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Ainda a hegemonia

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 03 de julho de 2008

Um dos princípios fundamentais do marxismo é a união indissolúvel do conhecimento e da ação revolucionária. Quaisquer que sejam os erros da teoria, eles acabam sendo neutralizados, na prática, pela constante revisão da estratégia à luz da experiência adquirida pelo “intelectual coletivo” (o Partido) na sua luta pela conquista do poder absoluto e pela destruição final do adversário.

A intensidade do esforço intelectual coletivo, organizado e voltado a objetivos mensuráveis, dá aos partidos de esquerda uma capacidade de ação concentrada, orgânica, que seus adversários no campo liberal e conservador nem de longe conseguem emular, e no mais das vezes nem mesmo conceber.

Na verdade, a simples necessidade de adestrar os intelectuais e organizá-los para uma ação cultural integrada é algo que jamais passou pelas cabeças dos nossos “direitistas”. No máximo, o que concebem é uma pura “disputa de idéias”, como se, uma vez demonstrada em teoria a superioridade intrínseca da livre empresa, a militância socialista se dissolvesse por si, cabisbaixa e arrependida, desistindo para sempre de suas ambições revolucionárias.

Nem de longe suspeitam que, na voragem da ação política, as “idéias” podem vir a representar um papel bem diverso – ou até inverso – daquilo que parecem anunciar pelo seu mero conteúdo. O “intelectual coletivo”, consciente dessa diferença bem como do fato de que os direitistas em geral a ignoram, diverte-se sadicamente, num jogo de gato e rato, fazendo as idéias mais ortodoxamente direitistas trabalharem pela glória e triunfo do esquerdismo.

A aposta unilateral dos liberais no “enxugamento do Estado”, inspirada em considerações econômicas e morais perfeitamente verazes e justas em si mesmas, mas amputadas de toda conexão com a estratégia política e cultural, só tem servido para transferir as prerrogativas do Estado para as ONGs esquerdistas, quando não para organismos internacionais perfeitamente afinados com o esquerdismo.

A idéia abstrata de “lei e ordem”, inteiramente correta, mas letal quando desligada do respectivo quadro cultural e estratégico, levou muitos liberais a colaborar servilmente na derrubada de Fernando Collor, a entronizar portanto a esquerda como detentora das virtudes morais por antonomásia e a dar-lhe por essa via os meios de elevar a corrupção a alturas que o ex-presidente não poderia nem mesmo imaginar.

Não houve então um só intelectual esquerdista que, vendo o decano liberal Roberto Campos sair do hospital em cadeira de rodas para ir votar contra Collor, não se lembrasse, com enorme satisfação, da máxima de Lênin que recomenda fazer o adversário lutar contra si próprio. E não houve um só deles que não enxergasse, no sepultamento político do ex-presidente, o prenúncio da iminente ascensão petista.

Já assinalei também, nestes artigos, a facilidade com que, em prol da liberdade de mercado, liberais e conservadores admitem negociar – ou ceder de graça – os princípios morais e culturais que geraram essa liberdade e sem os quais ela não subsiste senão como etapa de transição para o socialismo.

A “direita” deixa-se conduzir porque não tem nenhuma visão ou plano de conjunto, apenas o apego a pontos de detalhe que, de um modo ou de outro, sempre podem ser manejados para encaixar-se na estratégia abrangente da esquerda.

Para que tivesse essa visão ou plano, a direita precisaria ter formado uma genuína militância intelectual habilitada, no mínimo, a acompanhar as discussões internas da esquerda e a prever o curso das manobras estratégicas que ali se preparam.

Mas como esperar que os intelectuais da direita enxerguem o futuro, se não querem nem mesmo olhar para o passado e o presente? Participei de muitos Fóruns da Liberdade, em Porto Alegre – a maior concentração de inteligências liberais e conservadoras que já se viu no Brasil – e jamais ouvi ali uma única palavra sobre o Foro de São Paulo, exceto saída da minha própria boca.

Enquanto os liberais e conservadores discutiam em abstrato o sistema econômico e a estrutura do Estado, a esquerda construía, diante dos seus olhos cegos, a maior e mais poderosa organização política – político-militar, na verdade – que já existiu no continente.

E, cada vez que falo em criar uma intelectualidade, eles me olham como se eu fosse um professor de abstratices, a quem se pode ouvir com reverência polida, mas jamais levar a sério no campo da “prática”, que eles consideram o seu terreno próprio. Como se fosse muito prático teimar no erro e perder sempre.

A inversão revolucionária

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 29 de outubro 2007

Recentemente, o deputado democrata Harry Reid, na ânsia de atribuir crimes hediondos às tropas americanas sediadas no Iraque, levou à Câmara, com grande estardalhaço de mídia, o depoimento horripilante de um ex-soldado que, segundo se descobriu depois, jamais estivera no Iraque nem era portanto testemunha do que quer que fosse.

Como o radialista Rush Limbaugh denunciasse o fato no seu talk show de 38 milhões de ouvintes, acusando Reid de jogar a opinião pública contra as Forças Armadas mediante depoimentos de “phony soldiers” (falsos soldados), o deputado apresentou à mesa da Câmara um enfezadíssimo requerimento exigindo que Limbaugh pedisse desculpas por “ofender as tropas americanas”.

Reid é um malandrão, metido em negócios imobiliários cabeludos, mas não, o episódio não se explica pela simples mendacidade. O uso normal da mentira na política ou no comércio é sempre limitado pelo senso da verossimilhança. Quando um sujeito sai ostensivamente acusando os outros daquilo que todo mundo sabe que ele próprio fez, ele não está propriamente querendo enganar as pessoas, nem enganar a si próprio: está querendo que a mentira seja aceita como verdade precisamente por ser mentira e por ser conhecida como tal ; está querendo inverter o quadro mesmo de referências e fazer com que a inteligência humana se prosterne conscientemente ante a mentira, investida enfim do prestígio paradoxal e mágico de uma forma superior de veracidade.

Reid está fazendo, no fundo, precisamente o mesmo que aquele palhaço maoísta fez ao me acusar de calúnia por lhe imputar a autoria de um crime que ele próprio se gabava de ter-lhe rendido uma condenação na Justiça. Está fazendo o mesmo que o dr. Emir Sader faz ao produzir com dinheiro público um “Dicionário Crítico do Pensamento da Direita” que omite sistematicamente toda menção aos mais célebres pensadores de direita, cuja leitura poderia corromper as mentes virginais dos jovens esquerdistas. Está fazendo o mesmo que a intelectualidade esquerdista em peso faz ao fomentar o banditismo e depois imputar suas culpas à “sociedade de classes”. Está praticando, em suma, a inversão revolucionária da realidade.

“Revolução” significa precisamente um giro, uma inversão de posições. O tema do “mundo às avessas”, que invadiu o teatro e as artes plásticas na entrada da modernidade, impregnou-se tão profundamente na mentalidade revolucionária que acabou por se tornar um reflexo inconsciente, consagrando-se por fim como o método de pensamento essencial – e na verdade único – da intelectualidade ativista e dos políticos de esquerda. Não é de espantar, pois, que aqueles que se deixam seduzir em mais ou em menos pela idéia revolucionária, nem sempre sendo capazes de virar o mundo de pernas para o ar como desejariam, façam ao menos a revolução nas suas próprias cabeças, invertendo as relações lógicas de sujeito e objeto, de afirmação e negação, de anterioridade e posterioridade, e assim por diante, enxergando portanto tudo às avessas e só admitindo como verdade o contrário do que os fatos dizem e os documentos atestam.

A justificativa moral que têm para isso é sublime. Bertolt Brecht resumiu-a assim: “Mentir em prol da verdade.” O pressuposto filosófico da fórmula, incompreensível a quem desconheça as sutilezas do marxismo, é que o socialismo é a essência oculta do processo histórico, a finalidade secreta a que tendem inconscientemente todos os atos humanos. Se, mentindo, você apressa o advento do socialismo, está ajudando a revelar a verdade. Se, ao contrário, você se apega à realidade dos fatos para argumentar contra o socialismo, está atrapalhando a revelação e servindo portanto ao reino da mentira.

Notem como isso inverte, de um só golpe, a relação lógica não só entre o falso e o verdadeiro, mas entre o conhecido e o desconhecido. Para a mentalidade humana normal, o passado pode ser conhecido mediante documentos e testemunhos, mas o futuro só pode ser conjeturado. Para o revolucionário, o futuro é a única certeza: o passado pode ser modificado à vontade conforme os interesses superiores da revolução a cada momento. Quando a Enclopédia Soviética apagava das fotos históricas os personagens que iam se tornando politicamente inconvenientes, ou quando os nossos bravos esquerdistas alegam cinicamente como prova do envolvimento americano na preparação do golpe de 31 de março de 1964 justamente os documentos que mostram que os americanos só se meteram no assunto depois do golpe eclodido (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/061123jb.html ), estão fazendo exatamente o mesmo que Harry Reid: invertendo o passado para amoldá-lo ao futuro desejado.

Embutida no cerne mesmo da doutrinação socialista, essa regra confere aos militantes – e, por tabela, aos companheiros de viagem – não só o direito, mas o dever estrito de mentir. Não de mentir aqui ou ali, em detalhes que possam se encaixar mais ou menos no quadro geral da verdade, mas de mentir sempre, mentir em profundidade, mentir de alto a baixo, com obstinação e audácia, até que aqueles que conhecem a verdade percam de vez todo desejo de contrapô-la à tremenda, à avassaladora autoridade moral da mentira.

Quem não compreenda esse traço da mentalidade revolucionária está totalmente desaparelhado para enfrentá-la seja no terreno intelectual, seja na política prática.

Não é preciso dizer que a mentira material, a inversão dos fatos, é só a aplicação mais grossa e visível da regra. Com base no mesmo princípio essencial, a arte da influência revolucionária produziu uma tal pletora de estratagemas, que seu repertório de trapaças já não pode ser abarcado pelos estudos usuais sobre argumentação sofística.

Só para dar um exemplo: o mais elementar e notório dos sofismas é a “petição de princípio” ( petitio principii ). Consiste em tomar como premissa probante, dada como verdadeira a priori , a afirmação mesma que se pretende demonstrar. É um truque tão besta que até crianças o reconhecerão à primeira vista, se você lhes ensinar as regras da demonstração válida. Mas a retórica revolucionária descobriu que a inviabilidade lógica de um argumento não o torna necessariamente ineficaz do ponto de vista psicológico. As petições de princípio, em especial, têm uma força persuasiva tremenda, que contrasta de maneira patética com a sua impotência lógica. Repetidas um certo número de vezes, elas podem gradativamente inocular no leitor ou ouvinte a convicção semiconsciente ou implícita (e por isto mesmo tanto mais forte) de que a afirmação duvidosa ou falsa não é duvidosa nem falsa de maneira alguma, é antes líquida, certa e universalmente aprovada. Isso acontece por simples efeito acumulativo. Toda e qualquer demonstração vai do certo para o duvidoso, subentendendo que o primeiro é admitido pelo ouvinte tanto quanto pelo falante e está, por isso mesmo, fora de discussão. Quando você coloca o duvidoso no lugar do certo, seu interlocutor terá de admiti-lo como certo, mesmo persuadido de que é falso, para poder completar o raciocínio. Ou seja: você induz o sujeito a pensar contra suas próprias convicções. Para o interlocutor adestrado no exame dialético das contradições, essa concessão é banal, mas no ouvinte desavisado ela pode ter um efeito psicológico profundo. Forçado a repeti-la determinado número de vezes, ele entra em estado de dissonância cognitiva , não distinguindo mais entre o crer e o mero pensar, e então está pronto para admitir como substantivamente certa, ao menos de maneira implícita, a afirmação que tinha sido tomada como tal apenas para fins provisórios de raciocínio. Pesquisas psicológicas já velhas de três décadas (mas ainda totalmente desconhecidas do público brasileiro em geral) demonstram que, em oitenta por cento dos casos, é fácil obter uma mudança de convicções mediante esse truque simples e barbaramente desonesto, conhecido entre os técnicos sob o nome de door-in-the-face , “bater a porta na cara” (v. R. B. Cialdini et al ., “Reciprocal concessions procedure for inducing compliance: the door-in-the face technique”, em Journal of Personality and Social Psychology , vol. 31, no. 2, pp. 206-215, 1975).

Em artigos vindouros darei amostras da aplicação diária e persistente dessa técnica pelos cultores do “mundo às avessas”.

Karl Marx na fonte da juventude

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 30 de julho de 2007

O recente “tsunami Marx que acaba de invadir as prateleiras das livrarias de todo o País”, como o qualifica entusiasticamente O Estado de S. Paulo do dia 22, comprova, da maneira mais clara possível, algo que venho dizendo há tempos: o bom e velho Partido Comunista ainda domina a indústria editorial e a mídia cultural no Brasil, aí exercendo um poder mais vasto e eficiente até do que nos anos 50 ou 60.

É natural que esse controle monopolístico do mercado jamais admita sua própria existência, procurando, ao contrário, explicar a onipresença retumbante da propaganda marxista nas livrarias como se fosse um fenômeno espontâneo gerado pela pura “vitalidade intelectual” do marxismo, imune ao fracasso econômico dos regimes socialistas.

Mas essa vitalidade intelectual simplesmente inexiste.

Nove décimos do “pensamento marxista” desde a morte de Marx consistem em produzir novos significados para a doutrina do mestre, de modo que ela acabe dizendo o que não dizia antes e, a cada vez que é refutada pelos fatos, pareça emergir do confronto revigorada e vitoriosa.

Uma das estratégias mais freqüentes usadas para esse fim é dissolver a estrutura da teoria tal como aparece nos escritos de Marx e reconstruí-la desde algum ângulo que pareça mais vantajoso – ou menos vexaminoso – desde o ponto de vista do estado presente dos conhecimentos.

O marxismo, como o darwinismo, não sobrevive ao teste do tempo mediante repetidas comprovações da sua veracidade originária, como acontece com a aritmética elementar ou com a tabela periódica dos elementos, mas mediante a descoberta – ou invenção — de novas veracidades possíveis ocultas sob os escombros das suas pretensões refutadas.

Qualquer teoria, beneficiada ciclicamente por esse tratamento rejuvenescedor, pode adquirir uma espécie de eternidade. O que os responsáveis por semelhante milagre geriátrico jamais informam à deslumbrada platéia é que esse tipo de vida eterna não é próprio das teorias científicas e sim dos símbolos literários, que, justamente por não terem significados estáveis e definitivos, podem sempre se enriquecer de novos e novos significados, até mesmo contraditórios entre si, à medida que a experiência os sugira à fértil imaginação de cada interessado. Mergulhado de tempos em tempos nessa fonte da juventude, até mesmo o “eterno retorno” nietzscheano pode retornar eternamente sem que ninguém jamais consiga refutá-lo de uma vez por todas, embora todo mundo saiba que ele é falso.

Mas essa estratégia, no caso do marxismo, seria impotente para obter resultados tão animadores se não fosse secundada por uma técnica ainda mais sutil e maravilhosa, que é a de camuflar as ações e os efeitos da própria militância marxista sob a aparência de forças sociais impessoais que, hipostasiadas, posam então de agentes da história em lugar dos agentes de carne e osso a serviço dos movimentos revolucionários. Não deixa de haver uma certa virtude ascética na humildade com que os exércitos de formadores de opinião e agentes de influência esquerdistas renunciam ao mérito histórico das suas ações e desaparecem por trás do cenário, atribuindo os resultados de seus esforços à dialética anônima do “mercado”, a qual, abstração feita da guerra cultural incessante movida pela militância esquerdista para corromper o capitalismo desde dentro, parece até funcionar como Marx disse que funcionaria.

O acontecimento mental mais importante e notório da segunda metade do século XX é a disseminação do “marxismo cultural” entre as classes superiores no mundo ocidental. Ela tem como corolário inevitável a apostasia geral em relação aos valores morais e religiosos que fundaram o capitalismo. Na geração dos baby-boomers que hoje brilham nos altos postos das finanças, da indústria, da mídia e do show business , quem não aderiu francamente ao esquerdismo e ao anti-americanismo ao menos abjurou por completo das crenças religiosas dos seus pais e se imbuiu de um progressismo darwinista ou de um liberalismo amoral que não hesita em promover as causas esquerdistas – especialmente o abortismo e o gayzismo –, pensando só nas vantagens econômicas imediatas que isso pode lhe trazer e nem de longe se preocupando com as conseqüências sociais, culturais e políticas de longo prazo. O resultado é que a democracia vai sendo minada nas suas bases por meio dos mesmos instrumentos econômicos criados para fomentá-la. Se, nesse panorama, você fizer abstração do fator “guerra cultural”, que é o principal determinante do conjunto, restará apenas a contradição crescente entre democracia e enriquecimento capitalista, dando razão aparente à previsão de Marx. Assim os próprios agentes da guerra cultural matam dois coelhos com uma só cajadada: dão sumiço às suas próprias ações subversivas e no mesmo ato elevam ao nível de verdade profética a visão fantasiosa que Marx tinha das “contradições do capitalismo”. (Como já expliquei dias atrás — http://www.olavodecarvalho.org/semana/070620dce.html –, a duplicidade de línguas é  traço permanente e estrutural da mente esquerdista, toda ela modelada pelo exemplo “dialético” de Stalin, que fomentava o nazismo em segredo para e o condenava em público.)

O “tsunami Marx”, além de ser um acúmulo de simultaneidades demasiado ostensivo para poder ser explicado ele próprio pelas tendências espontâneas do mercado, é todo ele constituído de mutações retroativas como aquela que acabo de descrever. O novo Karl Marx que ali se apresenta para receber os aplausos da galera tem tanto a ver com o antigo quanto o evolucionismo do sr. Richard Dawkins, onde tudo acontece por acaso, tem a ver com o darwinismo originário no qual nada acontece por acaso (de modo que em qualquer dos dois casos o evolucionista está sempre com a razão).

Qualquer filosofia ou teoria científica que se arrogue o direito de mudar de significado quando bem lhe interesse adquire o delicioso privilégio de não poder ser jamais contraditada pelos fatos. Que uma parcela significativa da classe intelectual e de seus acólitos na mídia se dedique à produção dessas transmutações, é a prova incontestável de que a “cultura superior” está se transformando cada vez mais numa modalidade socialmente aceita de crime organizado.

Absoluta falta de escrúpúlos

No meu artigo anterior, escrevi:

O movimento gayzista foge a toda discussão, ele não quer debater com seus adversários, mas destruí-los socialmente, privá-los de seus meios de expressão, reduzi-los à condição de párias e, por fim, colocá-los na cadeia em massa. Nos sites e assembléias onde se prepara a reação gayzista aos críticos, não se vê uma só tentativa de conceber argumentos para um eventual enfrentamento dialético: só planos de assédio judicial, de boicote, de assassinato moral .”

Na mesma semana, reagindo a um outro artigo meu ( http://www.olavodecarvalho.org/semana/070719jb.html ), a militância enfurecida ofereceu ainda mais provas disso, estampando no Orkut apelos ostensivos à minha imediata exclusão da mídia. O mais bonito foi este: “O Julio Severo já foi calado, só falta esse monte de b…ta chamado Olavo.” Para não dizer que essa palavra de ordem veio desacompanhada de qualquer tentativa de refutar os meus argumentos, o remetente, respondendo à minha afirmativa de que “Júlio Severo se limita a opor ao homossexualismo a moral cristã, que não manda currar ninguém”, informava a um estupefato mundo que o Levítico manda empalar – sim, empalar – os acusados de homossexualismo. Não sei se fico mais mavavilhado ante esse feito sublime de exegese bíblica ou ante a passividade sonsa das entidades cristãs e judaicas que deixam todo mundo praticar com total impunidade o crime de ultraje a culto.

Recebi também algumas cartas de gayzistas enfezados, que me acusavam de “associar o movimento homossexual à pedofilia”. A reclamação não faz sentido. Quem associou gayzismo e pedofilia não fui eu. Foram os líderes gayzistas Luiz Mott e Denilson Lopes, o primeiro com aquela sua desavergonhada apologia do “moleque ideal”, o segundo em artigos e conferências que, no mínimo, verberam como “intolerância” toda condenação à pedofilia.

Outra associação da qual muito reclamam é entre homossexualismo e promiscuidade. Mas ela também não é uma rotulação externa, vinda de fanáticos homofóbicos ou mesmo de críticos sérios do movimento. Ao contrário, é um título de glória ostentado pelo sr. Luiz Mott, que se gaba de ter tido relações homossexuais com pelo menos quinhentos homens!

Se Mott e Lopes são representantes autorizados do movimento gay , então é manifesto que este defende a pedofilia e a promiscuidade. Se não são, então os demais líderes do movimento têm a obrigação de expressar publicamente seu repúdio à conduta de ambos. Como não fizeram isso até agora, não têm o direito de reclamar quando a palavra dos dois é tomada como se fosse a sua própria palavra.

Por outro lado, é óbvio que inventei o neologismo “gayzista” (ou gueizista), em oposição a gay , para marcar a distância entre condenar uma conduta sexual e criticar um movimento político.

Até o momento, tudo o que escrevi foi contra o movimento político, a ideologia e o projeto de poder gayzistas e contra a sua expressão mais imediata, a proposta de lei “anti-homofóbica” – mas, pelas reações que meus artigos suscitam entre a militância, é patente que isso também se enquadra no delito de “homofobia”.

Se eu quisesse uma prova suplementar de que esse movimento é totalitário na sua inspiração e nos resultados políticos que planeja obter, essas reações já bastariam para fornecê-la com a máxima clareza possível.

Quando se acusa de “homofobia” cada objeção à lei “anti-homofóbica”, é claro que a divergência em si já está criminalizada, antes mesmo que a proposta se consagre em lei. Isso é totalitarismo no sentido mais eminente do termo.

Da minha parte, não apenas me abstive de participar de qualquer cruzada moralizante contra o homossexualismo (nisso diferindo dos críticos religiosos), mas tenho feito o possível para compreendê-lo como experiência humana, sine ira et studio . Não tenho portanto a menor dificuldade em simpatizar com a causa dos homossexuais que desejam ser aceitos socialmente como tais e não apenas como “seres humanos” ou “cidadãos”, abstrata e assexualmente. No mínimo, sei o que é um fumante ser admitido, entre sorrisos postiços, em ambientes que professam ser hospitaleiros aos fumantes… contanto que eles procedam como se não o fossem. Por motivos que já expliquei aqui ( http://www.olavodecarvalho.org/semana/070326dc.html ), o gay que tenha de fazer abstração de sua preferência sexual para se sentir aceito socialmente vivencia isso como a mais intolerável das humilhações.

Meu problema com a militância gayzista não tem nada a ver com homossexualismo, mesmo porque há muitos gayzistas que não são gays (o sr. presidente da República é um; o prefeito de São Paulo é outro; o PT e as fundações Ford e Rockefeller estão repletas de tipos similares) e muitos gays que não são gayzistas (nas igrejas cristãs, por exemplo).

Meu problema é que a ideologia gayzista, desde suas primeiras formulações, já mostrou uma inclinação totalitária escandalosa, descarada, persistente. Ela não quer proteger os homossexuais, garantir para eles um lugar entre pessoas que sejam diferentes deles. Ela quer destruir radicalmente tudo o que, na sociedade, na cultura ou nas mentes individuais, seja contrário ao homossexualismo. Ela quer proibir toda divergência moral, toda repulsa espontânea, toda palavra adversa, todo pensamento que a desagrade, todo mandamento religioso que lhe seja contrário. Ela quer eliminar toda diferença e imperar, soberana, sobre uma montanha de concordância e subserviência. Quem diz isso não sou eu. São as próprias atitudes públicas de seus porta-vozes.

Um exemplo já antigo é a perseguição aberta, oficial, aos ex- gays e aos psicólogos que professem ajudar o paciente interessado em abandonar as práticas homossexuais. O movimento gayzista trata os primeiros como traidores abjetos e os segundos como criminosos. Que é que se pode depreender disso senão que é proibido abandonar o homossexualismo, que a liderança gayzista se dá o direito de policiar a vida privada de cada homossexual e de se impor como uma verdadeira máfia, na qual se pode entrar livremente mas só se pode sair morto? Não há maior atentado à liberdade individual do que forçar um ser humano a ostentar uma identidade social que ele já não considera sua.

Mais tarde veio a discriminação dos homossexuais machões aos transexuais que ousavam invadir o espaço sacrossanto das saunas gays . Repugnava aos primeiros ver peitos de silicone numa atmosfera que desejariam cem por cento varonil, musculosa e peluda. “Tenho nojo disso”, exclamava um deles ante os travecos. Ora, todo mundo sabe que o instinto sexual se compõe não só de afeição a certos estímulos (visuais, tácteis etc.) mas de repugância instintiva aos estímulos contrários. Um homem cujas fantasias eróticas envolvam privacidade e segredo sentirá repulsa incoercível ante exibições públicas de erotismo. O transexual do tipo conhecido como “autoginéfilo”, que só se excita quando se vê como mulher, se sentirá humilhado e constrangido se o parceiro lhe lembrar por atos ou palavras a sua condição de varão. Mutatis mutandis , o homossexual puro sangue, o macho atraído por machos, sentia nojo de homens que pareciam mulheres. Lembro-me de que o sr. Luiz Mott, convidado a arbitrar a disputa, deu razão aos dois lados, mostrando que compreendia perfeitamente bem a dialética de atração e repulsa. Mas o mesmo Luiz Mott, ante o heterossexual a quem repugnem as ostentações de homossexualismo, gritará: “Crime!”, “Homofobia!”, “Nazismo!” O direito à repulsa, portanto, é monopólio exclusivo da comunidade gay . Os demais, que tratem de gostar do que não gostam. Conheci uma vez um guru argentino, da escola gurdijeffiana, famosa nos meios ocultistas por sua índole autoritária e brutal. Para quebrar a resistência dos discípulos recém-chegados, ele já lhes ditava logo na entrada o parágrafo número um do seu regulamento disciplinar: “ Que te guste lo que no te gusta .” É isso aí. É o mandamento número um que a ideologia gayzista impõe aos não- gays . Para os recalcitrantes, cadeia.

São ou não são uns intolerantes hipócritas esses líderes gayzistas?

Vejam por exemplo a diferença, o duplo critério no julgamento dos heteros e dos homos. A mulher que admita ter ido para a cama com quinhentos homens desiste, ipso facto , de qualquer pretensão à respeitabilidade familiar. Mas o sr. Luiz Mott se vangloria dos seus quinhentos parceiros, e ai de quem o chame de promíscuo!

Nada, na galeria da presunção universal, se compara à prepotência gayzista. Se ainda duvidam, leiam este despacho da Agência de Notícias da Aids ( http://www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=2029 ):

“Stalinista. Foi dessa forma que o ativista José Araújo, diretor da AFXB (Centro de convivência para crianças que vivem com HIV/Aids em São Paulo ), classificou alguns setores do movimento gay… ‘A fome de poder deles está sendo saciada pelo Programa Nacional [de DST/Aids]’, avalia Araújo.

“Para José Roberto Pereira, mais conhecido como Betinho, está acontecendo ‘um aumento cada vez maior da intervenção do movimento gay no movimento de Aids’.

“‘Eu sou gay, não tenho o menor problema com gay, mas… existe uma espécie de estrangulamento do movimento de Aids com o crescimento do movimento gay’, acredita Betinho.

“Fundos importantes da Aids estão indo para o movimento gay e não estou vendo uma queda dos índices [da epidemia do HIV entre os homossexuais]’, avalia Betinho, um dos colaboradores do Projeto Bem-Me-Quer. (…) ‘O movimento de Aids está perdendo sua característica. Está virando um grande movimento gay’, lamentou, em outro momento, José Araújo, da AFBX.”

Se os líderes gayzistas a que se referem Betinho e Araújo não se vexam nem de roubar dinheiro do socorro a seus correligionários aidéticos para fomentar uma agenda política, que é que pode impedi-los de usar, contra seus poucos e inermes adversários, as armas mais torpes e mesquinhas?

Escrúpulos? É claro que eles não têm nenhum.

Por isso é que é mais urgente do que nunca distinguir entre gays e gayzistas. Seria horrívelmente injusto atribuir à totalidade dos primeiros os hábitos ditatoriais e perversos da minoria ativista, revolucionária e gnóstica que, escorada no dogma da própria impecabilidade essencial, se concede o direito a todas as baixezas, a todas as iniqüidades, a todos os crimes, sempre em nome dos belos ideais que diz personificar.

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