cometido abusos e devam pagar por eles, resta o fato inquestionável de que esses desvios criminalmente imputáveis ocorreram no exercício de funções que eram, em si, perfeitamente legais, ao passo que os terroristas, mesmo quando se comportavam com honra e se esquivavam de participar de atrocidades como o assassinato de um prisioneiro a coronhadas pelo chefe guerrilheiro Carlos Lamarca, estavam envolvidos numa atividade essencialmente ilegal e criminosa, com o agravante de agir a mando de organizações internacionais como a OLAS, Organización Latino-Americana de Solidariedad, fundadas e subsidiadas por algumas das ditaduras mais genocidas que já existiram no planeta.

Em segundo lugar, as vítimas e familiares de vítimas do terrorismo foram alvo de tratamento abjetamente discriminatório por parte do governo esquerdista, que lhes recusou toda assistência e, quando lhes deu indenizações, tardiamente como aconteceu no caso da família do falecido sargento Mário Kozel Filho, foi mediante quantias miseráveis que, na comparação com a orgia financeira dos prêmios concedidos aos esquerdistas, somavam ao dano material o agravante moral da injúria. Isso quer dizer que, além de exigir indenização dos próprios terroristas, que hoje são poderosos e ricos, essas vítimas podem cobrá-la também do governo.

Em terceiro lugar, a disparidade de tratamento que os mortos dos dois lados receberam na mídia é tamanha e tão patente, que ninguém pode em sã consciência deixar de enxergar nela uma das causas da injustiça governamental na distribuição de indenizações – o que significa que os órgãos de mídia também podem ser acionados como autores dos imensos danos morais infligidos às vítimas e descendentes de vítimas do terrorismo.

Em suma: para cada processo cível que os terroristas e seus parceiros possam mover contra seus supostos algozes, as vítimas do terrorismo têm munição para mover pelo menos três: contra os terroristas, contra o governo, contra as grandes empresas de mídia.

Se houvesse organizações militantes de direita, e se estivessem conscientes da força do ativismo judicial como arma política, a dor que os esquerdistas sentiriam no bolso seria tão insuportável que, com imenso alívio, desistiriam de iniciativas como a do casal Telles e prefeririam investir suas energias na indústria nacional dos panos quentes.

Enquanto os perseguidos pelo petismo não decidirem se organizar para um ataque judicial a seus algozes, em vão pedirão socorro divino. Até Deus precisa de motivação. Se você mesmo tem preguiça de reconhecer a gravidade da sua situação, e de agir em conseqüência, por que haveria o Altíssimo de se preocupar com você?

A nova mídia mundial

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 27 de julho de 2006

Israel não atacou o Hezbollah em reação abrupta e exagerada ao seqüestro e morte de uns quantos soldados. Israel deu uma resposta moderada e tardia a mais de quinhentos mísseis lançados contra o seu território nos últimos meses. Nenhuma nação do mundo tem a obrigação de suportar esse tipo de ataque nem por um dia, muito menos a de refrear-se polidamente no trato com um inimigo que jurou extirpá-la do planeta e que não parou de tentar cumprir essa decisão por todos os meios possíveis.

Se essa obviedade se tornou tão difícil de enxergar, foi graças à densidade plúmbea das sucessivas cortinas de fumaça erguidas entre os fatos e o público pelo lobby pró-terrorista da ONU e pela militância jornalística internacional, orgulhosa de seu poder de “transformar o mundo” por meio da mentira organizada, sincrônica, onipresente e avassaladora.

Seria ridículo, diante disso, falar de um “viés” anti-israelense. Viés é linha transversal sobre um fundo reto, é detalhe torto num quadro direito. O que está torto agora é o fundo mesmo, é a estrutura inteira do quadro. Já não se trata de abusos soltos, notáveis apenas pelo número e pela freqüência. Estamos diante de uma mutação radical da própria função da mídia, autopromovida a instrumento consciente da “guerra assimétrica” e tendo nela um papel ainda mais decisivo que o das bombas e tiros. Já expliquei isso em outro lugar (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/060724dc.html) e não tenho por que repeti-lo. Acrescento apenas que, se a guerra assimétrica foi inventada precisamente para transformar cada vitória militar em derrota política por meio da pressão da mídia, Israel estará em maus lençóis se atacar apenas aqueles seus inimigos que estão no Líbano, deixando a salvo os que estão por toda parte. 

***

O sr. Luís Inácio da Silva, presidente do Foro de São Paulo, licenciado para exercer as funções de chefe da bagunça nacional, anuncia que, após inumeráveis ensaios gerais que todos já imaginavam erroneamente ser o espetáculo, só agora vai começar a construir – enfim! – o Brasil dos seus sonhos.

Que raio de coisa será isso?

Dois indícios já surgem no horizonte. O primeiro é a Lei Amarildo, aprovada pelo Senado, que restaura por vias indiretas e camufladas a velha ambição presidencial de controlar a imprensa hostil por meio de alguma focinheira burocrática. Não deixem de ler, a respeito, o artigo de Ipojuca Pontes, “A lei da mordaça” (http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=5083).

O segundo indício é o asilo político concedido pelo Comitê Nacional para Refugiados ao terrorista, narcotraficante, assassino e seqüestrador Francisco Antônio Collazos, aquele mesmo que, segundo o governo, não trouxe, não, não trouxe nunca, não trouxe jamais cinco milhões de dólares das Farc para a campanha presidencial do PT. A concessão é ilegal, uma vez que o próprio estatuto do Comitê proíbe dar asilo a quem tenha “participado de atos terroristas ou tráfico de drogas” (sic). Mas, no Brasil dos sonhos do sr. presidente, esse opressivo detalhe jurídico já é coisa do passado.

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