Posts Tagged George Soros

Zelo psicótico

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 30 de abril de 2012

Ninguém no mundo segue as palavras-de-ordem da esquerda americana com a fidelidade e a constância servil da mídia brasileira. Não há falsidade, não há camuflagem, não há patifaria que, vinda do New York Times, da CNN, do Partido Democrata, do Occupy Wall Street ou diretamente dos escritórios de George Soros, ela não repita ampliada e multiplicada, com um zelo psicótico que, no local de origem, daria na vista e suscitaria, dos próprios interessados, um pedido de moderação.

É que, lá, mesmo os mais extremados propagadores de ficções politicamente rentáveis sabem que não podem passar de um certo limite sem ser desmascarados e às vezes ter de pedir desculpas pelo vexame. No Brasil, o campo é livre: jornais, revistas e TV podem mentir à vontade, sabendo que o troco, se vier, não passará de uns gemidos esboçados por três ou quatro colunistas “de direita”, tão temíveis quanto um pum entre os canhões de Stalingrado.

Nenhum órgão da “grande mídia” americana conseguiu esconder que um repórter da NBC havia maquiado a gravação da conversa entre George Zimmerman e a polícia, para fazer parecer que o inspetor de quarteirão havia atirado em Trayvon Martin por puro racismo (v. http://pumabydesign001.com/2012/04/09/ trayvon-tragedy-manufactured-racism- how-nbc-edited-racism-into-the-george-zimmerman-911-call/).
Também nenhum se recusou a publicar, quando apareceram, o vídeo e as fotos em que a cabeça do autor dos disparos mostrava manchas de sangue na parte de trás, minutos depois do ocorrido, provando que ele dissera a verdade ao alegar que Martin, maior e mais forte, tentara lhe esmigalhar o crânio batendo-o repetidamente na quina da calçada (v. http://www.mediaite.com/tv/ gma-shows-exclusive-images-of-george-zimmermans-head-injuries-the-night-of-trayvons-death/ e http://the-american-journal.com/zimmerman-head-injury-visible-police-video/).

No Brasil, O Globo (v. http://oglobo.globo.com/mundo/ acusado-de-matar-adolescente-negro-nos-eua-tem-liberdade-condicional-4712342), ao noticiar a libertação de Zimmerman, suprime esses dois fatos, apegando-se com desespero fanático à lenda urbana do crime racista, posta em circulação com base na fraude pela qual o engraçadinho da NBC já foi investigado e desmascarado (se bem que a estação procure ainda desculpá-lo dizendo que ele fez a coisa “por engano”, sem intenção de manipular a opinião pública).

O Globo mente da maneira mais depudorada ao dizer que Zimmerman, ao ver Trayvon Martin, “considerou-o suspeito e atirou”, como se nada tivesse acontecido entre esses dois momentos.

O jornal noticia que Zimmerman está sendo processado por assasinato em segundo grau, isto é, homicídio não-intencional, mas não consente sequer em esclarecer aos leitores que o próprio conteúdo da acusação já exclui, in limine, a hipótese de crime racista, a qual nem mesmo uma promotoria ávida dos aplausos da esquerda conseguiu engolir.

Com recursos financeiros ilimitados e o estímulo da própria Presidência da República (que fez do capuz de Trayvon um símbolo da candidatura Obama), a campanha histérica que se montou contra o acusado impingiu a metade da população americana a farsa do crime racista e transformou, da noite para o dia, um imigrante hispânico, pobre e sem aliados, em algo como um supremacista branco, loiro e de olhos azuis, empenhado em varrer do planeta as “raças inferiores”.

Nos EUA, a gritaria anti-Zimmerman, sob os golpes dos fatos adversos, já arrefeceu um bocado. Se depender de O Globo, ela continuará ecoando pelos séculos dos séculos.

Quando digo que a crebilididade da “grande mídia” hoje em dia é zero, especialmente no Brasil, não vai nisso nenhum exagero, nenhuma figura de linguagem.

No tempo em que existia jornalismo, ele era uma variante menor da ciência histórica, fazendo uso, essencialmente, dos mesmos instrumentos de pesquisa e critérios de julgamento do historiador profissional. Privilegiava os documentos de fonte primária e os testemunhos diretos, tratando as opiniões e reações emocionais, no máximo, como complementos interessantes. Agora, o inverso é que vale: uma das principais ocupações da mídia é suprimir documentos e testemunhos, encobrindo-os sob camadas e camadas de opiniões bem-pensantes, jogos-de-cena, slogans e apelos irracionais ao sentimento das massas. Não é jornalismo: é show business, propaganda, engenharia comportamental.

O que me pergunto é até quando o público consentirá em ser feito de palhaço num espetáculo em que é o palhaço quem paga o ingresso. Será que ninguém sabe que a Delegacia do Consumidor existe também para defender leitores ludibriados por empresas de comunicação?

Porcaria de lei

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 24 de maio de 2007

Ilustres senhores parlamentares: Vossas Excelências podem votar, se quiserem, essa porcaria de lei que proíbe criticar o homossexualismo. Podem votá-la até por unanimidade. Podem votá-la sob os aplausos da Presidência da República, da ONU, do Foro de São Paulo, de George Soros, das fundações internacionais bilionárias, do Jô Soares, do beautiful people inteiro.

Não vou cumpri-la.

Não vou cumpri-la nem hoje, nem amanhã, nem nunca.

Por princípio, não cumpro leis que me proíbam de criticar ou elogiar o que quer que seja. Nem as que me ordenem fazê-lo.

Não creio que haja, entre os céus e a terra, nada que mereça imunidade a priori contra a possibilidade de críticas. Nem reis, nem papas, nem santos, nem sábios, nem profetas reivindicaram jamais um privilégio tão alto. Nem os faraós, nem Júlio César, nem Átila, o huno, nem Gengis Khan ambicionaram tão excelsa prerrogativa. O próprio Deus, quando Jó lhe atirou as recriminações mais medonhas, não tapou a boca do profeta. Ouviu tudo pacientemente e depois respondeu. As únicas criaturas que tentaram vetar de antemão toda crítica possível foram Adolf Hitler, Josef Stálin, Mao-Tse-Tung e Pol-Pot. Só o que conseguiram com isso foi descer abaixo da animalidade, igualar-se a vampiros e demônios, tornar-se alvos da repulsa universal.

Nada é incriticável. Quanto mais o simples gostinho que algumas pessoas têm de fazer certas coisas na cama.

Nunca na minha vida parei para pensar se havia algo de errado no homossexualismo. Agora estou começando a desconfiar que há. Nenhuma coisa certa, nenhuma coisa boa, nenhuma coisa limpa necessita se esconder por trás de uma lei hedionda que criminaliza opiniões. Quem está de boa intenção recebe críticas sem medo, porque sabe que é capaz de respondê-las no campo da razão, talvez até de humilhar o adversário com a prova da sua ignorância e má-fé. Só quem sabe que está errado precisa se proteger dos críticos com uma armadura jurídica que aliás o desmascara mais do que nenhum deles jamais poderia fazê-lo. Só quem não tem o que responder pode pedir socorro ao aparato repressivo do Estado para fugir da discussão. E quanto mais se esconde, mais põe sua fraqueza à mostra.

Sim, senhores. Nunca, ao longo dos séculos, alguém rebaixou, humilhou, desmascarou e escarneceu da comunidade gay como Vossas Excelências estão em vias de fazer.

As pessoas podem ter acusado os homossexuais de fingidos, de ridículos, de tarados, de pecadores. Ninguém jamais os qualificou de tiranos, de nazistas, de inimigos da liberdade, de opressores da espécie humana. Vossas Excelências vão dar a eles, numa só canetada, todas essas lindas qualidades.

Depois não reclamem quando aqueles a quem essa lei estúpida jura proteger se tornarem objeto de temor e ódio gerais, como acontece a todos os que tomam de seus desafetos o direito à palavra.

Quem, aprovada a PLC 122/ 06, se sentirá à vontade para conversar com pessoas que podem mandá-lo para a cadeia à primeira palavrinha desagradável? Os homossexuais nunca foram discriminados como dizem que o são. Graças a Vossas Excelências, serão evitados como a peste.

Ciência ou palhaçada?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 21 de maio de 2007

“Verdade inconveniente”, por definição, é algum fato cuja divulgação fere os interesses de uma elite dominante e por isso acaba sendo boicotada e suprimida. Quando, ao contrário, quem sai alardeando a tal verdade são os grupos político-econômicos mais possantes do universo – proprietários da quase totalidade dos meios de comunicação na Europa e nos EUA –, o mínimo que a prudência recomenda é suspeitar que está sendo servida ao público uma farsa monstruosa calculada para usurpar, em benefício dos próprios donos do poder, o prestígio cultural da marginalidade e da independência.

O detalhe de que no Brasil o apoio a esse empreendimento venha do maior banco nacional e da maior rede local de TV já basta para alertar que não se trata de nenhuma verdade renegada buscando abrir espaço entre barreiras de silêncio erigidas pela classe dominante. Vocês já viram alguma verdade inconveniente ser estampada nas manchetes do New York Times, ganhar o Oscar , ser trombeteada pela rede Globo e abrilhantada pelo charme e beleza (já um pouco passados, é verdade) de Xuxa Meneghel em pessoa?

A sabedoria popular brasileira já deu sua opinião a respeito, acorrendo aos milhões para aplaudir o papa Bento XVI e ignorando solenemente o show bilionário do sr. Al Gore, bem como as gesticulações histéricas com que nossos parlamentares procuravam, na mesma semana, mobilizar as massas contra os supostos horrores da “homofobia”.

“Gore” quer dizer “ferir”, “derramar sangue”. Nomen est omen , “o nome é profecia”, diziam os romanos. A carreira do referido, uma longa sucessão de gentilezas a algumas das forças políticas mais sanguinárias do planeta, incluindo Fidel Castro e as Farc, só foi possibilitada pelo dinheiro com que a ditadura soviética engordou o seu pai, Albert Gore, por intermédio do megapicareta Armand Hammer, o qual, com razão, dizia ter o então senador “no bolso do colete” (a história completa de Hammer está no livro de Edward Jay Epstein, “Dossier. The Secret History of Armand Hammer”, Carroll & Graf Publishers, New York, 1999). Desse bolso emergiu a figura bisonha de Gore Júnior, em cuja candidatura presidencial outro príncipe da picaretagem internacional, George Soros, apostou quantias incalculáveis nas eleições de 2000.

Com a mesma cara de pau com que durante anos negou o genocídio stalinista na Ucrânia e proclamou Fidel Castro um campeão da democracia no Caribe, o New York Times apresenta-nos agora o ex-candidato crônico à presidência americana como um homem bem-aventurado a quem o fracasso eleitoral libertou das malhas do oficialismo, dando-lhe a oportunidade de falar em seu próprio nome, ser sincero, dizer aquilo em que acredita e ser reconhecido enfim como um profeta. Essa mudança de casta, da realeza para o sacerdócio, é uma farsa total. Se Gore acreditasse numa só palavra do que diz, não gastaria mais combustível fóssil em sua mansão de Belle Meade, Tennessee, do que várias centenas de famílias americanas juntas (ver link). E o estatuto de profeta só se consegue quando aqueles que por longo tempo negaram as nossas previsões acabam concordando com elas a contragosto. No caso de Gore isso não aconteceu de maneira alguma. Aqueles que o aplaudem agora são os mesmos que sempre o fizeram: o NYT, o CFR, George Soros, a ONU, Hollywood e as fundações bilionárias. Não consta que um só membro da abominável direita tenha dado sua mão à palmatória ante as revelações eco-ilógicas de Al Gore.

Para compensar, a mobilização mundial para dar ares de verdade científica final à impossível teoria da origem humana do aquecimento global adquire dia a dia mais força, alimentada pela santa aliança da mídia chique, dos organismos internacionais, da militância esquerdista organizada e das grandes fortunas – os quatro pilares da estupidez contemporânea. A mais recente efusão de sapiência dessas criaturas é o manifesto “Defendam a Ciência”, assinado por 128 professores universitários que, por motivos insondáveis, acreditam falar em nome de uma entidade mítica chamada “a ciência”.

A referida ciência, segundo os distintos, está sofrendo, nas mãos da administração Bush, horrores só comparáveis àqueles que os primeiros mártires do saber científico teriam padecido nos cárceres da Santa Inquisição. Em vão se procurará nas colunas do Index Librorum Prohibitorum um só título de Descartes, de Kepler, de Newton, de Leibniz ou qualquer outra obra fundamental para o advento das ciências modernas; mas, uma vez consagrada a lenda de que a perseguição inquisitorial sufocou a ciência nascente, novas lendas podem ser fabricadas a partir dessa, tomada como premissa tremendamente científica. Bebendo nessa fonte, o manifesto acusa o governo americano de “ bloquear o progresso científico, minar a educação dos cientistas e sacrificar a integridade mesma do processo científico, tudo em busca de implementar sua própria agenda política particular,… aliada a uma agenda ideológica extremista defendida por poderosas forças religiosas fundamentalistas geralmente conhecidas como a Direita Religiosa. É freqüente, na presente administração, o governo negar subsídios, censurar relatórios científicos, manipular, distorcer ou suprimir descobertas científicas que ela ache objetáveis .”

Contra este calamitoso estado de perseguição e censura, a ciência silenciada geme e se debate no fundo do poço da exclusão social, pedindo socorro (e dinheiro, evidentemente) à opinião pública.

Mas só um trouxa completo ou um cérebro intoxicado de maconha intelectual esquerdista pode acreditar nessa patacoada.

“O governo” não rejeita relatório científico algum. Quem o faz são cientistas de profissão – tão cientistas quanto os signatários do manifesto – que exercem o seu direito de não dar chancela oficial a teorias que lhes parecem duvidosas ou simplesmente interesseiras (o fato, por exemplo, de que o sr. Gore tenha quase toda a sua fortuna investida hoje em “fontes alternativas de energia” mostra que o que está em jogo para ele não é tanto a sobrevivência da humanidade, mas a integridade do seu próprio traseiro).

Em segundo lugar, George W. Bush não é “o governo americano”, é só uma parte dele. O Congresso é dominado pelos fãs de Al Gore; se eles tivessem em mãos a prova de uma só supressão proposital de dados científicos vitais para a segurança nacional, já haveria comissões de inquérito mordendo os calcanhares do presidente como o fazem a toda hora pelos motivos mais fúteis (como por exemplo as historinhas de Valerie Plame).

Em terceiro lugar, o governo americano, considerado como máquina de divulgação, é literalmente um nada, é um cocô de mosquito, em comparação com o conjunto da grande mídia que apóia maciçamente o alarmismo goreano. Como na história do milionário português que instalou uma janela de vidro fumê na sala de sua casa para que os vizinhos não espionassem as gandaias homéricas que ele ali promovia, mas, por um lapso formidável, colocou o vidro voltado para o lado errado, o governo Bush, se quisesse ocultar alguma “verdade inconveniente” sobre o aquecimento global, só conseguiria ocultá-la de si próprio, deixando-a à vista da opinião pública. Vocês já viram algum jornal ou canal de TV alardear as conquistas espetaculares da ajuda americana no Iraque, a recuperação da economia do Iraque, a prosperidade geral da população iraquiana, a reconstrução de todas as escolas e hospitais do país em tempo recorde? Já leram em manchetes de oito colunas que, em comparação com todas as guerras dos últimos cem anos, a do Iraque foi a que menos atingiu a população civil? O governo vive divulgando essas coisas, mas elas sim são verdades inconvenientes. O establishment midiático suprime-as tão completamente que falar delas é passar por maluco. O manifesto dos 128 iluminados, exatamente como o próprio título do livro-filme de Al Gore, condensa a exata inversão do estado real de coisas.

A organização que promove o empreendimento é aliás bem característica da rede de entidades ativistas por onde circula o dinheiro dos bilionários apóstolos da Nova Ordem Mundial. O site www.defendscience.org tem como principal financiador o Institute for the Study of Natural and Cultural Resources. O diretor deste último, Lee Swenson, começou sua carreira na militância anti-americana dos anos 60, indo heroicamente para a cadeia para fugir do serviço militar. Depois ajudou a criar uma série de entidades militantes da New Left , entre as quais o Institute for the Study of Non-Violence, junto com a cantora Joan Baez. O Institute the Study of Natural and Cultural Resources é apenas a última da série. Uma notável carreira científica, como se vê.

Mas nem tudo no manifesto é empulhação barata. Há nele uma subcorrente de argumentos que vem do fundo dos séculos, alimentando um dos erros mais trágicos em que a humanidade já se meteu.

O paradoxo mais chocante da ideologia científica atual é sua capacidade de fundir, às vezes num mesmo parágrafo, o prestígio intelectual das precauções metodológicas popperianas que afirmam a inexistência de verdades científicas definitivas com o apelo à prosternação geral ante a autoridade inquestionável dessas mesmas verdades. Do ponto de vista sociológico, trata-se de misturar numa só pasta confusa, os três tipos de autoridade assinalados por Max Webber, os quais, normalmente, deveriam permanecer estranhos e independentes entre si: a autoridade racional da ciência, a autoridade tradicional da religião estabelecida e a autoridade carismática dos profetas. Conforme expliquei em artigo anterior, a condição básica da investigação científica é a renúncia ao dom de proferir verdades definitivas, quanto mais ao de transfigurá-las em leis e reivindicar a punição dos discordantes. A própria natureza crítica e analítica do processo científico exige essa renúncia, bem como a abertura permanente e ilimitada às objeções e críticas, que são a alma mesma da racionalidade científica. Essa renúncia, que deu à classe dos cientistas o prestígio incalculavelmente valioso da modéstia racional em confronto com as pretensões dogmáticas do clero religioso, dissolve-se a si mesma no momento em que as conclusões provisórias de tal ou qual conjunto de investigações são proclamadas como verdades definitivas e a tentativa de discuti-las é criminalizada como um ato de lesa-majestade. Após haver atribuido esse tipo de autoridade à teoria da evolução, o ativismo científico procura arrogá-la agora a uma doutrina ainda mais incerta e problemática, a da origem humana do aquecimento global. E, ao mesmo tempo que usa de todos os recursos econômicos e políticos ao seu dispor para sufocar as vozes dissonantes, ele próprio se faz de perseguido e silenciado. A voz que se queixa de sufocada ecoa por todos os canais da mídia mundial, denunciando sua própria farsa da maneira mais patente e apostando, em última análise, na incapacidade pública de notar o paradoxo. Esse apelo à autoridade dogmática por parte daqueles que continuam se nomeando representantes do pensamento crítico é maravilhosamente complementado pela glamurização de Al Gore como um profeta – profeta que clama no deserto de Hollywood, ante as câmeras, holofotes e microfones. O caráter paródico do empreendimento no seu conjunto não escapa ao observador atento, mas talvez escape às multidões distraídas. E é com isso que contam os autores do manifesto.

Se vocês querem uma genuína “verdade inconveniente”, assistam ao documentário “A Grande Trapaça do Aquecimento Global” (“The Great Global Warming Swindle”), uma resposta arrasadora aos esforços publicitários do sr. Gore. Não foi feito com subsídios bilionários nem recebeu da mídia e do beautiful people o respaldo generosamente oferecido à autopromoção desse indivíduo. Os depoimentos ali apresentados são de cientistas profissionais, alguns de fama mundial, que não têm por que ser excluídos a priori da condição de representantes legítimos da sua classe, na qual ocupam posições pelo menos similares às dos sacerdotes do culto goreano. Vejam e em seguida escrevam às organizações envolvidas na promoção da visita de Al Gore, perguntando por que elas se recusam a oferecer ao público os dois lados da questão; por que alardeiam um só e ainda proclamam, com intolerável cinismo, que é uma verdade sufocada pelo establishment , quando obviamente elas próprias são o establishment e a única verdade sufocada é aquela que elas sufocam.

Mesquinharia oficializada

Nada na semana que passou – nem as visitas do Papa e de Al Gore, nem o assalto boliviano aos bens da Petrobrás, nem as eleições na França, nem mesmo o tornado no Kansas – me impressionou mais do que as lágrimas de indignação da deputada Cida Diogo, cujas qualificações estéticas para o ofício de prostituta haviam sido negadas (oh, horror!) pelo seu colega de plenário, Clodovil Hernandes.

Não, não é a aproximação da velhice que me afasta das questões importantes, desviando minha atenção para ninharias. Esse episódio miserável sucedido no parlamento chinfrim de um país ignorado pela História diz mais sobre a índole do mundo atual do que todos os magnos acontecimentos da atualidade.

Nunca se deve tentar fazer dano à reputação de um homem público escarafunchando misérias da sua vida privada. Mas hoje em dia são os próprios homens públicos que exibem suas misérias, às vezes não sabendo que são misérias — porque lhes falta o critério moral para julgar-se a si próprios –, às vezes sabendo-o perfeitamente e tirando proveito delas como arma para chocar e desnortear o adversário, ou mesmo como instrumentos de autovitimização e chantagem psicológica.

Vinte ou trinta anos atrás, a mulher adulta que chorasse e se descabelasse por ter sido chamada de “feia” seria enviada a algum psicoterapeuta, se gostassem muito dela, ou à p. q. p., na hipótese inversa. Hoje em dia a pobrezinha não só recebe manifestações gerais de solidariedade, mas põe em marcha o aparelho repressor do Estado para punir com castigo exemplar o atrevido que ousou colocar seus encantos em dúvida.

Antigamente, declarações como a do deputado Clodovil Hernandes saíam a toda hora em revistas de fofocas, sendo respondidas com agulhadas equivalentemente ferinas, tudo contribuindo para o divertimento geral num país onde imperava o bom humor. Hoje a coisa se transfigura numa crise política, com efusões de moralismo ofendido, discursos com voz embargada e olhos vermelhos de indignação.

Para vocês verem como os tempos mudaram, um rapaz enfezadinho, na internet , me perguntou como eu reagiria se em lugar da sra. Diogo estivesse a minha esposa. Uai, não vejo por que ela ou qualquer outra pessoa deveria se ofender por alguém lhe negar as qualificações para um emprego que não lhe interessa de maneira alguma. Eu mesmo, se contestados os meus méritos para gerente financeiro das Farc, cabo eleitoral do PT ou campeão do concurso de fantasias no Baile do Scala Gay, não me sentiria nem um pouco humilhado. As lágrimas da sra. Diogo a expuseram mais plenamente ao ridículo do que as palavras do sr. Hernandes jamais poderiam fazê-lo. Nos bons tempos, qualquer mocinha humilde, qualquer manicure ou faxineira, seria esperta o bastante para rir e responder: “Não se preocupe, siô dotô, eu não quero tomar o seu emprego” ou coisa assim. Hoje em dia, faltante a capacidade para isso, sobram as afetações histriônicas de revolta cívica.

A seriedade do ser humano mede-se na proporção inversa das picuinhas que leva a sério. Hoje, a moda, e mais que a moda, a obrigação, é sentir-se mortalmente ofendido por qualquer coisinha, é exibir aos quatro ventos um coração partido e transfigurar lágrimas de crocodilo em votos, em indenizações, em verbas públicas.

Examinado o fenômeno na escala civilizacional, o episódio chega a ser temível. A ética aristotélica do “homem magnânimo”, que tão profundamente impregnou a cultura da antigüidade, desapareceu por completo do horizonte contemporâneo. Seu último resíduo, já invertido e caricatural, era a “austeridade” burguesa, que cultivava a decência como substituto da moralidade, a aparência exterior de racionalidade e equilíbrio como Ersatz das qualidades internas correspondentes. Mas essa também já desapareceu. A afetação de dignidade dos nossos políticos do Terceiro Mundo é sua imitação ainda mais remota e diluída – caricatura de um simulacro, paródia da paródia, apoteose do risível e do grotesco.

O indivíduo magnânimo, ou maduro, o spoudaios da concepção de Aristóteles, é o homem cuja personalidade alcançou sua forma estável para além dos percalços da vida. O que o caracteriza é o domínio balanceado da razão sobre os vários impulsos discordantes que se agitam na sua alma. O equilíbrio tensional dos contrários, estabilizado na forma dinâmica de uma imagem pessoal que é a mesma para fora e para dentro – eis o ser humano visto na plenitude da sua perfeição terrestre, que uma vez alcançada o abre para a contemplação do transcendente e do eterno.

George Misch, na sua clássica “História da Autobiografia na Antiguidade”, observa que, se os biógrafos gregos e romanos só se interessavam pelos episódios da vida de seu personagem que conduziam diretamente à conquista dessa forma pessoal e definitiva, desprezando os demais como adventícios e irrelevantes, era porque tinham uma concepção do ser humano fundada na idéia aristotélica do spoudaios e no verso imortal de Píndaro, síntese magistral da mais alta moralidade laica: “Torna-te aquilo que és”.

Nessa perspectiva, cada indivíduo nasce dotado de uma forma pessoal intransferível, que no entanto tem de ser descoberta, realizada e estabilizada através de mil e uma contradições e dificuldades. Goethe dizia que a única verdadeira delícia desta vida é a personalidade: é descobrir-se a si mesmo num espírito de dever e missão pessoal – que mais tarde Victor Frankl chamará “o sentido da vida” – e alcançar, na maturidade, a plenitude visível de um destino singular.

Segundo essa concepção, a importância dos acontecimentos biográficos depende da sua contribuição positiva ou negativa para a conquista do equilíbrio pessoal final. Não é preciso enfatizar que toda atenção mesquinha a pequenas incomodidades e desgostos é fatal para a conquista desse objetivo. Dizia Goethe: “Aquele que não sabe desprezar não sabe honrar” – nem aos outros, nem a si próprio, nem muito menos a Deus. Gerações inteiras estão sendo hoje educadas para cultivar e ampliar desmesuradamente cada pequena ofensa sofrida e a sistematizar milhares de miúdos ressentimentos numa estratégia política da autovitimização rentável. Qualquer ganho político ou financeiro obtido nessa direção é um desastre espiritual imensurável e irreparável. Pelo bem da sra. Diogo, afirmo que reagir com bom humor ante a tirada do sr. Hernandes teria sido muito melhor para ela e muito mais educativo para a população brasileira. Porém, nada mais característico dos políticos de hoje em dia do que a vontade radical de degradar-se até a última miséria em troca de uns votos, de um carguinho, de uns subsídios. O homem da antigüidade podia rebaixar-se muito mais, na prática, sem se sujar tanto quanto os atuais beneficiários da estratégia de autovitimização o fazem com suas afetações de dignidade ofendida. Julio Cesar confessava ter se prostituído carnalmente a um político em troca do seu primeiro cargo público. Ninguém jamais lhe jogou isso na cara, porque ele o mencionava de passagem, com fria indiferença, como detalhe exterior que não afetava em nada a sua dignidade. Ele era um spoudaios . Se, ao contrário, ele se fizesse de vítima, choramingando e exigindo indenizações, os séculos estariam rindo dele até hoje.

Veja todos os arquivos por ano