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A cólera dos imbecis

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 26 de janeiro de 2014

          

      Depois das investidas ferozes contra o meu “O Imbecil Coletivo”, em 1997, nas quais só conseguiram exemplificar o que eu dizia no livro, os mais destacados intelectuais de esquerda preferiram entrar num mutismo preventivo, para não se expor a novos e mais catastróficos vexames. O único dentre eles que voltou a tocar no assunto OIavo de Carvalho foi o Ricardo Mussi, mas veio falando de mim num tom respeitoso que revelava algum bom-senso e contrastava com a presunção louca daqueles primeiros e desastrados críticos. Depois, vendo que a intelectualidade nacional não podia me fornecer um antagonista à altura, decidiram importar um, o prof. Alexandre Duguin, que também não conseguiu se sair muito bem mas teve ao menos a hombridade de reconhecer que o debate fôra “duríssimo”, contrastando, nisso, com a empáfia histriônica daqueles que saiam com o bumbum esfolado jurando que haviam batido com ele no meu pé.
Até hoje a situação está mais ou menos assim. Quem tem alguma reputação evita arriscá-la num confronto que se revelou letal para seus antecessores Leandro Konder, Emir Sader, Carlos Nelson Coutinho, Alaor Café e muitos outros. Só quem ainda ousa falar de mim com ares de superioridade desafiadora são precisamente indivíduos que não têm reputação nenhuma e que esperam angariar alguma por meio de uma disputa suicida, como jovens pistoleiros desmiolados nos filmes de faroeste.
Esses saem vencedores de algum modo, porque são tão numerosos que se torna impossível responder-lhes a todos, de maneira que sempre haverá um ou outro que passe a ostentar no seu currículo imaginário a glória de ter afugentado o oponente mais velho que lhe recusou uma resposta ou não chegou nem mesmo a tomar ciência do desafio.
“Derrotar o Olavo de Carvalho” tornou-se, entre milhares de estudantes universitários – e, horresco referens, alguns professores –, uma obsessão incurável e a glória máxima a que aspiram. Lamentavelmente nunca sugerem alguma questão específica a ser debatida, preferindo conceder-me a dupla honra de ser ao mesmo tempo debatedor e assunto dodebate.
Mas, precisamente porque aquilo que os move é o ódio ao oponente e não o interesse genuíno por algum tópico de discussão, quase todos entram em campo contestando algo que imaginam que eu disse, e não o que eu realmente disse. O empenho guerreiro que colocam em furar as bolhas de sabão que eles mesmos sopraram é a reprodução exata da fúria com que um peixinho beta investe contra sua própria imagem no espelho.
Não é que apenas me julguem sem ter lido meus livros. É que se recusam  terminantemente a lê-los e consideram mesmo ofensiva a sugestão de que deveriam fazê-lo antes de me julgar. É como se vissem nesses livros uma ameaça sinistra da qual devem fugir por todos os meios, um poder de persuasão diabolicamente irresistível, de cujo contato devem preservar suas almas para não corromper — vade retro! — a pureza da sentença condenatória que já assinaram.
Na verdade, a adivinhação paranóica de poderes malignos já evoluiu para a conjeturação de como me enviar para a cadeia, não importa por qual crime inexistente ou impossível. O sr. Sebastião Nery sugeriu, tempos atrás, “falsidade ideológica”, porque dou cursos de filosofia sem possuir “diploma de filósofo”, ainda que, em vez de ostentar um título falso como o fez a nossa presidenta (ver aqui), eu me gabe publicamente de não possuir nenhum nem havê-lo desejado jamais. O sr. Paulo Ghiraldelli informa a um estupefato mundo que meus alunos vêm à minha casa não para estudar, e sim para satisfazer os meus instintos lúbricos de velho sátiro, e até pagam para isso, tão irresistíveis são as minhas artes de sedução. Um tal sr. Alexandre Melo, cuja página do Facebook acabou aliás sendo fechada por isso, raciocina na mesma direção e insinua que se trata de crime de pedofilia, infelizmente sem explicar aos perplexos leitores como se pratica esse delito com pessoas adultas.
São só três exemplos no meio de centenas. Sob os risos de inumeráveis leitores, cada um se degrada e se esculhamba entre gemidos de prazer masoquista, afogando-se mais e mais na latrina onde pretendia me depositar.
Como explicar essa descida voluntária da inteligência esquerdista até abismos de autodestruição onde o próprio Satanás teria alguma dificuldade de respirar?
A hipótese que me ocorre é a seguinte. Até os anos 60 a esquerda era uma minoria insatisfeita em luta contra o establishment acomodado. Tinha, por isso, alguma mobilidade intelectual, seguia o debate cultural mais amplo e, no mínimo para se posicionar contra, lia atentamente os livros de seus adversários locais e internacionais.
À medida que foi se concentrando na luta e depois no exercício dopoder, fechou-se em si própria, numa busca obsessiva de autoconfirmação e na reiteração de chavões necessários ao adestramento da militância animalizada, e simplesmente perdeu o pé no mundo da alta cultura. Já não entende o que se fala fora dos seus círculos internos, e, não entendendo, reage com a impulsividade cega e louca de quem nada tem a dizer, só a maldizer. O melhor que tem a objetar ao autor de alguma idéia que lhe desagrada é ensejar que vá preso ou morra.
Não tenho dúvida de que, mais cedo ou mais tarde, passarão dodesejo à ação, como sempre fizeram em todos os países que governaram e fazem ainda naqueles em que mandam.
Georges Bernanos já dizia que nada no mundo se compara à cólera dos imbecis.

O ridículo mata

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 17 de outubro

Em 25 de setembro escrevi neste Diário do Comércio: “Qualquer que seja o resultado das eleições, qualquer que seja o desenlace das presentes investigações de corrupção, a gangue petista não vai largar gentilmente a rapadura.”

Não se passaram quinze dias e a quadrilha confirmou minha previsão, como aliás costuma fazê-lo há anos, com a regularidade de um cuco. As ameaças explícitas ou veladas de represália violenta à possível derrota de Lula nas eleições são algo mais do que a “chantagem psicológica” que a assessoria de Geraldo Alckmin acredita ver nelas. São o anúncio de um ataque geral à ordem democrática que já está planejado há décadas por todas as organizações de esquerda — PT inclusive, é claro — como alternativa em caso de fracasso da transição pacífica para o socialismo. A coisa já foi proclamada mil vezes e, não tenham dúvidas, vai acontecer. O próprio Lula, um dos que a aprovaram com freqüência no passado, voltou a ela após um período de abstinência forçada e desde sexta-feira passada já está aquecendo os motores da engenhoca subversiva, incitando ao crime os militantes do MST, uma das entidades que prometem vingança golpista em caso de vitória de Alckmin (v. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1410200612.htm)

O contraste falso e artificioso que a mídia chique estabeleceu entre os chamados “setores radicais” do PT e o petismo supostamente ordeiro e legalista de Lula é ele mesmo um instrumento da trama esquerdista, à qual serve para encobrir a unidade da estratégia revolucionária dando uma aparência de dualismo substantivo ao que nunca passou de mera duplicidade de táticas, alternadas ou mescladas conforme as necessidades do momento (mais explicações na entrevista que dei domingo ao site www.conservador.wordpress.com).

Se, enquanto isso, o sr. Marco Aurélio Garcia chama de “terrorismo” a simples divulgação jornalística de fatos que o partido preferiria esconder, é porque é um comunista cínico, empenhado em ocultar a truculência irrefreável da esquerda revolucionária sob uma patética afetação de coitadice.

Terrorismo, no vocabulário dessa gente, não é colocar tropas de agitadores nas ruas para espalhar o pânico entre a população e anular pela força a decisão popular. Terrorismo é contar ao público que o presidente da República está comprometido oficialmente a legalizar o aborto no país – uma verdade banal abundantemente registrada em documentos do próprio PT (se têm dúvidas, vejam tudo em http://www.olavodecarvalho.org/textos/mensagem_aborto.html).

Seria ingênuo esperar racionalidade e senso das proporções da parte de pessoas dispostas a apelar à violência por incapacidade de submeter-se ao ciclo democrático normal do qual ainda ontem diziam ser a encarnação mais pura e elevada; mas o grotesco das alegações estapafúrdias surgidas do cérebro petista em desespero, nas últimas semanas, ultrapassa tudo o que se conhece historicamente em matéria de besteirol comunista.

Karl Marx dizia que a tragédia histórica se repete como comédia, mas, sinceramente, é horrível ver que o nosso país foi escolhido pelo demônio como palco da comédia revolucionária. Todo o potencial da esquerda para o ridículo parece que se concentrou no Brasil. A vergonha que isso traz é até possível de suportar. Insuportável é saber que o sangue que vai correr no palco da comédia é o mesmo da tragédia: não é massa de tomate, é sangue de verdade. Dizem que o ridículo mata, mas na palhaçada brasileira ele arrisca fazer isso em sentido literal, físico. Personagens de carne e osso, tornados ridículos por sua recusa obstinada e sonsa de enxergar um perigo óbvio, serão mortos nas ruas por outros personagens, que a incapacidade de suportar seu próprio ridículo transformou em loucos furiosos.

O romancista Georges Bernanos, que viveu no Brasil e o amava como sua segunda pátria, temia que o país viesse a sucumbir, um dia, na mais sangrenta das revoluções. Nunca foi mais urgente do que hoje a advertência dele: “O perigo que nos ameaça não é somente o de morrer, mas de morrer como idiotas.”

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