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Fora de páreo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 20 de junho de 2011

Em artigo recentemente publicado no Estadão (http://www.estadao.com.br/noticias/geral,a-direita–o-papagaio-e-o-facao,726992,0.htm), Eugênio Bucci, que se diz professor universitário e, pior ainda, talvez o seja realmente, denuncia, com horror sacrossanto, a emergência de uma nova direita que tem o desplante, a arrogância, a intolerável empáfia de ir além do limite que lhe foi fixado pela esquerda – a defesa da economia de mercado – e externar opiniões até mesmo em assuntos morais, culturais e filosóficos.

Contra esse abuso criminoso das liberdades civis, Bucci não perde tempo refutando argumentos: dispara contra o objeto de sua indignação cívica o arsenal inteiro dos chavões consagrados (“intolerância”, “xenofobia”, “anacronismo”, “sanha persecutória”, “fundamentalismo”, “prepotência”, “extremismo”, “retrocesso”, etc. etc.) e sai todo satisfeito, acreditando que disse alguma coisa.

Incapaz de fornecer um só exemplo concreto de ação ou opinião que mereça esses rótulos, ele apela à clássica inversão revolucionária de ataque e defesa, qualificando de “perseguição aos homossexuais no Congresso” o esforço que católicos e evangélicos têm feito para defender-se de uma lei inventada com o propósito explícito de levá-los todos à cadeia por “crime de homofobia”. Inversão tanto mais insultuosa e ridícula porque, no caso, o perseguido tem a força do governo, da grande mídia, do show business e do establishment universitário, enquanto o perseguidor não tem sequer a totalidade dos púlpitos nas igrejas. O lobo da fábula inventou mil e uma contra o cordeiro, mas não o acusou de persegui-lo.

Esquivando-se ao debate com representantes nacionais da tal direita, dos quais parecia estar falando, Bucci ataca à distância a sra. Marine Le Pen por defender a opinião hediondamente direitista de que o escândalo Strauss-Kahn revela algo da podridão moral da classe política francesa – como se não fosse prática geral, centenária e obrigatória, entre esquerdistas, apontar cada sem-vergonhice pessoal de líderes, governantes ou empresários como prova da ruindade intrínseca do capitalismo.

Chega a ser admirável o despudor com que o articulista do Estadão ostenta em público sua incapacidade (ou recusa) de raciocinar com algum senso de eqüidade, de justiça, de equilíbrio. “O fato de ser acusado de um crime sexual não transforma Strauss-Kahn no representante de uma elite estupradora”, protesta ele (fingindo ignorar que a noção mesma de “elite estupradora” é uma invenção da esquerda feminista), e já dois parágrafos adiante joga sobre nós, os porta-vozes daquilo que ele chama “direita histriônica”, a responsabilidade por “assassinatos de líderes ambientalistas”, como se o fato de escrevermos contra a União Européia ou a PL-122 nos transformasse em mandantes de crimes no interior do Brasil. O desejo irrefreável de imputar culpas mediante associações fantasiosas já é imoral o bastante, mas Bucci soma à calúnia o insulto quando reconhece que os autores daqueles crimes jamais foram descobertos, donde se conclui que, na cabeça dele, a total incerteza quanto aos agentes materiais do delito é fonte de certeza quanto aos seus culpados intelectuais remotos. Será exagero meu dizer que esse professor de moralidade tem um senso moral pervertido, baseado em ódio insano e sem o mínimo controle racional?

Mas, hiperbólico e desgovernado o quanto seja nos seus julgamentos morais, Bucci não é destituído daquele senso de autopreservação que é, na esfera da mesquinharia humana, a versão caricatural da prudência evangélica. Ao fulminar a direita no tom de um Júpiter tonitroante, ele não ousa citar por nome um só teórico ou polemista da execrada corrente. Limita-se a aludir de passagem ao deputado Jair Bolsonaro, que não é nem uma coisa nem a outra e que, sendo pessoa alheia aos debates intelectuais, não lhe oferece o menor perigo de um revide.

Escrevendo com os típicos esgares patéticos de quem se esmera na ginástica impossível de alegar indiferença superior enquanto gesticula e berra para infundir na platéia o temor de um perigo iminente, ele torna ainda mais problemática essa operação, já de si complexa, ao fundi-la com o esforço teatral de fingir coragem ante adversários que ao mesmo tempo insiste em conservar ausentes, anônimos e abstratos. Quando ele os chama “histriônicos”, é impossível não ver nisso o mecanismo grosseiro e típico da acusação projetiva.

Se o estilo é o homem, Eugênio Bucci está definitivamente fora de páreo em qualquer debate sério. Falta-lhe franqueza, consistência e aquele mínimo de controle autocrítico sem o qual o melhor mesmo é só puxar discussão com entidades genéricas, fugindo ao confronto com interlocutores de carne e osso.

Estupro psicológico estatal

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 24 de julho de 2008

Não existe qualquer epidemia de violência contra os homossexuais neste país, mas, mesmo que houvesse, nenhuma lei contra opiniões religiosas poderia fazer nada para detê-la, pela simples razão de que, fora dos países islâmicos, casos de violência anti-homossexual por motivo de crença religiosa são a raridade das raridades, e no Brasil até agora não se comprovou nenhum. Rigorosamente nenhum.

Em compensação, a lei tornaria automaticamente criminosos e sujeitaria à pena de prisão milhões de brasileiros honestos, cujo único delito é acreditar na Bíblia. Eles poderiam ser presos não só por ler em voz alta versículos tidos como “homofóbicos”, mas por protestar contra qualquer casal gay que, por mera provocação ou genuína falta de autocontrole, se afagasse com a maior impudência dentro de uma igreja, quanto mais numa praça pública.

Os gays, indefesos como todo o restante da população num país que tem cinqüenta mil homicídios por ano, continuariam tão sujeitos quanto agora à truculência de assassinos e estupradores – estes últimos necessariamente homossexuais eles próprios, no caso –, mas estariam protegidíssimos contra o apelo suave do Evangelho que os convoca a mudar de vida.

Alegar que essa lei se destina à proteção da comunidade gay é cinismo; ela se destina, isto sim, à destruição da comunidade cristã, sem nada oferecer aos homossexuais em troca, apenas dando à parcela politizada e anti-religiosa deles a satisfação sadística de alegrar-se com a desgraça alheia. Desgraça tanto mais satisfatória, a seus olhos, quanto mais injusta, arbitrária e sem motivo.

Se algum dia houve no Brasil uma proposta de lei desprovida de qualquer razão de ser além do puro ódio, é essa.

Mas não é somente sobre os cristãos que ela despeja esse ódio. É sobre toda a concepção do Estado democrático, do governo do povo pelo povo. Não há um entre os proponentes dessa lei que o ignore, nem um só que não se regozije com isso. No Estado democrático, o governo é a expressão da vontade popular e, portanto, da cultura reinante. Ele pode elevá-la e aperfeiçoá-la, mas o próprio fundamento da sua existência consiste em respeitá-la e protegê-la. Na nova concepção imposta pela elite globalista iluminada, o Estado é o “agente de transformação social”, a vanguarda da “revolução cultural” incumbida de fazer o povo gostar do que não gosta, aprovar o que não aprova, cultuar o que despreza e desprezar o que cultuava. É o órgão do estupro psicológico permanente, empenhado em chocar, escandalizar e contrariar a alma popular até que esta se renda, vencida pelo cansaço, e passe a aceitar como decreto da Providência, como fatalidade natural inevitável, o que quer que venha da burocracia dominante.

Piada satânica

 

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 12 de junho de 2008

Outro dia um amigo meu me perguntou se eu não havia reparado que, no intervalo de uma geração, condutas descritas pela psiquiatria como neuróticas e até psicóticas passaram a ser aceitas como normais. Não apenas como normais – respondi –, mas como normativas, louváveis e obrigatórias. Os passos seguintes são: (a) marginalizar e criminalizar toda reação de repulsa; (b) tornar a repulsa psicologicamente impossível, expelindo-a do repertório das condutas admitidas na sociedade.

Só a paranóia indisfarçável permite, por exemplo, que, num país onde ocorrem 50 mil homicídios por ano, os assassinatos de 120 homossexuais, espalhados ao longo de um ano num território de oito milhões e meio de quilômetros quadrados, sejam descritos como uma onda genocida homofóbica. No entanto, basta alguém apelar à comparação estatística e instantaneamente ele mesmo, entre gritos de revolta e lágrimas de indignação da platéia, é acusado de homofóbico e apóstolo do genocídio. A hipótese de confrontar o número de gays assassinados com o de gays assassinos, indispensável cientificamente para distinguir entre um grupo ameaçado, um grupo ameaçador e um grupo que não é nem uma coisa nem a outra, acabou por se tornar tão ofensiva que a mera tentação de sugeri-la já basta para você ser processado por homofobia, antes mesmo de haver lei que a proíba.

Mutatis mutandis, o sr. Luiz Mott alega como prova do ódio generalizado anti-gay uns noventa e poucos casos de agressões a homossexuais ocorridos num prazo de quatro meses em São Paulo, mas quem ousará cotejar esse número com a quantidade de agressões cometidas pelos próprios militantes gayzistas num só dia da Parada Gay na mesma cidade? Raciocinando pelo critério estatístico do sr. Mott, diríamos que os gays são um perigo público. A conclusão é absurda, mas decerto menos absurda do que proclamar que eles estão em perigo.

Proibido o senso das proporções, o fingimento histérico e o hiperbolismo paranóico em favor de grupos de interesse tornam-se deveres cívicos indeclináveis. A loucura tornou-se obrigatória, e quem quer que recuse ser contaminado por ela é um criminoso, um réprobo, um doente mental incapacitado para a vida em sociedade.

O sr. presidente da República acaba de dar foros de exigência estatal a essa estupidez psicótica, ao declarar que toda e qualquer oposição ao homossexualismo é “a doença mais perversa que já entrou numa cabeça humana”.

S. Excia reforça suas palavras insistindo em aparecer em cerimônias oficiais ao lado do sr. Luiz Mott, aquele mesmo que discursa sobre arte pornô abraçado à estátua de um bebê pelado do sexo masculino, transmitindo de maneira nada sutil a idéia de que bebês são ou devem tornar-se objetos de desejo sexual como quaisquer outros (se não acreditam, confiram em http://www.youtube.com/watch?v=FlmfZdyk2YA). A propaganda da pedofilia é aí mais do que evidente, mas, ao condecorar o sr. Mott por “mérito cultural” (como se ele próprio tivesse mérito ou cultura), o sr. Lula joga todo o peso da sua autoridade presidencial no blefe cínico que nos força a negar o que vemos e a crer, em vez disso, na encenação oficial de altas intenções humanitárias e culturais. Não há prepotência maior do que exigir que um ser humano sacrifique sua consciência, sua inteligência a até sua capacidade de percepção sensível no altar do absurdo. “Afinal, você vai acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?”, perguntava Groucho Marx. Quando a piada se transfigura em realidade, o humorismo se transmuta em palhaçada satânica.

Totalmente insensível ao grotesco da sua performance, o louco sobe à cátedra e dá lições de psiquiatria, catalogando como doentes os que achem que há algo de errado em erotizar a imagem de um bebê, e ainda propondo, como terapêutica, a prisão de todos eles.

E há quem acredite que é possível discutir racionalmente, polidamente, com pessoas como os srs. Lula e Mott…

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