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A origem dos atentados

Olavo de Carvalho

Época, 22 de setembro de 2001

Leia aqui alguns dos fatos que a desinformação esconde

Enquanto na parte mais iluminada do palco brasileiro uma procissão de desinformantes profissionais e idiotas amadores continua a alertar contra a “paranóia” de George W. Bush, como se as explosões do dia 11 fossem imagens de delírio sonhadas pela direita para inventar um pretexto de maltratar indefesos esquerdistas, as análises feitas por pessoas que estudaram o assunto são mantidas rigorosamente fora do alcance de nosso povo, convidado assim a não entender nada dos acontecimentos que vão moldar sua vida, talvez de maneira trágica, ao longo dos próximos anos.

Uma dessas pessoas é o coronel Stanislav Lunev, um nome completamente desconhecido nesta parte do mundo. Membro do Estado-Maior do Exército russo, ele foi, ao longo da História, o mais graduado desertor da espionagem militar soviética, o GRU. Hoje é consultor de segurança do governo americano.

No início dos anos 90 ele alertou a CIA que a Rússia, em plena desmontagem do sistema econômico socialista, conservava intactos os chamados “órgãos especiais” – especialmente o GRU – e que ali se desenvolviam planos meticulosos para uma guerra contra os Estados Unidos. Ele informava que “essa guerra pode começar com uma operação diversionista algum tipo de ataque terrorista”.

Hoje, diante dos atentados, ele afirma: “Não tenho dúvidas de que a Rússia esteja por trás desses grupos terroristas, financiando-os e equipando-os”. É verdade que o governo de Moscou declarou sua solidariedade aos EUA, mas ele também fez isso na Guerra do Golfo, ao mesmo tempo que enviava técnicos e equipamentos para ajudar Saddam Hussein. Sem uma aliança secreta russa com os afegãos, como explicar que esse povo, após ter 1 milhão de seus filhos mortos por tropas soviéticas, só sobrevivendo como nação livre graças à ajuda americana, de repente apagasse todas as mágoas contra seus agressores e se voltasse, com ódio insano, contra seu benfeitor?

É igualmente verdade que a Rússia, de maneira aparentemente despropositada e contrariando o consenso internacional, adotou em julho o padrão-ouro. Por que faria isso, se não soubesse que o dólar ia cair junto com as torres do World Trade Center?

Mais ainda, o comandante militar afegão Gulbaddin Hekmatiyar sempre esteve metido até a goela no esquema soviético de incentivo e aproveitamento do tráfico internacional de drogas, revelado às autoridades americanas, já em 1968, pelo general Jan Sejna, desertor do Ministério da Defesa tcheco onde era o porta-voz do Comitê Central do partido. Sejna foi testemunha direta dos acordos entre soviéticos e chineses, desde os anos 50, para inundar de cocaína os EUA e fazer do tráfico de drogas o suporte econômico da revolução comunista na América Latina, hoje em franca ascensão na Colômbia.

Por tudo isso é que o coronel Stanislav Lunev adverte, agora, que a escalada da violência antiamericana mal começou e que só uma resposta enérgica e decidida pode abortar os planos de uma guerra destinada, segundo declaração da Ulema-i-Afghanistan, a assembléia dos líderes religiosos afegãos, a promover nada menos que “a total eliminação da América pela força”. Essa assembléia não tem nenhuma autoridade para convocar ao jihad todos os islamitas, como vem fazendo, pois essa convocação, segundo a lei corânica, só vale quando aprovada por toda a umma, a comunidade internacional dos letrados muçulmanos, e a maioria destes está decididamente contra a idéia monstruosa de uma guerra de extermínio. Mas, como explicarei num dos próximos artigos, os chamados “fundamentalistas islâmicos” estão pouco se lixando para os fundamentos do Islã: sua ideologia não é islâmica, é uma espécie de “teologia da libertação”, uma politização abusiva e macabra da mensagem do Corão. Por isso eles não têm escrúpulos de aliar-se aos assassinos de seus correligionários contra o país que, no momento da agonia, estendeu a mão salvadora aos combatentes muçulmanos.

Esconde-esconde

Olavo de Carvalho


Época, 4 de agosto de 2001

No jogo da política nacional, dizer a verdade é proibido

Quando um nacionalista defende seu país contra a Nova Ordem Mundial, ele luta por uma coisa que já existe contra outra que está apenas em via de existir, ou que só existe pela metade. Defende, portanto, como Edmund Burke, o passado certo contra o futuro hipotético. Nada mais lógico do que, nesse empenho, ele apegar-se aos valores e tradições que fundamentam a identidade nacional e buscar demonstrar que, acima e independentemente de toda promessa de um paraíso globalista, eles merecem sobreviver.

É isso o que fazem os adversários americanos da Nova Ordem Mundial. Argumentam que os Estados Unidos são uma república e não um império, que o globalismo coloca o país sob o jugo de umas quantas empresas monopolistas, que a nova civilização que se anuncia em escala planetária é a antítese dos valores judaico-cristãos que formaram a nação americana.

O que os revolta, sobretudo, é a nova educação pública, que, em vez de ensinar literatura, ciência, História e religião como antigamente, só se ocupa de incutir slogans globalistas politicamente corretos na cabeça das crianças: já não é educação, é engenharia comportamental. A maioria desses nacionalistas votou em Bush júnior para não votar em Gore, o mundialismo encarnado, mas não perdoa a Bush pai ter transformado as escolas americanas em fábricas de cidadãozinhos globais. O nacionalismo americano, como a maioria dos nacionalismos, é de direita.

No Brasil, porém, não existindo direita ideológica, só fisiológica, a apologia do globalismo foi incumbida de representar ad hoc o papel de direitismo, enquanto o discurso nacionalista era assumido pela esquerda. O resultado é um imbróglio ideológico sem mais tamanho. Pois a direita, ao mesmo tempo que professa da boca para fora os valores tradicionais e religiosos associados ao passado nacional, aposta numa Nova Ordem Mundial que flagrantemente os destrói. E a esquerda, ao mesmo tempo que combate essa Nova Ordem na esfera econômica, luta para implantar na educação as ideologias globalistas do multiculturalismo, da affirmative action, do feminismo e do movimento gay, diluidoras das tradições nacionais. Não se trata, enfim, de uma luta pró e contra a Nova Ordem Mundial, mas de uma pura disputa de lances no leilão da identidade nacional.

Nessa dupla hipocrisia, a da esquerda é mais inteligente. Pois seu nacionalismo é mesmo de fachada e sua oposição à Nova Ordem Mundial é propositadamente dúbia: combate as empresas globais ao mesmo tempo que luta para dar mais poder aos organismos internacionais e à rede mundial de ONGs, que é a multinacional da comedeira de subsídios estatais.

Os direitistas, por seu lado, aderiram a um globalismo fácil por pura preguiça mental, vendo nele o pretexto de um modernismo cor-de-rosa para apregoar o “fim das ideologias”. Julgavam que, com esse discurso, esvaziariam o ideário da esquerda. Esvaziaram foi o seu próprio, descaracterizando-se ideologicamente e entregando à esquerda, de mão beijada, o monopólio da circulação de opiniões. O duplo engano, portanto, não é simétrico. A direita engana-se a si mesma fazendo de conta que engana o adversário. A esquerda consente em fingir que se engana a si mesma, para mais facilmente enganar o adversário e o público.

A vantagem da esquerda nesse jogo é nítida, mas, qualquer que seja o resultado final, o preço da aposta, de ambos os lados, terá sido o rebaixamento do nível de consciência da população. Pois é um jogo de esconde-esconde, no qual a única coisa que não vale é dizer a verdade.

PS.: No artigo da edição 166, esqueci dois detalhes importantes. Primeiro: o livro em que Mortimer J. Adler expõe as técnicas da educação liberal tem edição brasileira – Como Ler um Livro, da Editora UniverCidade. Segundo: um de nossos maiores educadores, dom Lourenço de Almeida Prado, é adepto e praticante dessas técnicas, tendo-as usado com seus alunos no Colégio de São Bento do Rio de Janeiro, com grande sucesso.

Benfeitor ignorado

Olavo de Carvalho

Época, 21 de julho de 2001

Ele lutou pela verdadeira “educação para a cidadania”

O falecimento de Mortimer J. Adler, aos 98 anos, há cerca de um mês, não foi registrado pela imprensa nacional. Duvido que não haja pelo menos uns poucos brasileiros que devam a esse filósofo e educador o melhor do que aprenderam nesta vida – mil vezes melhor do que poderiam ter aprendido em qualquer curso universitário ou na leitura diária de todas as publicações culturais impressas nesta parte do mundo. Mas, no geral, a cultura nacional está hoje nas mãos de pessoas que ignoram Mortimer J. Adler. Se não o ignorassem, não seriam o que são, nem a cultura nacional a miséria que é.

A diferença básica entre a classe falante brasileira e a americana que ela tanto inveja é, simplesmente, que esta recebeu na escola uma liberal education, e ela não. Adler foi a estrela máxima e a encarnação mesma da liberal education nos Estados Unidos – o educador que, em última análise, fez a cabeça da elite intelectual mais ágil do país mais forte do mundo.

Liberal education é, para resumir, a educação da mente para os debates culturais e cívicos mediante a leitura meditada dos clássicos. Acabo de escrever esta palavra, “clássicos”, e já vejo que não sou compreendido. A falta de uma liberal education dá a esse termo a acepção estrita de obras literárias famosas e antigas, lidas por lazer ou obrigação escolar. Um clássico, no sentido de Adler, não é sempre uma obra de literatura: entre os clássicos há livros sobre eletricidade e fisiologia animal, os milagres de Cristo e a constituição romana: coisas que ninguém hoje leria por lazer e que geralmente são deixadas aos especialistas. Mas um clássico não é um livro para especialistas. É um livro que deu origem aos termos, conceitos e valores que usamos na vida diária e nos debates públicos. É um livro para o homem comum que pretenda ser o cidadão consciente de uma democracia. Clássicos são livros que criaram as noções de realidade e fantasia, senso comum e extravagância, razão e irrazão, liberdade e tirania, absoluto e relativo – as noções que usamos diariamente para expressar nossos pontos de vista. Só que, quando o fazemos sem uma educação liberal, limitamo-nos a repetir um script que não compreendemos. Nossas palavras não têm fundo, não refletem uma longa experiência humana nem um sólido senso de realidade, apenas a superfície verbal do momento, as ilusões de um vocabulário prêt-à-porter. A educação liberal consiste não somente em dar esses livros a ler, mas em ensinar a lê-los segundo uma técnica de compreensão e interpretação que começa com os eruditos greco-romanos e atravessa, como um fio condutor, toda a história da consciência ocidental.

A liberal education é uma tradição nos EUA desde antes da Independência. Adler lutou como um leão para que se tornasse patrimônio de todos os americanos, mas seu sucesso foi só parcial. As universidades principais têm, todas, seus programas de liberal education, mas no ensino médio a idéia não pegou por completo. Hoje a diferença essencial entre a rede de escolas públicas, fábricas de delinqüentes, e as escolas de elite que formam os governantes e os líderes intelectuais americanos é que estas se atêm fielmente à velha educação liberal e aquelas se deleitam em experimentos pedagógicos de “engenharia comportamental” – muitos dos quais inspiram os programas de nosso MEC.

Fala-se muito, hoje, em educação para a cidadania. Mas só há duas maneiras de formar o cidadão: a educação liberal e a manipulação ideológica. Ou o sujeito aprende a absorver os dados da “grande conversação” entre os espíritos superiores de todas as épocas e a tomar posição sabendo do que fala, ou aprende a falar direitinho como seus mestres mandaram, usando os termos com a conotação que desejam, segundo os interesses dominantes do dia. A opção brasileira está feita. Por isso, neste país, poucos souberam da vida ou da morte de Mortimer J. Adler.

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