Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 4 de dezembro de 2008
O Estadão e o UOL são alguns dos órgãos de mídia brasileiros que caíram no engodo talvez voluntário de noticiar, com mal disfarçada satisfação, o processo movido contra o vice-presidente americano Dick Cheney pelo promotor do condado de Willacy, Texas, Juan Angel Guerra. O promotor acusava Cheney de “crime organizado” associado ao mau tratamento de prisioneiros em penitenciárias federais. Para os odiadores de Dick Cheney, que incluem praticamente a totalidade da classe jornalística de uns vinte países, mais a galeria inteira das figuras do show business e do ativismo acadêmico, era uma oportunidade de ouro.
Logo que essa onda começou, avisei, pelo meu programa “True Outspeak”, que era tudo uma farsa boboca. Juan Angel Guerra, já nos últimos dias do seu mandato de promotor após uma derrota eleitoral acachapante, é famoso no Texas por ter cumprido pena duas vezes por crime de roubo – sim, isso mesmo, roubo. Desde que esmurrou a mesa de um juiz e se dirigiu ao magistrado aos berros, passaram a achar que ele não estava bom da cabeça. A suspeita foi integralmente confirmada quando ele moveu cinco processos nos quais era ele mesmo a vítima, a testemunha e o promotor.
File ao seu estilo pitoresco, Guerra deu ao inquérito anti-Cheney o título de “Operação Golias”, atribuindo nomes bíblicos a cada um dos personagens citados. O dele próprio, quem diria?, era “Davi”. Adivinhem quem era Golias.
Normalmente a mídia pensaria duas vezes antes de dar espaço à ação judicial aberta por um personagem tão extravagante, mas, sabem como é, contra Dick Cheney vale tudo. O problema maior, que nenhum jornal ou noticiário de TV pareceu notar, era o seguinte: a única ligação que o promotor conseguiu encontrar entre o acusado e o sistema penitenciário federal foi que o vice-presidente tinha ações de uma companhia que por sua vez possuía ações de outra companhia que administrava algumas prisões. Era como processar um quaquer dentre milhares de acionistas de uma indústria farmacêutica porque alguém morreu de overdose de analgésicos.
Como sempre, meus colegas de mídia ignoraram minhas advertências, preferindo seguir suas próprias luzes.
Pois bem, no último dia 2 de dezembro o juiz do condado, Manual Banales, não só rejeitou o processo mas advertiu ao promotor que pare com essas bobagens e se comporte melhor nesse seu finzinho de mandato antes de arrumar alguma encrenca séria. Li a notícia no San Francisco Chronicle. Não saiu uma só linha a respeito na mídia nacional.
Em compensação, a enxurrada de processos contra Barack Hussein Obama, um caso mortalmente sério baseado em provas sólidas (tão sólidas que até agora o réu só tem escapado delas pela via de formalismos processuais), vem sendo tratada pelos jornalistas brasileiros com o mesmo desprezo postiço, forçado, fingidamente blasé, com que ainda ontem recusavam averiguar o Foro de São Paulo, proclamando-o a priori inexistente ou irrelevante e ainda por cima me acusando – a mim, porca miséria! – de ser um dogmático cheio de certezas, tão diferente deles, cultores da dúvida metódica e da investigação objetiva…
Esse pessoal não aprende com a experiência. Cegamente confiante na autoridade da campanha obamista, que chamou os processos de “palhaçadas”, a mídia nacional optou por ignorar que a Suprema Côrte dos EUA, decerto um bando de desocupados em comparação com os atarefadíssimos jornalistas brasileiros, levou as queixas a sério o bastante para dedicar o dia 5 deste mês a uma sessão secreta convocada para averiguá-las.
No caso do Foro de São Paulo, o tempo encarregou-se de mostrar quem era o investigador e quem eram os palhaços inflados de certezas. Mostrará novamente.