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Rabo à mostra

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 3 de agosto de 2010

Que o PT não tenha nenhuma ligação com as Farc é uma alegação que não se pode aceitar nem a título de hipótese. Mesmo sem levar em conta as atas completas do Foro de São Paulo, nem os favores obscenos do governo Lula ao representante farqueano Olivério Medina, nem a completa omissão governamental ante as provas de atividade criminosa das Farc no nosso território, nem a revelação dos serviços de leva-e-traz oferecidos pelo sr. Marco Aurélio Garcia entre a narcoguerrilha colombiana e o então ministro Luiz Felipe Lampreia, até uma criança de cinco anos é capaz de compreender os seguintes fatos e juntar os pontos:

1. O Foro de São Paulo é a coordenação estratégica do movimento comunista na América Latina.

2. O sr. Luís Ignácio Lula da Silva e o líder das Farc, Raul Reyes, já presidiram juntos uma assembléia do Foro, e juntos participaram de todas as outras.

3. É impossível conceber que os dois coordenadores máximos de uma estratégia comum não tenham nenhuma ligação, nenhuma comunidade de interesses, nenhuma atividade conjunta.

Quem fez a afirmação número 1 foi o próprio PT, no vídeo preparatório do seu III Congresso. A número 2 veio da boca do próprio Raul Reyes em 2003, em entrevista à Folha de S. Paulo, e nenhum representante do PT jamais a desmentiu desde então. A número 3 é uma exigência incontornável da inteligência humana. Negá-la é fazer-se de besta. Ou ser besta sem precisar fazer-se tal.

E não venham dizer que tudo isso é coisa de antigamente, que uma vez na presidência o PT cortou todos os laços com as Farc. Só para dar um exemplo, um modesto exemplo de como as coisas não são assim: em plena gestão Lula o seu assessor de imprensa, Gilberto Carvalho, continuou dirigindo, de parceria com o chefe militar das Farc, Manuel Marulanda Vélez (“Comandante Tirofijo”), a revista de propaganda comunista “América Libre”. Como poderiam fazê-lo sem ter ligação nenhuma é algo que só se alcança conceber, se é que se alcança, em estado alterado de consciência.

A propalada ausência de ligações não é algo que mereça discussão, nem mesmo atenção. É uma desconversa insultuosa, inadmissível, que falta ao mais elementar respeito para com o ouvinte, o eleitorado em geral, a nação inteira, as leis e a moralidade. A simples tentativa de impingir ao público uma mentira tão grosseira, tão boba, tão pueril, já é mostra daquele cinismo ilimitado que caracteriza a mentalidade sociopática, incapaz de medir, seja a feiúra dos seus atos, seja a inverossimilhança das palavras que os encobrem.

Quem quer que venha com esse tipo de subterfúgio só prova duas coisas. Primeira: que tem muito a esconder. Segunda: que ao tentar esconder-se está deixando o rabo à mostra.

O Brasil, como vários outros países da América Latina, é governado por bandidos perigosos, frios, calculistas, organizados, firmemente decididos a sujar-se até à medula, a cometer as mais inconcebíveis baixezas para manter e ampliar ilimitadamente o seu poder. Felizmente, não são tão espertos quanto se imaginam. Retorcendo-se em dores para fingir um sorriso de tranqüilidade superior, só o que conseguem produzir é um sorriso amarelo. Desmentem-se, atrapalham-se, gaguejam e, no fim das contas, dão a cara a tapa. Só não levam o tapa porque neste país não há mais homem que o desfira. Nunca um crime esteve tão patente à vista de todos, nunca tantos desviaram o olhar para não ter de enxergá-lo.

Com aquela ligação esses bandidos estão fazendo o mesmo que fizeram com o Foro de São Paulo inteiro: primeiro negarão peremptoriamente a sua existência; depois buscarão dar-lhe aparência de coisa mínima, inofensiva, sem peso nem substância; por fim, quando sentirem que o perigo do escândalo já passou, começarão a trombeteá-la aos quatro ventos como façanha gloriosa, merecedora da gratidão da espécie humana.

Contarão, para isso, com a colaboração servil da mídia inteira e de praticamente todas as lideranças políticas, empresariais, religiosas, culturais, judiciais e militares deste país. Aqueles que, dessa massa de escravos e sicofantas, se levantarem por um minuto para esboçar um vago muxoxo, para encenar um débil lamento entre prudentes pedidos de desculpas e depois voltar ao confortável silêncio de sempre, serão celebrados como heróis, porque a alma popular se aviltou tanto que já não consegue conceber o heroísmo senão como paródia, como chanchada, como jogo de cena.

Bandidos e poltrões

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 23 de julho de 2010

Os termos em que o sr. Presidente da República apelou a José Serra, pedindo-lhe que pare de tocar na ferida das ligações PT-Farc, são uma obra-prima de tartufismo como raramente se viu na história do teatro universal.

Em vez de negar peremptoriamente que aquelas ligações existem – o que seria muito temerário, dada a abundância de provas –, ele tentou sensibilizar o coração do candidato, exigindo dele a omissão cúmplice que, na iminência da revelação de crimes escabrosos, se esperaria de um velho companheiro de militância para quem a solidariedade mafiosa deve estar, segundo os cânones da moral presidencial, acima da verdade, acima do respeito aos eleitores, acima dos interesses da pátria, acima do bem e do mal.

A chantagem emocional é o mais velho recurso dos patifes apanhados de calças na mão, mas o sr. Presidente da República, mesmo sendo incapaz de abster-se desse golpe baixo, poderia ao menos ter tido a decência de usá-lo em privado, em vez de mostrar em público, uma vez mais, que não tem o menor senso de moralidade.

O autor desse apelo abjeto assinou, em 2001, como presidente do Foro de São Paulo, um voto de solidariedade integral às Farc e outras organizações criminosas, e deu provas em cima de provas de que seu governo e seu partido vêm cumprindo o compromisso à risca. Recusar-se a qualificar essas organizações como terroristas e narcotraficantes, que é o que elas são com toda a evidência, já é prova de solidariedade. Somem a isto as mobilizações políticas montadas instantaneamente pelo PT e outras agremiações de esquerda para libertar qualquer membro daquelas quadrilhas que seja preso no território nacional; a participação de ministros do governo Lula na propaganda das Farc através da revista América Libre; a contínua colaboração entre Farc e PT na formulação da estratégia esquerdista continental através das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo; a recusa obstinada de levar em consideração as descobertas do juiz federal Odilon de Oliveira, que apresentou provas cabais da parceria entre as Farc e quadrilhas locais de assassinos e seqüestradores (tornando-se por isso virtualmente um prisioneiro, enquanto os acusados continuam à solta); somem tudo isso e me digam se existe, além do instinto de autodefesa dos envolvidos na tramóia, alguma razão para não falar de ligações entre PT e Farc, entre PT e MIR, entre PT e ELN ou entre o PT e qualquer outra organização pertencente ao Foro de São Paulo.

Quanto ao próprio Foro, que, sob as bênçãos do nosso partido governante, continua todo mês gastando quantias consideráveis em viagens de centenas de seus membros entre as várias capitais latino-americanas, o sr. Lula seria, mesmo quando ainda candidato, o primeiro a ter a obrigação de esclarecer qual o estatuto legal da entidade e de onde vem o dinheiro que a sustenta. Como ninguém teve a coragem de lhe perguntar isso em 2002 nem em 2006, ele se sentiu livre para não dizer nada. Com o tempo, a licença para silenciar, que então lhe foi concedida como um favor pela polidez covarde dos seus adversários, da mídia, das classes empresariais, dos militares e de tutti quanti, tornou-se, na cabeça dele, um direito adquirido. É em nome desse direito imaginário que ele agora exige dos candidatos oposicionistas a gentileza da omissão cúmplice, mesmo quando essa gentileza arrisque, uma vez mais, tirar das mãos deles a arma da verdade e da justiça, a mais poderosa em qualquer eleição presidencial.

Está na hora de mostrar que esse direito nunca existiu, exceto como conjunção momentânea de interesses vis entre bandidos e poltrões.

Se o PT insistir em querer processar o candidato vice-presidencial Índio da Costa, o que este e José Serra têm a fazer para desmoralizar por completo a fanfarronada petista é muito simples:

1. Inserir no processo as atas completas das assembléias do Foro de São Paulo, a lista dos membros da entidade e a coleção das revistas America Libre. Isso já basta para comprovar a ligação que o PT desmente.

2. Inserir nos autos os dois discursos em que o sr. Lula reconhece, até com orgulho, o caráter secreto e clandestino das atividades do Foro de São Paulo.

3. Convocar o testemunho do juiz Federal Odilon de Oliveira, provando que o PT continuou a relacionar-se em bons termos com as Farc enquanto a Justiça Federal já tinha provas suficientes de que essa organização criminosa colaborava com quadrilhas locais empenhadas em matar cidadãos brasileiros a granel.

Façam isso e não apenas vencerão o processo e as eleições: conquistarão a gratidão de todos os brasileiros honrados.

Escolha desgraçada

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 25 de maio de 2010

Dos comentários à coluna de Reinaldo Azevedo do último dia 16, uma dúzia enfatizava que as notícias recentes, com provas definitivas da cumplicidade do PT com as Farc e outras organizações criminosas, já constavam de meus artigos de dez ou quinze anos atrás.

“É preciso – diz um dos leitores – fazer justiça ao jornalista exilado nos EUA, Olavo de Carvalho, que durante anos foi motivo de chacota por denunciar sozinho o Foro de São Paulo.”

Outro recorda: “Neste vídeo (http://www.youtube.com/watch?v=c4taMM83xp8), Olavo de Carvalho já denunciava a ligação das FARC com o PT, CV e PCC.”

Outro ainda: “Parabéns ao jornalista Reinaldo Azevedo que foi um dos primeiros a apoiar Olavo de Carvalho, que já falava disso há anos – o ÚNICO cientista político honesto do Brasil.”

E assim por diante.

Nos vinte anos de governo militar, nunca vi um só jornalista ser expulso de toda a “grande mídia” brasileira por divulgar algum fato politicamente indesejado. Esse privilégio, que me lisonjeia ao ponto de me corromper a alma, ficou reservado para ser conferido à minha irrisória pessoa no período histórico imediatamente posterior, chamado, por motivos esotéricos, “redemocratização”. Por informar ao público a existência do Foro de São Paulo e os laços mais que íntimos entre partidos políticos e quadrilhas de narcotraficantes e seqüestradores, fui chutado do Globo, da Época, da Zero Hora, do Jornal do Brasil e do Jornal da Tarde. O número dos que por esses e outros canais me chamaram de louco, de mentiroso, de desinformante, de teórico da conspiração e coisas similares conta-se como as estrelas do céu. Excluído do círculo das pessoas decentes, só encontrei um último abrigo neste bravo Diário do Comércio, onde me sinto cinicamente bem entre outros meninos malvados como Moisés Rabinovici, Roberto Fendt e Neil Ferreira.

Estou grato aos leitores da Veja pela sua fidelidade à memória dos fatos, mas – confesso – nunca me senti entristecido ou magoado com aqueles indivíduos, oficialmente profissionais de imprensa, que imaginaram poder destruir minha reputação a pontapés. As marcas de seus sapatos no meu traseiro desvaneceram-se em questão de segundos tão logo os enviei, por via postal ou radiofônica, à p. que os p. ou à prática do sexo anal consigo próprios. A satisfação que esses desabafos me trouxeram foi tão grande, tão sublime, que, em vez de rancor, passei a sentir uma terna gratidão por aqueles meus ex-patrões, por terem me dado a ocasião de viver tão deliciosos momentos. Mais deliciosos ainda pela certeza absoluta de que tudo os destinatários engoliriam calados, fingindo que não era com eles, quando todo mundo sabia que era. Não há dinheiro que pague uma coisa dessas.

Liberto de mágoas pessoais, não posso, no entanto, deixar de sentir tristeza ao ponderar que o curso deplorável tomado pelos fatos desde há duas décadas poderia ter sido contornado se algumas pessoas em posição de poder e destaque na sociedade tivessem dado ouvidos à voz deste esfarrapado observador da realidade, em vez de dá-los aos bem-pensantes, bem vestidos e bem barbeados bonecos de ventríloquo da mídia e das universidades.

Quem perdeu com isso não fui eu, foi o Brasil. Desgraçado o país que, na falta de sensibilidade intelectual, escolhe seus conselheiros mediante critérios de etiqueta, indumentária e posição social.

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