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Precaução elementar

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 07 de maio de 2007

Não acreditar em nada que seja apresentado como fato pela Folha de S. Paulo ou por sua associada UOL é uma precaução tão elementar quanto trancar as portas e janelas à noite. Vejam por exemplo a matéria sobre a aprovação do projeto Mathew Sheppard pela Câmara de Representantes dos EUA, em http://gonline.uol.com.br/site/arquivos/estatico/gnews/gnews_noticia_19433.htm . Desde logo, nem uma palavra sobre a promessa formal do presidente Bush de vetar a medida “anti-homofóbica” se ela chegar à sua mesa, isto é, se não for logo rejeitada pelo Senado. Sem essa informação, o leitor fica imaginando que o projeto já virou lei. Como notícia, não vale nada, mas vale muito como estímulo à aprovação da PLC 122/2006, o equivalente nacional daquele projeto. Leitores persuadidos de que a legislação pró-gay já está em vigor na pátria do conservadorismo se sentirão decerto inibidos de condenar como radical de esquerda a sua equivalente nacional. É um dos mais velhos truques do esquerdismo jornalístico brasileiro: usar notícias americanas, devidamente alteradas, como entorpecente para anestesiar a direita local, que, verdade seja dita, jamais deixa de cair no engodo com uma docilidade admirável.

Logo em seguida a agência informa que “a lei em questão foi renomeada como Matthew Shepard Act em homenagem ao estudante Matthew Shepard, que foi brutalmente e homofobicamente assassinado em 1998 e, desde então, se tornou marco na luta homossexual americana por direitos iguais”. O assassinato de Mathew Sheppard não teve nada de homofóbico. Os bandidos mataram para roubar. Eles apenas se fingiram de homossexuais para mais facilmente ganhar a confiança do estudante e poder seqüestrá-lo. O homossexualismo da vítima foi instrumento, não motivo do crime.

Apesar disso, o movimento gay imediatamente inventou um jeito de tirar proveito publicitário do delito, atribuindo-o a um “clima de ódio” anti-homossexual e jogando a culpa de tudo nos cristãos, como se a motivação dos assaltantes tivesse sido um preceito evangélico.

Com a maior sem-cerimônia, o UOL endossa a versão publicitária e a vende como notícia líquida e certa. É fraude jornalística em estado puro. Mas não se pode dizer que não tenha precedentes. O exemplo vem de cima. Todos os grandes jornais e redes de TV dos EUA fazem a mesma coisa, já que pertencem a grupos político-financeiros globalistas interessados em fomentar a homossexualidade como meio de controle populacional junto com o abortismo. Com o mesmo cinismo com que transformam um assalto à mão armada em prática religiosa, seguem um rigoroso critério seletivo no que diz respeito às relações entre sexo e homicídio: quando a vítima é gay ou lésbica, sua preferência sexual é trombeteada aos quatro ventos, mesmo que não tenha nada a ver com o delito. Se, ao contrário, quem é homossexual é o assassino, este fato é omitido por completo, mesmo quando diretamente relacionado ao motivo do crime. No famoso massacre de Columbine, pelo menos um dos dois garotos assassinos era homossexual e ambos eram fanáticos anticristãos, tendo gravado um vídeo repleto de expressões de ódio explícito ao cristianismo logo antes de invadir a escola e fuzilar doze crianças. Nem uma palavra a respeito saiu nos grandes jornais ou nos noticiários de TV. Do mesmo modo, a pregação da professora Nikki Giovanni que inoculou na cabeça de Cho Seng-hui o ódio aos cristãos, aos judeus e aos brancos em geral é até hoje desconhecida dos leitores – ou, melhor dizendo, das vítimas – do New York Times e similares. É assim que se cria a lenda da homofobia epidêmica, encobrindo o fato brutal do anticristianismo e do anti-americanismo militantes, as maiores causas de delinqüência juvenil nos EUA, diretamente alimentadas pela elite iluminada que em seguida tira proveito dos efeitos letais de seus próprios atos, lançando as culpas sobre aqueles a quem deseja destruir.

Se não fosse pelo rádio e pela internet, milhares de notícias fundamentais para a compreensão dos estado de coisas permaneceriam totalmente inacessíveis ao público americano (a diferença entre os EUA e o Brasil é que neste último a elite iluminada que manda nos jornais domina também o rádio e a internet, não deixando espaço senão para a mídia eletrônica nanica e um ou outro colunista aberrante, no sentido técnico que esta palavra tem no contexto gramsciano). Mesmo com as verbas estatais que a alimentaram depudoradamente, a Radio America de Bill Clinton foi um fracasso. Nenhum veículo de esquerda pode concorrer com o WorldNetDaily no jornalismo eletrônico ou com os shows de Rush Limbaugh e Michael Savage no rádio. Isso explica o abismo entre o que os americanos e os brasileiros sabem dos EUA: a rádio americana não chega ao Brasil, só os programas de TV e o material traduzido dos jornais, isto é, o recorte esquerdista exclusivo. Mas explica também por que uma das primeiras iniciativas da sra. Nancy Pelosi após a conquista da Câmara dos Representantes pelo Partido Democrata foi sugerir a volta a um antigo regulamento da United States Federal Communications Commission que obrigava as estações de rádio a apresentar, junto com cada opinião emitida, a sua contrária. Esse regulamento, conhecido como “Fairness Doctrine” (mais ou menos “Doutrina da Decência”), vigorou numa época em que não existia a atual divisão de território, com os jornais e a TV à esquerda, o rádio e a internet à direita. Seu retorno, hoje, daria imediatamente aos esquerdistas, de mão-beijada, cinqüenta por cento do espaço dominante dos conservadores no rádio, deixando intacto o monopólio praticamente absoluto que a esquerda tem na TV e na mídia impressa. Do atual meio-a-meio, a divisão mudaria para 75 por cento contra 25 por cento. Do dia para a noite, os EUA se tornariam quase um Brasil petista em inglês (digo “quase” porque 25 por cento, para o anti-esquerdismo brasileiro, seria um sonho dourado muito acima das suas ambições atuais).

Por uma coincidência irônica, o único órgão da grande mídia que pratica usualmente a “Fairness Doctrine”, e o faz aliás por vontade própria e não por obrigação legal, é a FoxNews. Em cada acontecimento, em cada programa, os dois lados são ouvidos. Bill O’Reilly, conservador moderado nas idéias mas radical nas atitudes, praticamente só entrevista esquerdistas, batendo ou apanhando conforme a sorte do momento. E o programa que personifica a orientação geral do canal é o show de Sean Hannity e Larry Colmes, um conservador e um esquerdista que só estão de acordo em discordar a respeito de tudo. Pois olhem que isso basta para que a esquerda em peso considere a Fox um canal de extrema direita e até “parte integrante da máquina de guerra do governo Bush”.

Conto essas coisas para mostrar que o UOL tem a quem imitar. Mas há certos ardis mais grosseiros que só podem ser praticados à distância, porque aqui dariam na vista. No dia 17 de abril a agência punha a circular o seguinte parágrafo:

“Sacerdotes americanos se reuniram nesta terça-feira, dia 17 de abril, na Colina do Capitol, para pedir a aprovação da lei antidiscriminação em todo o país, agora rebatizada de Matthew Shepard Act. ‘Nós somos pessoas de fé e também somos pessoas que têm um compromisso com a verdade’, afirmou o Reverendo William Sinkford, presidente da Unitarian Universalist Association.”

Descontemos o fato de que o redator semi-alfabetizado ignora o termo vernáculo “Capitólio”, usado desde há dois séculos para designar a sede do parlamento americano em vez do original inglês “Capitol”.

Qualquer criança de escola, nos EUA, sabe que os membros da Unitarian Universalist Association não são “sacerdotes americanos” tout court , mas um tipo muito, muito especial de sacerdotes americanos, diferentes de todos os outros. A Igreja Unitarista não é cristã. Não é nem é deísta, como Voltaire. O unitarismo declara-se “uma fé sem credo” e proclama que sua doutrina é uma mistura de princípios cristãos, judaicos, budistas, naturistas, ateístas e agnósticos. É, em suma, a religião da New Age, o que pode haver de mais antagônico ao cristianismo majoritário da população americana. Ao apresentar seus porta-vozes como “sacerdotes americanos”, o UOL induz o leitor a acreditar que os cristãos da América apóiam a legislação “anti-homofóbica” concebida para colocá-los na cadeia. Chamar isso de jornalismo é como chamar o Fernandinho Beira-Mar de empresário.

Porém ainda mais mentiroso é dizer, com o UOL, que a luta dos homossexuais americanos é “por direitos iguais”. Uma lei que criminaliza as críticas a uma opção sexual em especial e não concede a mesma proteção a todas as outras (muito menos à heterossexualidade monogâmica religiosa, contra a qual os doutrinários do gayzismo poderão continuar dizendo as maiores barbaridades, como aliás sempre disseram) é exatamente o contrário da igualdade de direitos. É a institucionalização de um privilégio. Pois justamente o que os adversários do projeto Mathew Sheppard mais alegam contra ele é o princípio constitucional da igualdade perante a lei. Mas como é que o leitor vai saber disso, se o UOL diz que tudo o que os homossexuais querem é a “igualdade”?

Não entendo por que até agora nenhum leitor indignado se lembrou de usar, contra esses abusos da mídia, o Código do Consumidor. Se um jornal ou agência promete cobertura honesta e depois faz coisas como essa que acabo de mostrar, é obviamente culpado de propaganda enganosa. Por que não ensinar aos senhores da mídia, pelo meio mais simples e rápido, que eles não estão acima da lei?

Mas não pensem que estou falando do caso Folha-UOL em particular. Quando se trata das causas queridinhas do globalismo esquerdista (aborto, gayzismo, neo-racismo, ecologismo, feminismo, liberação das drogas, etc. etc.), toda a grande mídia nacional, sem exceção, se torna mentirosa ao ponto de raiar a sociopatia pura e simples. Não é preciso dizer que, em todos esses tópicos, seu acordo com o PT é completo e indiscutível. Ela só ataca o governo em questões menores, acusando sua ineficiência ou corrupção, como aliás a mídia comunista também podia fazer e fazia na própria URSS. São briguinhas de comadres sobre o fundo de uma uniformidade ideológica espantosa, subsidiada, de parte a parte, pelas mesmas fontes internacionais.

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Por falar nisso, vocês repararam que na mídia nacional o Champinha deixou de ser o assassino de Liana e Felipe e se tornou “um jovem envolvido” nesse crime? Quanta delicadeza! Quantos cuidados paternais! Se ao menos nossos jornais e jornalistas tivessem idêntica gentileza para falar das vítimas, este país seria mais suportável.

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Perceber os nexos lógicos entre sentenças é coisa que qualquer criança faz espontaneamente e um macaco, se bem treinado, não ficará longe disso. O raciocínio lógico, no fim das contas, não passa de um automatismo, e é por isso mesmo que pode ser imitado por máquinas. Mais difícil, e infinitamente mais importante, é captar a ligação entre o encadeamento lógico-verbal e as conexões reais entre coisas, fatos e ações. Isto requer algo mais do que raciocínio lógico: requer imaginação. Mas a imaginação segue a vontade. Quando você não quer entender alguma coisa, com a maior desenvoltura corta os elos entre os dois tipos de nexos e, sem deixar de compreender perfeitamente bem a demonstração lógica, torna-se incapaz de captar a conexão real que ela significa.

É uma espécie de psitacismo voluntário, ou melhor, um psitacismo que começa por um ato de vontade e se torna depois um cacoete incurável. Não conheço um só brasileiro que, em maior ou menor medida, não padeça desse mal. Digo isso porque há quarenta anos o combato em mim mesmo, e de vez em quando ainda me pego raciocinando no vazio. É uma doença terrível. Os políticos, então, já morreram dela faz tempo, e só continuam vivos em aparência. Não há UTI cognitiva que os recupere. É pois com absoluto ceticismo que ofereço aos senhores parlamentares as seguintes considerações sobre o projeto de lei PLC 122/2006:

Proteger contra críticas uma determinada preferência sexual mas não as outras é discriminação ostensiva e irracional. Aprovada a PLC, teremos a seguinte situação: se eu, num acesso de loucura, disser que o sr. presidente da República transar com a própria esposa é a abominação das abominações, ele nada poderá fazer contra mim; mas, se ele sair bolinando o sr. Marco Aurélio Garcia na sala da presidência, não poderei dizer nem uma palavra contra isso. (Não creio que ele venha a ter essa idéia, muito menos a realizá-la, é claro. Dou o exemplo extremo porque sua tipicidade esquemática é insofismável e é assim que se raciocina em ciência do Direito.)

Só há dois meios de contornar essa dificuldade: permitir que todas as preferências sexuais continuem expostas à crítica ou estender a todas, por igual, a proteção da lei. A primeira hipótese equivale a rejeitar in limine a PLC 122. A segunda implica que a preferência pela monogamia heterossexual indissolúvel, nos moldes religiosos, seja considerada – vejam vocês — pelo menos tão decente e digna de amparo estatal quanto a perversidade polimorfa, o sadomasoquismo ou o sexo com animais. O próprio homossexualismo não poderá aspirar a mais privilégios do que essas outras variantes.

Mas aí surge uma nova dificuldade: a lei protegerá só o direito de praticar discretamente cada opção escolhida ou também o de alardear em público a sua superioridade em relação às demais? Dito de outro modo: se o legislador desiste de proteger uma só preferência e admite proteger todas, ele tem de optar, em seguida, entre (a) permitir a apologia ostensiva de todas, (b) proibi-las por igual ou (c) proibir a de algumas e vetar a das outras. Na hipótese “c”, voltamos ao problema da discriminação enunciado acima. Na hipótese “b” teremos instaurado a censura total em matéria de sexo, uma apoteose de moralismo repressor que nem mesmo a Santa Inquisição ambicionou criar. Na hipótese restante, nada poderá impedir que cada cidadão, se assim o desejar, proclame a sua preferência a única aceitável e saia falando mal das demais. É mais ou menos a situação que temos hoje, sem lei nenhuma para separar as opiniões proibidas e permitidas em matéria de sexo. É a liberdade.

Só há um problema: se a liberdade de falar em favor de uma opção sexual e contra as outras deixa de ser um mero costume espontâneo e se torna uma garantia legal, o legislador terá de esclarecer se essa garantia há de ser concedida a todos incondicionalmente ou se terá limites. O primeiro caso equivale consagrar como lei a ausência de leis a respeito do objeto dessa mesma lei (mais ou menos como a Constituição americana fez com a liberdade de imprensa: “Este Congresso NÃO fará leis a respeito”). É o que recomendo que Suas Excelências façam.

O segundo caso, porém, obrigará os senhores parlamentares a decidir se todos os motivos que o cidadão possa alegar para ser contra determinada opção sexual serão permitidos, ou só alguns deles. Por exemplo, será lícito ser contra o homossexualismo por motivos morais e religiosos, ou, ao contrário, só a falta do tesão respectivo será considerada motivo legítimo? Na primeira eventualidade, os religiosos continuarão falando mal do homossexualismo, e os homossexuais continuarão falando mal deles, todos sob igual proteção do Estado (considero isso a maravilha das maravilhas, mas ela requer precisamente a ausência de lei específica). Na segunda, o Estado consagrará um fator pessoal subjetivo — o tesão, ou falta dele — como único fundamento legítimo de qualquer opinião a respeito de sexo, proibindo toda tentativa de apelar a argumentos suprapessoais de qualquer natureza. As pessoas poderão justificar suas opções dizendo “gosto disto, não gosto daquilo”, mas serão proibidas de buscar razões superiores à mera preferência pessoal. A liberdade de gostar ou desgostar terá como contrapartida a proibição de pensar, ao menos em voz alta.

Nenhuma das dificuldades que aqui enunciei é apenas um obstáculo de ordem lógica. Todas são problemas reais, concretos e insolúveis que, se aprovada a PLC 122, logo aparecerão nos tribunais, exigindo dos senhores juízes decisões que, em todos os casos, resultarão em alguma injustiça patente.

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Ao terminar de redigir este artigo sairei correndo para Washington D. C. Vou tentar entrevistar um grupo de deputados equatorianos que, perseguidos pelo presidente Correa, vieram pedir socorro à Comissão de Direitos Humanos da OEA. Vejam vocês como são as coisas. Esses opressores burgueses vieram sem um tostão para pagar hotel, dormem na casa de uma pessoa amiga em Washington, empilhados numa sala de três metros e meio por quatro. Se fossem pobres e oprimidos, estariam no Sheraton ou no Hilton, cada um numa suíte. A vida é assim.

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