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Sem desculpa

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 13 de setembro de 2007

Agora que o PT finalmente admitiu que o Foro de São Paulo é um “espaço de articulação estratégica” (sic) e não um inofensivo clube de debates como o chamava antes, tornou-se fácil até para as personalidades mais minúsculas e os cérebros mais atrofiados enxergar a verdade óbvia que, contra tudo e todos, e pagando caro por isso, proclamei durante anos: o partido que nos governa é parceiro e colaborador de organizações criminosas, tem com elas uma estratégia comum para a conquista do domínio total sobre o continente – uma aliança macabra que, se as leis neste país valessem de alguma coisa, seria razão mais que bastante não só para o imediato impeachment do presidente, mas para a prisão dele e de todos os seus colaboradores.

Tão gigantesco é esse concurso de crimes que, diante dele, ficar resmungando contra meros delitos de corrupção, como o fazem os ditos “oposicionistas”, é pura desconversa anestésica – inconsciente e burra, em alguns casos; consciente, oportunista e dolosa, em outros.

Tanto mais monstruosa se revela a trama quando se sabe que algumas das organizações com que o PT e outros partidos de esquerda se associaram, na busca de vantagens políticas comuns, são responsáveis pela matança anual de dezenas de milhares de brasileiros – seja através do comércio de drogas, seja através da ajuda prestada a gangues locais como o PCC e o Comando Vermelho para que espalhem o caos e o terror nas ruas das nossas principais cidades.

O presidente que trata como amigos e protegidos os assassinos de seus concidadãos é traidor do seu povo e cúmplice de homicídio em massa. Se o eleitorado soubesse disso, jamais teria votado nele nem mesmo para vereador em Garanhuns. Mas, justamente por ser o que é, o Foro de São Paulo tem colaboradores por toda parte, empenhados em fazê-lo ascender do mero poder descomunal ao poder absoluto. Muitos empresários de mídia e seus iluminados chefes de redação ajudaram alegremente a criar o monstro que agora ameaça estrangulá-los. Montaram em benefício dele a maior e mais duradoura operação-abafa já registrada na história do jornalismo mundial – um fenômeno comparável, em gravidade e abjeção, à existência mesma do Foro de São Paulo.

Há 17 anos a mídia nacional vive de um imenso blefe, jogando o peso da sua autoridade residual (não muito grande, é verdade) contra a massa dos fatos e documentos que a desmentem. Transfigurando a sátira em realidade, lança diariamente ao rosto de cada brasileiro o desafio de Groucho Marx: “Afinal, você vai acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?”. Acovardado e trouxa, o cidadão escolhe repetidamente a primeira alternativa.

Podemos perdoá-lo por isso, quando é um semiletrado com dificuldade de acesso às provas documentais – as atas do Foro, o discurso presidencial de 2 de julho de 2005 e, agora, o vídeo preparatório do 3º Congresso do PT. Mas que desculpa hão de arranjar, ante a História e ante suas próprias consciências – se alguma lhes resta – os jornalistas, políticos e empresários soi disant antipetistas? No máximo podem alegar uma razão psicologicamente plausível: o medo. Sabem que o perigo é maior do que eles próprios, maior até do que agüentam enxergar, portanto o que lhes resta é negar-lhe a existência, fazendo de suas próprias vidas uma farsa ignóbil e ajudando os comunistas a empurrar o país inteiro para o abismo do auto-engano e da loucura.

A maior trama criminosa de todos os tempos

Olavo de Carvalho

Digesto Econômico, setembro/outubro/nov/dez de 2007

O pioneiro inconteste na investigação do fenômeno “Foro de São Paulo” foi o advogado paulista José Carlos Graça Wagner, homem de inteligência privilegiada, que muito me honrou com a sua amizade. Ele já falava do assunto, com aguda compreensão da sua importância histórica e estratégica, por volta de 1995, quando o conheci. Em 1999, a documentação que ele vinha coletando sobre a origem e as ações da entidade lotava um cômodo inteiro da sua casa, e uma prova da criteriosidade intelectual do pesquisador foi que só a partir de então ele se sentiu em condições de começar a escrever um livro a respeito. Na ocasião, ele me chamou para ajudá-lo no empreendimento, mas eu estava de partida para a Romênia e, com muita tristeza, declinei do convite.

Maior ainda foi a tristeza que experimentei anos depois, quando, ao retomar o contato com o Dr. Wagner, soube que o projeto tinha sido interrompido por uma onda súbita e irrefreável de revezes financeiros e batalhas judiciais, que terminaram por arruinar a saúde do meu amigo e de sua esposa, ambos já idosos. Não sai da minha cabeça a suspeita de que a perigosa investigação em que ele se metera teve algo a ver com a repentina liquidação de uma carreira profissional até então marcada pelo sucesso e pela prosperidade.

Ele tinha negócios nos EUA e era também lá, nas bibliotecas e arquivos de Miami e de Washington D.C., que ele coligia a maior parte do material sobre o Foro. Nos últimos anos, a pesquisa havia tomado um rumo peculiar. O Dr. Wagner esperava encontrar provas de uma ligação íntima entre o Foro de São Paulo e uma prestigiosa entidade da esquerda chique americana, o “Diálogo Interamericano”. Não sei se essa prova específica existe ou não, nem se ela é realmente necessária para demonstrar algo que metade da América já conhece por outros e abundantes sinais, isto é, que os líderes mais barulhentos do Partido Democrata são notórios protetores de movimentos revolucionários e terroristas (de modo que o Foro, se acrescentado à lista, não modificaria em grande coisa as biografias desses personagens vampirescos).

O que sei é que o começo da ruína pessoal do meu amigo data aproximadamente de uma entrevista que ele deu ao Diário Las Américas, importante publicação de língua espanhola em Miami, na qual falava do Foro de São Paulo e de suas relações perigosas com o “Diálogo”. Mas isto já seria matéria para outra investigação, e longe de mim a intenção de explicar obscurum per obscurius. Mesmo sem poder prometer a solução para esse aspecto particularmente enigmático do problema, uma coisa posso garantir: os arquivos do Dr. Wagner, recentemente postos à disposição da equipe de pesquisadores do Mídia Sem Máscara e da Associação Comercial de São Paulo, pela generosidade de José Roberto Valente Wagner, permitem retomar a investigação com a esperança de que antes de um ano teremos pelo menos a história interna do Foro de São Paulo reconstituída praticamente mês a mês. Então será possível colocar em bases mais sólidas a questão do “Diálogo”, mas antes disso será preciso resolver outro enigma, bem mais urgente e bem mais próximo de nós.

Vou formular esse enigma mediante o contraste entre duas ordens de fatos:

Primeira: O Foro de São Paulo é a mais vasta organização política que já existiu na América Latina e, sem dúvida, uma das maiores do mundo. Dele participam todos os governantes esquerdistas do continente. Mas não é uma organização de esquerda como outra qualquer. Ele reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno, todas empenhadas numa articulação estratégica comum e na busca de vantagens mútuas. Nunca se viu, no mundo, em escala tão gigantesca, uma convivência tão íntima, tão persistente, tão organizada e tão duradoura entre a política e o crime.

Segunda: Durante dezesseis anos, todos os jornais, canais de TV e estações de rádio deste País – todos, sem exceção, inclusive aqueles que mais se gabavam de primar pelo jornalismo investigativo e pelas denúncias corajosas – se recusaram obstinadamente a noticiar a existência e as atividades dessa organização, malgrado as sucessivas advertências que lhes lancei a respeito, em todos os tons possíveis e imagináveis. Do aviso solícito à provocação insultuosa, das súplicas humildes às argumentações lógicas mais persuasivas, tudo foi inútil. Quando não me respondiam com o silêncio desdenhoso, faziam-no com desconversas levianas, com objeções céticas inteiramente apriorísticas, que dispensavam qualquer exame do assunto, com observações sapientíssimas sobre o meu estado de saúde mental ou com a zombaria mais estúpida e pueril que se pode imaginar. Reagindo a essa pertinaz negação dos fatos, fiz publicar no jornal eletrônico Mídia Sem Máscara as atas quase completas das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo. A volumosa prova documental mostrou-se incapaz de demover os negacionistas. Eles pareciam hipnotizados, estupidificados, mentalmente paralisados diante de uma hipótese mais temível do que seus cérebros poderiam suportar na ocasião.

O Foro de São Paulo reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno.

A publicação das atas teve porém duas conseqüências importantes. De um lado, o site oficial do Foro, www.forosaopaulo.org, foi retirado do ar às pressas, para só voltar meses depois, em versão bastante expurgada. De outro lado, entre os jornalistas e analistas políticos, a afetação de desprezo pelo asunto cedeu lugar à negação ostensiva, pública, da existência mesma do Foro de São Paulo. Dois personagens destacaram-se especialmente nesse servicinho sujo: o inglês Kenneth Maxwell e o brasileiro Luiz Felipe de Alencastro. Para anunciar ao mundo a completa inexistência da entidade que eu denunciava, ambos – por ironia, historiadores de profissão – usaram como tribuna ou megafone o pódio do CFR, Council on Foreign Relations, o mais poderoso think tank americano, dando assim à ignorância dolosa (ou à mentira grotesca) o aval de uma autoridade considerável. Quem ainda tenha ilusões quanto à confiabilidade intelectual da profissão acadêmica, mesmo exercida nos chamados “grandes centros” (Alencastro é professor na Universidade de Paris, e Maxwell é o consultor supremo do próprio CFR em assuntos brasileiros), pode se curar dessa doença mediante a simples notificação desses fatos.

Mas aí a hipótese da mera ignorância organizada começa a ceder lugar à suspeita de uma trama consciente bem maior do que a nossa paranóia poderia imaginar. Membros importantes do CFR tiveram contatos próximos com as organizações criminosas participantes do Foro de São Paulo, cuja existência, portanto, não poderiam ignorar (leia-se a respeito o meu artigo “Por trás da subversão”, Diário do Comércio, dia 05 de junho de 2006, http://www.olavodecarvalho.org/semana/060605dc.html). Em suma, o Brasil parecia estar preso entre as malhas de uma articulação criminosa, que envolvia, ao mesmo tempo, a totalidade dos partidos de esquerda latino-americanos, o grosso da classe jornalística nacional, as principais gangues de narcotraficantes do continente e, por fim, uma parcela nada desprezível da elite política e financeira norte americana.

A gravidade desses fatos mede-se pela amplitude e persistência da sua ocultação. Crescendo em segredo, o Foro de São Paulo tornou-se o motor principal das transformações históricas no continente, ao mesmo tempo que a ignorância geral a respeito fazia com que os debates públicos – e portanto a totalidade da vida cultural – se afastasse cada vez mais da realidade e se transformasse numa engenharia da alienação, favorecendo ainda mais o crescimento de um esquema de poder que se alimentava gostosamente da sua própria invisibilidade. A queda vertiginosa do nível de consciência pública nessas condições, era não só previsível como inevitável. As opiniões circulantes tornaram-se uma dança grotesca de irrelevâncias, desconversas e erros maciços, ao mesmo tempo em que a violência e a corrupção cresciam ante os olhos atônicos do público e dos formadores de opinião, cada um apegando-se às explicações mais desencontradas, extemporâneas e impotentes. Muitas décadas hão de passar antes que a devastação psicológica resultante desse quadro possa ser revertida. O fabuloso concurso de crimes que a determinou não tem paralelo na história universal.

Um dos aspectos mais grotescos da situação é a facilidade com que os culpados se desvencilham de qualquer tentativa de denúncia, qualificando-a de “teoria da conspiração”. Mas quem falou em conspiração? O que vemos é uma gigantesca movimentação de recursos, de poderes, de organizações, de correntes históricas, que para permanecer imune à curiosidade popular não precisa se esconder em porões, mas apenas apostar na incapacidade pública de apreender a sua complexidade inabarcável e de acreditar na existência de tanta malícia organizada.

O Foro é uma entidade sui generis, sem correspondência em qualquer época ou país. Longo tempo depois de extinto, como espero venha a sê-lo um dia, ele ainda constituirá um enigma e um desafio ao tirocínio dos historiadores. Para nós, ele é mais do que isso. É o inimigo “onipresente e invisível” sonhado por Antonio Gramsci.

Os construtores do abismo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 2 de agosto de 2007

A experiência me ensinou que, quando uma situação se torna confusa e incompreensível ao ponto de ter algo de sinistro, não se deve ir logo jogando a culpa no diabo antes de averiguar se não houve alguma mentira humana na origem da mixórdia toda. Como é da natureza da mentira ocultar-se a si própria, depois ocultar a ocultação e por fim apagar da memória todos os rastros da sua origem, não existe mentira isolada: há uma progressão geométrica de falsificações e aquilo que parecia uma toca de coelho acaba por se tornar uma cratera imensa, um abismo insondável.

Não que o diabo não tenha participação nenhuma na coisa, mas às vezes todo o seu trabalho consiste em inspirar a mentirinha inicial, deixando o resto da arquitetura abissal por conta da estupidez humana.

No caso brasileiro, a mentira começou com o silêncio da mídia em torno da existência do Foro de São Paulo. Quando dezenas de governantes, ministros de Estado, líderes guerrilheiros e chefes de gangues de narcotraficantes se reúnem em lugares anunciados de antemão e milhares de repórteres usualmente orgulhosos de seus dons investigativos não têm a mínima curiosidade de saber do que eles estão falando, a hipótese da mera coincidência de omissões preguiçosas deve ser afastada in limine como violação da lei das probabilidades. É claro, é patente, é insofismável que a classe jornalística e os donos de empresas de mídia, assim como todos os políticos de esquerda, são cúmplices conscientes do segredo. Mas, quando o segredo se desenvolve em proteção ostensiva dada pelas autoridades aos técnicos de guerrilha que treinam e dirigem quadrilhas de delinqüentes para a matança anual de cinqüenta mil pessoas, a manutenção da mentira e sua transformação em dogma se tornam necessidades absolutas para todos os envolvidos. Se os farsantes decidirem voltar atrás e revelar o que ocultavam, terão de assumir sua parcela de culpa em crimes inumeráveis. A culpa está aí, latente, e é preciso enterrá-la ainda mais fundo do que o fato inicial que lhe deu origem. Para isso é preciso falsificar toda a vida nacional, induzir a população inteira a viver uma situação hipotética, construída postiçamente como cenário real da sua vida. Não é de espantar que, nessas circunstâncias, o medo, a raiva e as suspeitas espouquem por toda parte, num festival de recriminações anárquicas que voam em todas as direções sem jamais acertar o alvo.

O fato é que não há praticamente, entre as lideranças nacionais – políticas, militares, empresariais, culturais e jornalísticas –, uma única que não carregue alguma dose de culpa por esse estado de psicose nacional. As exceções se tornam tanto mais honrosas quanto mais isoladas e, por isso mesmo, ineficazes no conjunto. Mesmo a voz possante da Associação Comercial de São Paulo acaba sendo abafada pela mais portentosa orquestra de falsificações e desconversas que já estreou no palco da loucura nacional. Nunca, na história do mundo, uma rede tão coesa de mentiras e omissões se manteve imune por tanto tempo às investidas da verdade, persistindo na obediência a um pacto diabólico a despeito das conseqüências catastróficas que ele dissemina. Nunca o apego à mentira foi tão geral e obstinado, nunca a persistência na farsa foi tão longe na sua disposição de encobrir seus próprios crimes com o sangue dos inocentes.

As elites falantes deste país, na sua quase totalidade, são criminosas até à medula. Não há castigo que não mereçam. O sofrimento brasileiro está apenas começando.

 

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