Olavo de Carvalho
Digesto Econômico, janeiro/fevereiro de 2008
No momento em que escrevo, o Partido Republicano hesita entre o pastor batista Mike Huckabee e o veterano de guerra John McCain. Os democratas ainda não se decidiram entre Barack Obama e Hillary Clinton. O quadro eleitoral americano divide-se, portanto, entre três enigmas e uma certeza temível. Ninguém tem a menor idéia do que se pode esperar dos três primeiros caso eleitos, mas a quarta tem todo o curriculum vitae necessário para completar o trabalho de desmantelamento da Presidência americana inaugurado com brilhante sucesso por seu marido com a ajuda de espiões chineses, de lobistas ladrões, da srta. Monica Lewinsky, dos narcotraficantes das Farc que tanto lucraram com o famoso Plano Colômbia e, last not least , de uma infinidade de agentes de inteligência colocados na CIA para servir à família Clinton em vez do Estado americano. A maior vantagem em favor de Hillary Clinton é que, como diria Paulo Francis, todo mundo já viu esse filme e sabe quem morre no fim. Num momento de tantas incertezas, isso pode gerar alguns votos.
Huckabee apresenta-se como um “social conservative”, mas ao mesmo tempo apóia as pesquisas com células-tronco, colocando seus eleitores na maior incerteza. O que ele tem a seu favor é que nada se espera dele de tão catastrófico quanto de qualquer dos outros três. Se ele conseguir provar que é inócuo, terá ainda alguma chance contra McCain.
O que se passa na cabeça de John McCain, nem ele próprio sabe. Ele já provou que é capaz de mudar de idéia subitamente e estrangular no ato quem não goste da novidade. Os conservadores dizem que ele é o mais democrata dos republicanos, que é impossível distingui-lo nitidamente do senador Ted Kennedy, que ele mal consegue refrear um orgasmo cada vez que vê um aumento de impostos; mas na esquerda há quem jure que ele está à direita de George W. Bush, que ele é o falcão dos falcões, que a primeira coisa que ele vai fazer na presidência é sair logo bombardeando o Irã e desencadeando a terceira (ou quarta) guerra mundial. Talvez tudo isso seja verdade, mas, certamente, nada disso é bom. Dos quatro candidatos, ele ainda é o que mais tem condições de ser eleito, mas é certo que muitos de seus eleitores votarão nele tremendo de medo, seguros de que o fizeram só para evitar que um dos partidos, dominando a Presidência junto com o Senado, a Câmara e a maioria dos votos na Suprema Côrte, se torne onipotente (os americanos odeiam isso por instinto).
Quanto ao senador Obama, ele é decerto menos interessante do que os motivos que muitos americanos têm para votar nele. Se alguém é insistentemente acusado de um defeito ao ponto de se tornar complexado por isso, com muita probabilidade acabará caindo no defeito oposto. Aplicado com astúcia, o truque é quase infalível. Acuse um sujeito de sovina e ele se tornará um desperdiçador compulsivo. Acuse-o de machista e ele se deixará dominar pela esposa. Embora o racismo nos EUA tenha sido um fenômeno muito limitado geograficamente, o país inteiro foi tão acusado de racista que os americanos em geral acabaram sacrificando sua dignidade ante a moda grotesca do politicamente correto. e agora muitos deles se sentem obrigados a votar em Barack Hussein Obama só para mostrar que são bonzinhos. O senador fala bonito, mas até agora ninguém conseguiu descobrir nos seus discursos algo que se assemelhasse mesmo de longe a um assunto. Na mais substantiva das hipóteses aparece ali alguma promessa de campanha igualzinha às de sua concorrente Hillary Clinton, senão às dos candidatos republicanos. Tal como McCain, ele promete entregar a cabeça de Osama Bin Laden, só faltando, é claro, encontrá-la. Tal como a sra. Clinton, ele promete assistência médica de graça para todo mundo (não só para os pobres, os incapazes e os velhos), sem que jamais lhe ocorra a idéia de explicar de quem vai tomar o dinheiro para fazer isso, nem muito menos como vai tapar o rombo da previdência, que já se calcula em trilhões. O senador especializou-se mesmo foi em exortações adolescentes do tipo “Vamos mudar o mundo”, porque sabe que ninguém espera que ele faça alguma coisa na Presidência, apenas que esteja lá como um símbolo.
Símbolo do quê? Os latinos diziam que nomen est omen, “o nome é profecia”. Barack Hussein significa “abençoado descendente do Profeta” e há provas concludentes de que seu portador está mentindo quando diz que nunca foi muçulmano (Daniel Pipes tirou isso a limpo em Was Barack Obama a Muslim? e Confirmed: Barack Obama Practiced Islam). É mais ou menos como se em plena guerra do Vietnã os EUA elegessem presidente um sujeito chamado John Paul Ho Chi Minh, educado em Hanói, filho de um membro do Partido, mas que jurasse nunca ter sido comunista e ficasse ofendidíssimo se alguém duvidasse dele. A candidatura Obama é uma provocação calculada: serve de termômetro para avaliar quão profundamente o hábito adquirido da autocensura politicamente correta já infundiu na mente dos americanos a disposição de deixar-se levar ao forno só para não fazer uma descortesia com o cozinheiro.
Um detalhe significativo ilustra isso às mil maravilhas: quando o senador ouve o hino nacional, ele não põe a mão direita no coração como manda o protocolo, mas segura literalmente a bolsa escrotal com as duas mãos e todo mundo se sente inibido de dizer que isso é um insulto. Teste semelhante já foi feito no tempo de Bill Clinton. O presidente se permitia transformar a Casa Branca num bordel, mentia descaradamente e acusava de conspiração direitista quem quer que achasse ruim uma coisa ou a outra. O ar de indignação na cara dos democratas quando defendiam a honra do sem-vergonha era tocante. Tanto naquele caso quanto agora, a mais cínica proibição de perceber o óbvio é imposta em nome da moralidade, instilando na opinião pública o hábito da inversão revolucionária (v. A inversão revolucionária ). Tudo isso parece muito extravagante, mas é uma obra de engenharia psicológica de alta precisão.
O panorama desta eleição é, sob todos os aspectos, miserável. Mitt Romney mostrou ter fibra de estadista justamente no discurso em que abdicou da sua candidatura. Ele disse que a presente eleição gira em torno de temas maiores, não de rotinas administrativas. Nunca os EUA tiveram de decidir sobre questões tão graves, dispondo de cérebros tão levianos para arcar com essa responsabilidade. A desproporção entre os problemas e os personagens é tragicômica, mas o lado comédia vai passar e a tragédia vai ficar.
As culpas da presente situação repartem-se igualmente entre os democratas, que superpuseram suas ambições políticas à segurança dos EUA, e George W. Bush, que se recusou a enxergar isso e preferiu embarcar o país numa ilusória união nacional contra o inimigo externo. A união não durou três semanas. Qualquer observador inteligente podia prever isso, mas Bush apostou tudo na cartada do patriotismo, sem querer enxergar que o de seus adversários era totalmente fingido.
Na tradição americana, os funcionários públicos, principalmente de alto escalão, sempre tiveram orgulho de servir ao Estado, independentemente de saber qual partido estava no poder. Desde a era Clinton, o Partido Democrata rompeu com essa tradição, espalhando na rede burocrática militantes que servem a ele, não ao Estado, ao povo ou à nação. Todos já vimos isso acontecer em algum país, não é mesmo? E todos sabemos como termina. Desde o 11 de setembro, os planos de guerra de George W. Bush foram boicotados desde dentro pelos clintonistas do Departamento de Estado e da CIA, que assim produziram as situações insustentáveis cuja culpa era em seguida imputada ao presidente. A história é contada em detalhes no livro de Kenneth R. Timmerman, Shadow Warriors, The Untold Story of Traitors, Saboteurs, And The Party of Surrender (Crown Forum, New York, 2007), e quem não a conhece não entenderá jamais o que se passa hoje em dia nos EUA. Recusar-se a enxergar o mal é tão vergonhoso quanto produzi-lo. George W. Bush carrega nas costas a responsabilidade de haver fugido ao combate interno mediante o subterfúgio de uma guerra no além-mar. Quando ele foi eleito pela primeira vez, os republicanos tinham todas as condições para permanecer no poder por vinte anos e levar às últimas conseqüências as grandes transformações iniciadas na era Reagan. A timidez (ou o rabo preso) de George W. Bush pôs tudo a perder. ” Par délicatesse j’ai perdu ma vie “, dizia Rimbaud. Mas a profecia, infelizmente, não se aplica só à pessoa do atual presidente americano. É todo um povo que arrisca se desgraçar para não cometer a impolidez de declarar os nomes dos seus inimigos.