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O estupro das soberanias nacionais

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 20 de março de 2006

A ONU está firmemente decidida a tornar o abortismo obrigatório em todas as nações do mundo, sob pena de sanções econômicas. É a mais vasta e brutal interferência uniformizante que um poder transnacional já ousou fazer em países nominalmente soberanos. A intromissão vai furar a casca jurídica e administrativa e ir direto aos fundamentos de cada sociedade. Será a extirpação completa das raízes morais e religiosas milenares de culturas inteiras – e não é preciso dizer que junto com esses fundamentos irão embora as respectivas identidades nacionais.

Nomeada e paga por Estados independentes, a burocracia internacional da ONU e da CE se empenha ativamente em destruí-los e em erguer-se acima deles como governo mundial. A decisão explícita nesse sentido já está tomada desde 1994: “Os problemas da humanidade já não podem ser resolvidos pelos governos nacionais. O que é preciso é um Governo Mundial. A melhor maneira de realizá-lo é fortalecendo as Nações Unidas” ( Relatório sobre o Desenvolvimento Humano ).

Até o momento, a imposição desse novo poder era camuflada e sutil. Decisões da alçada dos governos e parlamentos iam sendo, pouco a pouco, transferidas para comissões técnicas transnacionais, inteiramente protegidas de qualquer fiscalização pelos eleitorados. A soberania política, jurídica, econômica e militar das nações ia sendo cortada fatia por fatia, lentamente, sem que os povos afetados recebessem informação em tempo de organizar-se para reagir. Uma autêntica “operação salame” em escala global. Foi assim que a burocracia internacional conseguiu impor programas uniformes em matéria de educação, saúde, economia, etc., até mesmo às nações mais fortes e orgulhosas (a total devastação do ensino público americano foi obra da ONU, implantada com a cumplicidade de Jimmy Carter e George Bush pai). A obra-prima do maquiavelismo anestésico veio quando a Inglaterra, tradicionalmente refratária à promiscuidade internacional, consentiu em ceder ao escritório da Comunidade Européia, em Bruxelas, os poderes de decisão do governo de Londres quanto a orçamento, comércio, transportes, defesa nacional, relações internacionais, imigração, justiça e direitos humanos, reduzindo o Parlamento à condição de assembléia local subordinada (v. http://www.olavodecarvalho.org /semana/030524globo.htm ). Uma pesquisa do jornal The Sun mostrou que 84 por cento dos ingleses ignoravam tudo a respeito.

A decisão quanto ao aborto assinala o que Mao Tsé-tung chamaria “salto qualitativo”: uma lenta acumulação quantitativa de fatores homogêneos muda, de repente, a natureza do processo. Décadas de manipulação sorrateira tornaram as nações suficientemente passivas para curvar-se, sem o mais mínimo questionamento, à imposição ostensiva de uma nova lei moral, contrária a tudo em que acreditaram durante séculos ou milênios.

Se há uma situação em que faz sentido falar de “genocídio cultural”, é essa. E não é preciso dizer que novas medidas do mesmo teor virão nos próximos anos, varrendo do mapa símbolos, valores, costumes e tradições que desagradem ao autonomeado governo do mundo. A profundidade e abrangência da mutação planejada vai além de tudo o que a imaginação banal dos politólogos acadêmicos e dos analistas econômicos da mídia pode hoje conceber.

De um lado, a substância ideológica dessa revolução é extraída diretamente do materialismo revolucionário do século XVIII: trata-se de criar uma sociedade global totalmente administrada e controlada por uma elite de intelectuais iluminados, porta-vozes da razão científica contra o obscurantismo das religiões e culturas tradicionais.

Mas todo esse racionalismo é somente uma casca brilhante construída para engodo das multidões (nisto incluído o “proletariado intelectual” das universidades). Por dentro, o iluminismo inteiro foi um amálgama tenebroso de ocultismo, magia, gnosticismo, sociedades secretas, rituais entre cômicos e macabros. Não há um só historiador sério que ignore isso.

Do mesmo modo, o laicismo “esclarecido” da nova ordem global é puro teatro. Suas fontes são as mesmas do ocultismo da “Nova Era”. Seus gurus são Helena Petrovna Blavatsky, Alice Bailey, Aleister Crowley e outros saídos do mesmo esgoto espiritual. Se duvidam, informem-se sobre um movimento denominado United Religions Initiative. Já mencionei aqui o livro de Lee Penn, False Dawn: The United Religions Initiative, Globalism and the Quest for a One-World Religion , Hillsdale, NY, Sophia Perennis, 2004. Está tudo lá. Apelo ao leitor para que estude essa obra enquanto é tempo. São centenas de páginas de documentos de fonte primária, que não deixam a menor margem a dúvidas. O governo mundial que se forma diante dos nossos olhos tem um programa “religioso” bem definido: criar uma nova “espiritualidade global” biônica que domestique as religiões tradicionais e as nivele a qualquer seita ocultista, mágica, ufológica ou satanista, e na qual o objetivo essencial da atividade religiosa não seja o culto a Deus, mas a “reforma social” – na linha, é claro, escolhida pela burocracia.

A intelectualidade brasileira está radicalmente desqualificada para discutir essas mutações e suas conseqüências para o país. O destino nacional está sendo decidido por forças que ninguém, no Congresso, na mídia, nas universidades ou nas Forças Armadas, entende nem mesmo por alto. Nunca os cérebros foram tão pequenos para desafios tão grandes. As discussões a respeito são meros concursos de literatice provinciana, enquanto em volta tudo é arrastado na voragem de uma revolução que não é compreendida nem pelos seus próprios agentes locais.

Notícias do mundo real

Quem quiser saber o que se passa no país e no mundo, que pare de ler os jornalões e comece a vasculhar a internet . Três exemplos:

Primeiro . Leio no site www.alertabrasil.blogspot.com que, segundo Leonardo Attuch, autor do livro “A CPI que Abalou o Brasil”, Mino Carta recebeu R$ 2,5 milhões do Mensalão para sua revista Carta Capital , cujo petismo fiel e intransigente fica assim explicado. O dinheiro saiu por ordem direta de Luiz Gushiken. Attuch informa que uma lista extensiva de jornalistas “amiguinhos do governo” está para vazar a qualquer momento. Que acontecerá a esses mensaleiros da mídia? O mesmo que aconteceu a seus oitocentos colegas subsidiados pela CUT em 1993. Nada. Continuarão posando de fiscais impolutos da moralidade alheia.

Segundo . No site www.vcrisis.com , você encontra tudo sobre a Venezuela – desde listas de presos, mortos e desaparecidos até acordos secretos de colaboração atômica entre Hugo Chávez e o governo da Coréia do Norte. Em represália contra essa mania de jornalismo, seu editor, Alexander Boyd, cidadão venezuelano auto-exilado na Inglaterra, é acusado pelos agentes chavistas de representar uma “conexão anglo-venezuelana” subsidiada pelo governo americano. Ameaçam até pedir sua extradição ao governo britânico, sob alegações que até o momento não consigo imaginar. Boyd é meu amigo, passou uns dias aqui em casa e asseguro que ele não tem onde cair morto. Se o governo americano o subsidia, o raio do cheque deve estar atrasado há anos.

Terceiro . Partindo de uma informação divulgada por mim tempos atrás, o blog www.cacom.blogspot.com cobrou da senadora Heloísa Helena uma explicação das relações perigosas entre seu partido e o terrorista italiano Achille Lollo, condenado pela justiça de seu país pelo assassinato dos dois filhos de seu inimigo político Mario Mattei, um deles de oito anos de idade, ambos queimados vivos num incêndio proposital. Com uma sentença de dezoito anos de prisão a cumprir na Itália, o terrorista vive no Brasil, sob proteção do governo ao qual a sra. Heloísa Helena finge fazer oposição ao mesmo tempo que continua a colaborar com ele no Foro de São Paulo. Lollo é co-fundador do PSOL e publica artigos de teoria marxista no jornal do partido da senadora.

Gabriel Castro, editor do blog , achou com razão que uma candidata à Presidência da República não poderia andar de mãos dadas com um parceiro tão sujo sem dar ao menos alguma satisfação à opinião pública. Ante a pergunta, a assessoria da senadora, que antes havia concordado com a entrevista, reagiu com quatro pedras na mão, fazendo pose de dignidade ofendida e espalhando no ar toda sorte de insinuações perversas para fugir de dar uma resposta. O jornal então avisou que iria publicar as perguntas sem as respostas , e a senadora, agora em pessoa, não perdeu a ocasião de se fazer de vítima, uma das técnicas de desconversa mais usuais nos meios esquerdistas: “Ameaça? Acha V.Sa. que eu tenho medo de alguma coisa? Passei a vida como sobrevivente tendo que engolir meus próprios medos, entendeu?” Performance comovente, senadora. Mas, encerrado o espetáculo, cadê a explicação? Nada. Silêncio total. O blog então publicou as provas da participação de Lollo no PSOL, acompanhadas de um documento aterrorizante: a foto de uma das vítimas do incêndio, queimada mas ainda viva, tentando em vão escapar pela janela da casa em chamas.

O que achei mais bonito na reação da assessoria foi a pergunta insolente enviada a Gabriel Castro: “O seu público sabe quem é Olavo de Carvalho? Assim fica difícil agente ( sic ) fazer alguma coisa.” Que é que seus ajudantes querem dizer com isso, senadora? Que a senhora me conhece, que sabe a meu respeito algo de terrivelmente comprometedor que o editor do blog ignora? Pois então diga logo, madame. Na verdade, você não vai dizer é nada, nem contra mim nem a seu favor. Não vai dizer, porque não tem nada a dizer. Já está suja pela parceria com esse assassino monstruoso, sujou-se mais ainda por fugir da pergunta e, ao defender-se por trás de alusões difamatórias a um terceiro, completou a porcaria. O valente Gabriel Castro encerra o relato do episódio com uma conclusão incontornável: “Quando um entrevistado foge e não responde a uma pergunta, sem querer ele diz muito mais do que se houvesse respondido.”

Derrota completa

Os soldados do Exército voltando aos quartéis, sob uma chuva de cusparadas da mídia, após uma frustrada incursão nos morros cariocas, são a imagem da derrocada aparentemente irremediável das nossas Forças Armadas. Desde o tempo em que optaram por responder às sucessivas ondas de calúnias com tímidas notinhas oficiais em vez dos processos judiciais devidos e moralmente obrigatórios, os comandantes das três armas mostraram sua disposição de sacrificar a dignidade das suas corporações no altar de uma simulação gramsciana de democracia e ordem. Depois passaram da omissão ao masoquismo explícito, condecorando os detratores das Forças Armadas, mostrando reverência indevida a um governo cúmplice das Farc e submetendo-se alegremente à ordem de transformar soldados em cavouqueiros a serviço do MST. Negando contra toda evidência o alcance militar e estratégico do narcotráfico no continente, deixaram crescer impunemente o inimigo, enquanto se vangloriavam de não se rebaixar a “funções policiais”. Fugindo à luta maior, à luta para salvar o país da trama continental urdida pela aliança macabra de comunistas e traficantes, agora só lhes resta tentar mostrar serviço saindo à cata de bandidinhos avulsos e provando que já não estão capacitadas nem para isso.

Mas, se nossas tropas têm capacidade para sufocar a bandidagem no Haiti, por que mostram um desempenho tão chinfrim no Rio de Janeiro? É simples: no Haiti não havia mídia hostil, não havia ONGs e políticos maliciando tudo, não havia a pressão de uma elite cheia de ódio e despeito à classe militar. Tiros e bombas não assustam o soldado brasileiro. O que o amedronta é o olhar perverso do beautiful people , a malícia difusa dos falsos moralistas, a língua pérfida dos maiores fofoqueiros do universo. É a esses que as nossas Forças Armadas, tão valorosas sob outros aspectos, foram cedendo tudo. Caluniadas, aviltadas, achincalhadas, sabotadas por todos os meios imagináveis, não souberam reagir com eficácia enquanto era tempo, e agora têm de inventar às pressas algum pretexto edificante para justificar sua transformação em tropa auxiliar do Foro de São Paulo. Quanto falta para isso? Depois que nossos soldados foram submetidos à tarefa humilhante de montar estandes para o Fórum Social Mundial, falta realmente muito pouco.

Nada disso teria acontecido se ao menos uma parte da alta oficialidade não se tivesse deixado induzir por pseudo-intelectuais fardados e civis a acreditar que, com a queda da URSS, a luta ideológica era coisa do passado e daí por diante o conflito Leste-Oeste tinha cedido lugar à concorrência Norte-Sul, ou países ricos contra países pobres. Engolindo essa estupidez infame, não percebiam – ou fingiam não perceber — que se tornavam intrumentos ao menos passivos da estratégia comunista internacional no instante mesmo em que proclamavam a morte do comunismo.

Bem sei que a maioria absoluta dos militares não quer nada disso. Já escrevi, e repito, que só na classe dos homens de armas encontrei no Brasil um genuíno patriotismo, um sentimento profundo da continuidade histórica do país como um legado de heroísmo e de sacrifícios. Sei que eles continuam fiéis ao seu primeiro amor. Mas o que pode haver de mais perturbador que o conflito de lealdades? Ser um militar brasileiro, hoje, é ter o coração dilacerado entre a obediência formal a um regulamento e o apego aos valores que o originaram. Normalmente, as leis são a expressão dos valores. Mas, quando estes são subvertidos por baixo da carapaça legal enquanto esta permanece intacta, aí se instaura a luta entre a forma e o conteúdo. Criar e explorar esse antagonismo, levando o país à confusão, ao cansaço, ao desespero e por fim à rendição, eis a obra da “revolução cultural” gramsciana. Ela não tem preferência pela farda do soldado, pela toga do magistrado, pelo terno do executivo ou pelo macacão do operário: ela divide e enfraquece todas as almas. Por sobre a derrota de todos, só o Partido se forlalece. E quando digo “partido”, não me refiro ao PT, mas ao complexo de partidos de esquerda bem articulados, por trás de suas divergências de superfície, na estratégia continental da subversão e do roubo. Se o sr. Luís Inácio da Silva, para assumir a presidência do país, abandonou a do Foro de São Paulo, isso é apenas uma formalidade administrativa sem alcance político nenhum. Depois que esse indivíduo confessou tomar decisões estratégicas em encontros secretos com ditadores estrangeiros, sem dar ciência delas ao Congresso ou à população, só mentalidades covardes demais para admitir a realidade podem continuar negando que o Brasil é governado desde o Foro de São Paulo, que Hugo Chávez e Fidel Castro mandam aqui dentro mais que qualquer ministro de Estado ou comandante militar. O país sabe que está de quatro, mas continua fazendo de conta que sua humilhação é motivo de orgulho. Decididamente, está havendo alguma confusão entre orgulho nacional e orgulho gay .

Ainda há tempo para salvar a dignidade das Forças Armadas? Há, mas encurta velozmente. Se querem uma fórmula, a lição 1 é simples: que os militares parem de acariciar os inimigos que os bajulam com doces palavras e aprendam a ouvir os amigos que os desagradam com verdades duras. A verdade é boa em si. Não tem por que tentar ser agradável. Quem prefere antes agrado do que sinceridade, é porque já está fraco demais para admitir a gravidade da sua própria situação. Homens de valor não pedem agrado. Pedem o conhecimento necessário para tomar decisões viris. Se é isso o que querem, contem comigo. Se querem agradinho, que vão pedir aos seus falsos amigos interesseiros.

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