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Não é caso para rir

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 15 de dezembro de 2005

Quando os dogmas politicamente corretos entraram em circulação no Brasil, a reação das pessoas sensatas foi rir. Nada mais justo. Mas em seguida impugnavam como paranóia qualquer insinuação de que houvesse ali algum perigo real. Mostravam, com isso, não ser tão sensatas quanto pareciam. E acabavam provando ser definitivamente idiotas quando, diante das provas de que aquela mutação lingüística era uma arma de dominação cultural concebida com requintes de maquiavelismo, ficavam tão perturbadas que disfarçavam o medo fingindo indiferença superior.

Modas lingüísticas, mesmo ridículas, disseminam e consolidam sentimentos, reações, automatismos. Dão um ar de naturalidade à aceitação forçada de novos critérios do bem e do mal, da verdade e do erro. Passada uma geração, o ridículo tranfigura-se em leis e instituições — e pune com severidade quem não o levar mortalmente a sério.

Querem um exemplo?

Ao proibir a circulação do livro “Orixás, Caboclos e Guias”, do bispo Edir Macedo, o desembargador Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, diz que a obra, por chamar de demônios as entidades cultuadas na umbanda e no candomblé, “incita a segregação religiosa e a intolerância às religiões afro-brasileiras”.

“A liberdade de expressão — prossegue o meritíssimo — não se revela em termos absolutos, como garantia constitucional, mas deve ser exercida nos limites do princípio da proporcionalidade…”

O que ele está dizendo é que o simples ato de falar contra uma religião atenta contra o direito fundamental de segui-la. Mas é óbvio que a liberdade de seguir qualquer religião implica, essencial e incontornavelmente, o direito de não gostar das outras e de falar contra elas. E a liberdade de ser ateu ou agnóstico implica o direito de falar contra todas de uma vez. Suprimir esse direito é suprimir aquela liberdade. Suprimi-lo em nome dela, como o faz o dr. Souza Prudente, é a apoteose do nonsense. É o ridículo politicamente correto transmutado em imposição judicial.

A Constituição, por sua vez (art. 220), não coloca nenhum limite ao exercício da liberdade de expressão, muito menos em nome de algum “princípio de proporcionalidade”. Fala-se em proporcionalidade quando o direito de um está condicionado ao exercício do mesmo direito por outro. Por exemplo, o direito a certos bens de uso comum: se você se pendura num telefone público o dia inteiro, está impedindo os outros de usá-lo. Mas é impossível que o simples exercício da liberdade de expressão por um indivíduo ou grupo impeça os outros de se entregarem ao mesmo exercício. Que um sujeito diga “a” ou “b” não constitui jamais obstáculo a que outro diga “c” ou “d”. Que um cristão publique um livro contra a religião alheia não impede que se publiquem livros contra o cristianismo, como aliás se publicam aos milhares, e violentíssimos, sem que isso aparentemente magoe a delicada sensibilidade jurídica do dr. Souza Prudente, ou Imprudente.

Se a liberdade de expressão não tem como ser frustrada pela disseminação do seu próprio exercício, mas sim somente desde fora, por um fator heterogêneo como a ameaça de agressão, a chantagem moral ou um abuso de autoridade, é evidente que sua garantia constitucional não é “proporcional”, mas absoluta e incondicional, ressalvadas as exceções expressas da lei penal, que jamais pune esse exercício enquanto tal mas apenas o seu uso para finalidades ilícitas. Se o conteúdo de “Orixás, Caboclos e Guias” fosse criminoso, o dr. Souza Prudente puniria o seu autor pelo crime correspondente. Não podendo acusá-lo de crime, jogou contra ele um princípio descabido e, não contente com isso, ainda aboliu uma garantia constitucional explícita.

Não sei se ele fez isso porque tem a capacidade analítica embotada ou porque quer embotar a nossa. Em qualquer dos dois casos, é politicamente correto. Com o tempo, todos os juízes ficarão assim. Risos e afetações de superioridade não livrarão ninguém da tirania imposta em nome da liberdade.

Na base da adivinhação

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 20 de outubro de 2005

Quando as ONGs subiram ao primeiro plano da luta política, houve quem o festejasse como uma apoteose da democracia. Nunca me deixei enganar por isso. Era óbvio, no meu entender, que entidades habilitadas a determinar o rumo das coisas sem ter de prestar satisfação às limitações legais que pesavam sobre os partidos políticos eram uma arma perigosa e só acessível a quem tivesse muito dinheiro para comprá-la. A aparente democratização dos meios de ação era na verdade uma formidável concentração de poder nas mãos de corporações milionárias, de movimentos terroristas e de governos interessados em interferir em outros países por vias extra-oficiais, escapando a toda fiscalização direta. Hoje, a rede mundial de ONGs é um sistema de manipulação das massas como nem mesmo o dr. Goebbels e Willi Münzenberg, juntos, poderiam ter concebido.

Pior ainda, o novo instrumento veio junto com técnicas publicitárias que transformam num cândido exercício de sinceridade a velha propaganda partidária. O maquiavelismo explícito, a patifaria descarada, podem aí ser praticados à vontade, alcançando resultados espetaculares muito antes de que mesmo os estudiosos da área – para não falar do público em geral – possam ter a menor idéia de como esses resultados se produziram. O efeito parece sempre inexplicável, como se nascido de forças históricas anônimas, de mudanças culturais espontâneas ou da própria vontade de Deus. Para reconstruir a laboriosa fabricação por trás de tudo é preciso muitos anos de pesquisa: quando se chega à elucidação desejada, é tarde para reverter o mal.

Felizmente, os próprios orquestradores desses efeitos, por vaidade ou instinto pedagógico, às vezes contam como o produziram. “Making the News. A Guide for Activists and Nonprofits”, de Jason Salzman, é um breve tratado da empulhação política, escrito por alguém que a praticou com enorme êxito a serviço de uma das ONGs mais eficientes e cínicas do planeta, o Greenpeace. Os ativistas Marshall Kirk and Hunter Madsen escreveram “After the Ball: How America Will Conquer Its Fear and Hatred of Gays in the ’90s”, a bíblia publicitária do movimento gay , onde ensinam como gerar uma epidemia de notícias convenientes sem a menor preocupação de distinguir as verdadeiras das falsas. Líderes de ONGs abortistas confessaram recentemente como transformaram a adulteração de estatísticas numa rotina de trabalho e treinaram testemunhas falsas para produzir sentenças judiciais pró-aborto.

Praticamente todas as “causas sociais” postas em circulação nas duas últimas décadas nasceram de uma elite de ativistas milionários e altos funcionários de organismos internacionais, disseminando-se no mundo por meio dessas técnicas criminosas ou no mínimo imorais.

A campanha nacional pelo desarmamento das vítimas – uma idéia tão absurda no seu conteúdo nominal que, em circunstâncias normais, nem mereceria a atenção de pessoas intelectualmente adultas – chegou a ganhar espaço na sociedade brasileira graças à associação discreta ou clandestina entre grandes empresas de mídia, planejadores sociais da ONU, ONGs bilionárias a serviço do sr. George Soros e fábricas estrangeiras de armamentos interessadas em desmantelar a indústria nacional de armas, algumas planejando tornar-se detentoras monopolítisticas do ramo da segurança privada, necessariamente favorecido pela campanha. Não menciono aí os narcotraficantes e contrabandistas de armas porque seu interesse no “Sim” é demasiado óbvio.

É cedo ainda para descrever toda a rede de conexões criminosas que há anos vem tentando ludibriar o público brasileiro para que aceite uma proposta imoral e suicida. Alguns laços já se tornaram evidentes, mas o sistema inteiro é vasto e complexo demais para poder ser apreendido numa visão rápida.

Milhões de cidadãos vão ter de votar no referendo sem saber quem, afinal, quer desarmá-los, e com que fins. Mais do que nunca, a sorte do país depende agora do talento imponderável do povo para adivinhar o que não lhe dizem.

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