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O Fome Zero americano

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 18 de setembro de 2012

Se os caros leitores compreenderam o meu artigo anterior (“A engenharia da desordem”), deve ter-lhes ocorrido, ao menos de raspão, a idéia de que o sr. Barack Hussein Obama talvez não estivesse fazendo puro jogo de cena quando, ao encontrar o sr. Lula em Washington D.C., exclamou: “Esse é o cara!” O presidente americano prometeu imitar o Fome Zero, e não só o fez como vem obtendo, desse empreendimento, resultados perfeitamente simétricos aos alcançados pelo seu colega brasileiro.

            Nos últimos anos, a economia americana caiu do primeiro lugar para o sétimo na escala de competitividade do Fórum Econômico Mundial. O desemprego, que em 2008 não passava muito de quatro por cento, já está acima de oito, e a criação de novos empregos é cada vez mais lenta. Comparando números, o colunista Donald Lambro, do Washington Times, conclui que o desempenho do presente governo americano na área trabalhista é o pior desde a II Guerra Mundial (veja o link). Em compensação, Obama foi o recordista absoluto na distribuição de dinheiro do governo não só aos pobres como também aos ricos – incluindo um vistoso leque de empresas falidas por má administração e fraudes, em geral pertencentes a seus contribuintes de campanha. Para isso, sobrecarregou o Estado de mais dívidas do que todos os seus antecessores somados, desde George Washington. É um fracasso colossal, dizem os analistas econômicos. Mas, os utilitaristas que me perdoem, a racionalidade econômica não é a motivação última dos atos humanos. O que do ponto de vista econômico parece um absurdo pode ser politicamente lógico e sensato, ao menos no sentido maquiavélico da coisa. Um artigo excelente do comentarista Ira Stoll no New York Sun  mostra que as melhores chances de sucesso do candidato democrata nas eleições de novembro repousam precisamente no descalabro da sua política trabalhista: na primeira gestão Obama, o número das pessoas que vivem de ajuda governamental começou a superar, pela primeira vez na história americana, o das que trabalham e pagam impostos. Hoje são 46,7 milhões de americanos que recebem vale-alimentação, 8,7 milhões de estudantes bolsistas, mais 7,6 milhões de empregados estatais sindicalizados. Total: 63 milhões de obamistas compulsivos. Quatro milhões acima do número de votos obtidos por John McCain em 2008.

            Será especulação psicótica, será “teoria da conspiração” suspeitar que houve alguma premeditação por trás de um fracasso tão benéfico à pessoa do seu autor? Não, quando se leva em conta o seguinte fato: o único emprego que Obama teve na vida, o único ramo de atividade no qual adquiriu alguma experiência, foi o de “organizador comunitário” empenhado na aplicação da estratégia Cloward-Piven. E essa estratégia consiste, de alto a baixo, na arte de fomentar o desastre econômico para tirar dele proveitos políticos. Expliquei isso num artigo de 2009 publicado neste mesmo Diário do Comércio. Que pode haver de tão inverossímil em supor que, na presidência, o homem fez a única coisa que comprovadamente sabe fazer?

            Aí reside também a diferença entre ele e o seu modelo brasileiro. Lula, para implantar o monopólio político da esquerda e corromper a sociedade inteira, teve de manter a economia funcionando razoavelmente e fazer o possível para cortejar o empresariado, dessensibilizando-o para tudo o que se passasse fora do círculo de seus interesses mais imediatos.

            Obama, ao contrário do nosso ex-presidente, não encontrou uma massa de miseráveis pronta para ser alistada na sua clientela. Teve de fabricá-la – e não havia como fazer isso senão demolindo a economia, aumentando ao mesmo tempo o desemprego e a dívida pública para que esses dois monstros se alimentassem um do outro até à completa exaustão do organismo nacional.

            Outra diferença é a posição dos EUA no cenário internacional, que tinha de ser corroída mediante cortes no orçamento militar e o favorecimento inicialmente discreto, depois explícito, às forças inimigas que se levantavam contra governos aliados ou neutros. O assassinato do embaixador americano na Líbia, sincronizado com manifestações anti-americanas na Tunísia, no Iêmen, no Irã e no Egito (onde, para cúmulo, os marines que guardam a embaixada continuam proibidos de portar munição de verdade), é o símbolo condensado da lógica que orienta toda a política do governo Obama. Essa lógica resume-se na simples aplicação local do mandamento globalista: enfraquecer os Estados no plano internacional e fortalecê-los no plano interno. Dito de outro modo: desarmá-los contra seus inimigos e armá-los contra suas próprias populações, de modo a fazer deles os cães-de-guarda, ao mesmo tempo dóceis e implacáveis, da nova ordem global. De sob as cascas dos velhos Leviatãs nacionais  começa a erguer-se, majestosamente sinistro, o Leviatã planetário.

 

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            Nota: O desenlace sangrento da intromissão dos EUA na Líbia ajudou a grande mídia a abafar pelo menos uma notícia importante: o Instituto de Ciência e Tecnologia de Israel examinou a certidão de nascimento de Barack Hussein Obama divulgada pelo governo americano e confirmou que “é manifestamente falsa” (veja o link).  

A engenharia da desordem

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 12 de setembro de 2012

Todo mundo sabe que a base eleitoral do ex-presidente Lula, bem como a da sua sucessora, está nas filas de beneficiários das verbas do Fome Zero. Embora a origem do programa remonte ao governo FHC, o embrulhão-em-chefe conseguiu fundi-lo de tal maneira à imagem da sua pessoa, que a multidão dos recebedores teme que votar contra ele seja matar a galinha dos ovos de ouro.

            No começo ele prometia, em vez disso, lhes arranjar empregos, mas depois se absteve prudentemente de fazê-lo e preferiu, com esperteza de mafioso, reduzi-los à condição de dependentes crônicos.

            O cidadão que sai da miséria para entrar no mercado de trabalho pode permanecer grato, durante algum tempo, a quem lhe deu essa oportunidade, mas no correr dos anos acaba percebendo que sua sorte depende do seu próprio esforço e não de um favor recebido tempos atrás. Já aquele cuja subsistência provém de favores renovados todos os meses torna-se um puxa-saco compulsivo, um servidor devoto do “Padim”, um profissional do beija-mão.

            O político que faz carreira baseado nesse tipo de programa é, com toda a evidência, um corruptor em larga escala, que vive da deterioração da moralidade popular. É impossível que o crescimento do Fome Zero não tenha nada a ver com o da criminalidade, do consumo de drogas e dos casos de depressão. Transforme os pobres em mendigos remediados e em poucos anos você terá criado uma massa de pequenos aproveitadores cínicos, empenhados em eternizar a condição de dependência e extrair dela proveitos miúdos, mas crescentes, fazendo do próprio aviltamento um meio de vida.

            Mas o assistencialismo estatal vicioso não foi o único meio usado pela elite petista para reduzir a sociedade brasileira a um estado de incerteza moral e de anomia.

            Na mesma medida em que se absteve de criar empregos, o sr. Lula também se esquivou de dar aos pobres qualquer rudimento de educação, por mais mínimo que fosse, para lhes garantir a longo prazo uma vida mais dotada de sentido. Durante seus dois mandatos o sistema educacional brasileiro tornou-se um dos piores do universo, uma fábrica de analfabetos e delinqüentes como nunca se viu no mundo. Ao mesmo tempo, o governo forçava a implantação de novos modelos de conduta – abortismo, gayzismo, racialismo, ecolatria, laicismo à outrance etc. –, sabendo perfeitamente que a quebra repentina dos padrões de moralidade tradicionais produz aquele estado de perplexidade e desorientação, aquela dissolução dos laços de solidariedade social, que desemboca no indiferentismo moral, no individualismo egoísta e na criminalidade. Por fim, à dissolução da capacidade de julgamento moral seguiu-se a da ordem jurídica: o novo projeto de Código Penal, invertendo abruptamente a escala de gravidade dos crimes, consagrando o aborto como um direito incondicional, facilitando a prática da pedofilia, descriminalizando criminosos e criminalizando cidadãos honestos por dá-cá-aquela-palha, choca de tal modo os hábitos e valores da população, que equivale a um convite aberto à insolência e ao desrespeito.

            Só o observador morbidamente ingênuo poderá enxergar nesses fenômenos um conjunto de erros e fracassos. Seria preciso uma constelação miraculosa de puras coincidências para que, sistematicamente, todos os erros e fracassos levassem sempre ao sucesso cada vez maior dos seus autores. Tudo isso parece loucura, mas é loucura premeditada, racional. É uma obra de engenharia. Se há uma obviedade jamais desmentida pela experiência, é esta: a desorganização sistemática da sociedade é o modo mais fácil e rápido de elevar uma elite militante ao poder absoluto. Para isso não é preciso nem mesmo suspender as garantias jurídicas formais, implantar uma “ditadura” às claras. Já faz muitas décadas que a sociologia e a ciência política compreenderam esse processo nos seus últimos detalhes. Leiam, por exemplo, o clássico estudo de Karl Mannheim, “A estratégia do grupo nazista” (no volume Diagnóstico do Nosso Tempo, ed. brasileira da Zahar). A fórmula é bem simples: na confusão geral das consciências, toda discussão racional se torna impossível e então, naturalmente, espontaneamente, quase imperceptivelmente, o centro decisório se desloca para as mãos dos mais descarados e cínicos, aos quais o próprio povo, atônito e inseguro, recorrerá como aos símbolos derradeiros da autoridade e da ordem no meio do caos. Isso já está acontecendo. A ascensão dos partidos de esquerda à condição de dominadores exclusivos do panorama político, praticamente sem oposição, nunca teria sido possível sem o longo trabalho de destruição da ordem na sociedade e nas almas.

Mas também não teria sido possível se o caos fosse completo. O caos completo só convém a anarquistas de porão, marginais e oprimidos. Quando a revolução vem de cima, é essencial que alguns setores da vida social, indispensáveis à manutenção do poder de governo, sejam preservados no meio da demolição geral. Os campos escolhidos para permanecer sob o domínio da razão foram, compreensivelmente, a Receita Federal, o Ministério da Defesa e a economia. A primeira, a mais indispensável de todas, porque não se faz uma revolução sem dinheiro, e ninguém jamais chegará a dominar o Estado por dentro se não consegue fazer com que ele próprio financie a operação. A administração relativamente sensata dos outros dois campos anestesiou e neutralizou preventivamente, com eficiência inegável, as duas classes sociais de onde poderia provir alguma resistência ao regime, como se viu em 1964: os militares e os empresários. Cachorro mordido de cobra tem medo de lingüiça. 

Bode expiatório – II

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 18 de outubro de 2011

Falando em Era Lula, também não faz sentido louvar o governo petista por ampliar a participação popular no mercado interno (à custa, diga-se em passant, de um endividamento nacional suicida) e ao mesmo tempo reclamar contra a avidez com que os novos consumidores se lançam à conquista de bens a que antes não tinham acesso. Ninguém sai comprando tudo quanto é bugiganga eletrônica só para se vingar de uma ditadura da qual mal ouviu falar.

Aliás, no tempo dos militares ocorreu ascensão social idêntica (o então chamado “milagre brasileiro”), resultando em idêntica febre de consumo. Mas, na ocasião, os porta-vozes da esquerda não se lembraram de festejar a inclusão social maciça que isso representava (maior, proporcionalmente, do que tudo o que os tão badalados programas sociais do governo Lula viriam a realizar). Ao contrário: concentraram suas baterias no ataque moralista ao “consumismo”, como se fosse causa sui e não efeito da melhor distribuição de renda. Quando o mesmo fenômeno se repete em pleno apogeu do lulismo, como fazer para louvar a distribuição de renda sem culpar o governo pelo consumismo resultante? É fácil: desvincule a causa do efeito e debite este último na conta de um governo de trinta anos atrás. Se isso é sociologia, eu sou o José de Souza Martins em pessoa. E olhem que, dos sociólogos uspianos, ele não é o pior.

Até os exemplos que o emérito escolhe para ilustrar a maldade dos corações brasileiros são erros de perspectiva. Motoristas que atropelam pessoas e só tratam de evadir-se da punição legal, sem a mínima piedade pelas vítimas, são decerto tipos execráveis, mas sua insensibilidade é titica de galinha num país onde de quarenta a cinqüenta mil pessoas são assassinadas anualmente com a ajuda de organizações queridinhas do partido governante e não se ouve sequer um debate a respeito. Nossos “intelectuais” esbravejaram mais contra 25 mil baixas na guerra do Iraque do que contra violência mortífera duplamente maior que se comete contra seus próprios compatriotas a cada 365 dias. Será demasiado concluir que seu ódio aos EUA é infinitamente mais intenso que seu amor ao povo brasileiro? E por que raios uma geração de pessoas educadas nessa mentalidade deveria ser um primor de bons sentimentos?

O prof. Martins reclama: “Falta uma bolsa de valores sociais, que meça diariamente quanto perdemos de nós mesmos, de nossa dignidade, de nossa autoestima, da estima e do respeito pelo outro.” Tem razão, mas a medição diária é impossível sem uma escala constante do valor que se mede. Ao longo da história brasileira, essa escala foi uma só e a mesma, desde a chegada de Pedro Álvares Cabral até o advento da “Nova República”: o cristianismo.

O prof. Martins talvez acredite em moralidade sem religião, mas há de reconhecer que uma civilização integralmente “laica” (termo errado, mas usual) é uma hipótese futura, não uma realidade historicamente constatável. E, no caso brasileiro, nem toda a sociologia da USP somada pode ocultar a obviedade de que a manifesta descristianização da sociedade, da educação, da mídia e da cultura tem algo a ver com o aumento da violência, da crueldade, do egoísmo e da insensibilidade.

Para fugir às suas responsabilidades históricas, os “intelectuais” tapam os olhos até às conseqüências mais óbvias e patentes das escolhas a que se entregam com todo o furor entusiástico da paixão militante. Numa época em que a mera fantasia sexual é considerada oficialmente mais valiosa, mais digna, mais merecedora da proteção estatal do que o sentimento religioso da população, é ridículo esperar que o senso dos valores não acabe se dissolvendo numa névoa turbulenta e a confusão resultante não se traduza em atos de maldade cotidiana cada vez mais aceitos como normais e improblemáticos. E não é preciso nenhuma bolsa de valores para saber de onde vem a perda: o Brasil que escandaliza os sentimentos do prof. Martins é criação exclusiva da sua geração de “intelectuais”. Qualquer reclamação que venha dessa fonte é mera camuflagem de culpas, é mero sacrifício ritual de um bode expiatório prêt-à-porter.

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