Posts Tagged Diário do Comércio

Bobinha

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 1 de dezembro de 2013

Na Carta Maior desta semana, uma professora de ciências políticas da Universidade Federal de Pelotas, Luciana Ballestrin, adverte que enxergar alguma hegemonia comunista nas instituições superiores de ensino é “paranóia” e insinua que, ao contrário, o verdadeiro perigo que se esboça no horizonte nacional é o do fascismo.

            A prova que ela oferece desse deslumbrante diagnóstico é que três pessoas reclamaram contra o comunismo universitário. Firmemente disposta a dizer qualquer coisa contra essas três minguadas vozes, ela as acusa, ao mesmo tempo, de provir de “um gueto” e de obter “grande repercussão na mídia”.

            É notório que, entre os estudantes universitários brasileiros, quatro em cada dez são analfabetos funcionais. Temo que entre os professores da área de humanas essa proporção seja de nove para dez. A profa. Ballestrin é mais um exemplo para a minha coleção. Ela fracassa tão miseravelmente em compreender o significado das palavras que emprega, que no seu caso o adjetivo “funcional” é quase um eufemismo.

            Desde logo, se os direitistas vivem num “gueto”, quem os colocou lá? Enclausuraram-se por vontade própria ou foram expelidos da mídia, das cátedras e de todos os ambientes de cultura superior pela política avassaladora de “ocupação de espaços” que a esquerda aí pratica desde há mais de meio século? Um gueto, por definição, não é um hotel onde a minoria se hospede voluntariamente para desfrutar os prazeres de uma vida sombria, fechada e opressiva, sem perspectivas de participação na sociedade maior. É uma criação da maioria dominante, um instrumento de exclusão usado para neutralizar ou eliminar as presenças inconvenientes. A maior prova de que o esquerdismo domina o espaço é que a direita vive num gueto. Ao acusá-la precisamente disso, essa porta-voz do esquerdismo oficial só dá testemunho contra si própria.

          Com igual destreza ela maneja a segunda acusação: a de que as três vozes obtiveram “grande repercussão na mídia”. Que grande repercussão? Alguma delas foi manchete de um jornal, foi alardeada no horário nobre da Globo, deu ocasião a uma série infindável de reportagens, congressos de intelectuais e debates no Parlamento como acontece com qualquer denúncia de “crimes da ditadura” ocorridos cinqüenta anos atrás? Nada disso. Foram apenas noticiadas aqui e ali, discretamente, num tom de desprezo e chacota. Mas, para a profa. Ballestrin, mesmo isso já é excessivo. Ela nem percebe que, ao protestar que três direitistas saíram do gueto, ela os está mandando de volta para lá.

            Mas onde ela capricha ao máximo em não entender nada é ao enxergar uma “paranóia” em três denúncias isoladas, só notáveis pela raridade, e nenhuma nos gritos de alarma contra a “ameaça fascista” que pululam aos milhares, com estridência obscena, em publicações e salas de aula por todo o país. Na própria Carta Maior o toque de alerta antifascista ressoa diariamente. Qualquer observador isento nota a desproporção entre a iminência objetiva desses dois perigos e a intensidade do temor real ou fingido que despertam. Apontar o avanço comunista é apenas registrar as vitórias que centenas de organizações comunistas alardeiam e celebram nas assembléias do Foro de São Paulo (prontas, decerto, a negá-las em público quando lhes convém). Mas e o fascismo? Onde estão as organizações que o representam, os partidos que buscam elevá-lo ao poder, as verbas bilionárias que o sustentam, a militância adestrada para impô-lo a um povo inerme, os milhares de livros que infectam com o vírus fascista as prateleiras das livrarias e as bibliotecas das universidades? Nada disso existe. Nada, absolutamente nada. Tanto não existe, que, para fingir que existe, é preciso até mesmo chamar de fascistas as massas de agitadores comunistas pagos pelo governo para espalhar o terror nas ruas e forçar a transição para o socialismo explícito e descarado.

            A inversão das proporções é, decerto, um dos traços mais típicos e constantes da mentalidade revolucionária, mas nem todos a ostentam com a cândida desenvoltura dessa mulherzinha boba.

         Saber qual orientação ideológica predomina em determinado ambiente social não deveria ser muito difícil para uma “cientista política”, especialmente quando esse ambiente é o dela própria – o seu departamento universitário. Ela poderia perguntar, por exemplo, quantos de seus colegas votam na esquerda, quantos na direita. Ou poderia, com um pouco mais de esforço, averiguar a linha ideológica majoritária dos autores cuja leitura eles recomendam a seus alunos. Poderia até, se quisesse, fazer inspeção semelhante em outros departamentos de ciências humanas pelo Brasil a fora, para verificar se as várias correntes de pensamento estão aí representadas equitativamente ou se uma delas predomina até o ponto do monopolismo absoluto.

         Tudo isso, no entanto, para a profa. Ballestrin, é esforço excessivo, cruel e desumano. Tudo o que se pode exigir dela é que raciocine pelo método histérico da auto-impregnação auditiva. Eis como funciona. Nos seus anos de estudante, você faz um esforço danado para macaquear o discurso dos seus professores. Ouve, presta atenção e imita cada

de linguagem, cada cacoete, cada chavão. Quando por fim consegue falar como eles, você ouve o que você próprio diz e, orgulhoso de tamanha realização, acredita que é tudo verdade. Então está maduro para lecionar e para escrever artigos na Carta Maior.

A educação grega e nós

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 25 de novembro de 2013

          

A educação na Grécia antiga, cujo sucesso inegável é amplamente comprovado pela criatividade em todos os campos do saber e da arte, voltava-se, acima de tudo, à preparação dos jovens para os altos postos da vida pública: a política, a magistratura e a educação mesma. Se não é, portanto, uma fórmula que se possa copiar na instrução das massas em geral, e se nos dias de hoje seria utópico tentar imitá-la até mesmo para a formação da classe dominante, dos políticos, dirigentes de empresas, comandantes militares, bispos e cardeais, ela continua, no entanto, um modelo excelente para a educação da elite intelectual.
Não pretendo que seja possível ou mesmo desejável montar uma escola, muito menos um sistema nacional de educação, segundo o formato grego. Não é nesse sentido que uso a palavra “modelo”. Uso-a para designar apenas uma unidade de comparação e de medida que possa servir para a orientação pessoal, seja de alguns educadores, seja de pais de família interessados em homeschooling, seja de estudantes devotados a educar-se ou reeducar-se a si mesmos. Alguns dos meus alunos já têm clara consciência disso e vêm tirando proveito do exemplo grego, tanto para si mesmos quanto para seus filhos e, quando são professores, para seus alunos (v., por exemplo, http://radiovox.org/2013/10/24/carlos-nadalim-encontrando-alegria/).
Atendida essa limitação, a primeira coisa que deve nos chamar a atenção é a prioridade absoluta que, na educação infantil, se dava ao treinamento literário e artístico. Após a instrução moral básica dada pela educação doméstica, praticamente só o que se ensinava às crianças, tão logo elas estivessem alfabetizadas, era ler e decorar as obras dos grandes poetas, participar de encenações teatrais, cantar, dançar e fazer ginástica. Isso era tudo. O resto cada um aprendia por si ou com professores particulares.
Eis como Platão descreve esse processo:
“Quando os alunos aprendem a ler e começam a compreender o que está escrito, tal como faziam antes com os sons, dão-lhes a ler em seus banquinhos as obras de bons poetas [épicos], que eles são obrigados a decorar; obras cheias de preceitos morais, com muitas narrativas de louvor e glória dos homens ilustres do passado, para que o menino venha a imitá-los por emulação e se esforce por parecer-se com eles… Depois de haverem aprendido a tocar cítara, fazem-nos estudar as criações de outros grandes poetas, os líricos, a que dão acompanhamento de lira, trabalhando, desse modo, para que a alma dos meninos se aproprie dos ritmos e da harmonia, a fim de que fiquem mais brandos e, porque mais ritmados e harmônicos, se tornem igualmente aptos tanto para a palavra quanto para a ação. Pois, em todo o seu decurso, a vida do homem necessita de cadência e harmonia. Em seguida, os pais entregam-nos ao professor de ginástica, para que fiquem com o corpo em melhores condições de servir ao espírito virtuoso, sem virem a ser forçados, por fraqueza de constituição, a revelar covardia, tanto na guerra quanto em situações semelhantes.” (Protágoras, 325 d7 ss. Tradução de Carlos Alberto Nunes ligeiramente modificada.)Em seu livro densamente documentado, Arts Libéraux et Philosophie dans la Pensée Antique (Paris, Vrin, 2005), a erudita germano-francesa Ilsetraut Hadot acrescenta: “Os jovens de famílias prósperas recebiam também, desta vez gratuitamente, uma educação complementar tomando parte num côro trágico ou lírico, por ocasião das festas cultuais locais. Essas demonstrações eram, com freqüência, primeiras representações de uma peça de teatro ou de uma poesia lírica de autor contemporâneo; eram portanto a ocasião, para os jovens, de ser colocados em contato com todas as novas criações literárias do seu tempo e de aprendê-las de cor. Esta espécie de educação era tão importante, que Platão, nas Leis (II, 654 a-b), se vê levado a identificar o homem culto (pepaidymênos) com aquele que participou de um côro com freqüência suficiente (ikanos kekoreykôta) e, ao contrário, o homem sem cultura com aquele que jamais fez parte de um côro (akôreytos).”
Não há exagero em dizer que os jovens gregos, muito antes de entrar na vida pública, já tinham uma cultura literária superior à da média dos nossos atuais professores de Letras.
A preparação para a cidadania só começava depois de encerrada a etapa da educação escolar:
“Quando saem da escola, a cidade, por sua vez, os obriga a aprender leis e a tomá-las como paradigma de conduta, para que não se deixem levar pela fantasia e praticar alguma malfeitoria.”
Isso já era assim desde antes do advento dos sofistas, professores ambulantes que iam de cidade em cidade ensinando a arte da oratória e dos debates públicos. Os sofistas introduziram essas matérias na educação de alunos que já vinham não só com uma boa base literária e artística, mas com algum conhecimento das leis e princípios que regiam a vida social, conhecimento do qual a sofística era apenas um complemento técnico mais avançado. Prossigo esta explicação e tiro algumas conclusões dela no próximo artigo.

Lógica da histeria

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 18 de novembro de 2013

          

Sendo impossível o socialismo perfeito, suas sucessivas encarnações imperfeitas serão sempre e necessariamente consideradas “direitistas” em comparação com suas versões ideais futuras, de modo que a culpa de seus crimes e misérias terá de ser imputada automaticamente à direita, ao capitalismo, aos malditos liberais e conservadores. Do fundo do Gulag, do cemitério ou do exílio, estes serão sempre os autores do mal que os comunistas fizeram.
Isso é um dos preceitos mais essenciais e constantes da lógica revolucionária. Ele corresponde, na prática, ao direito ilimitado de delinqüir, de roubar, de matar e de produzir toda sorte de horrores e misérias, com a garantia não só da impunidade mas de uma consciência eternamente limpa, tanto mais pronta a levantar o dedo acusador quanto maiores são as culpas objetivas que carrega.
É impossível não perceber a identidade cabal entre esse vício estrutural de pensamento e o traço mais característico da mentalidade psicopática, que é a ausência de culpa ou arrependimento, o cinismo perfeito de quem se sente uma vítima inocente no instante mesmo em que se esmera na violência, na mentira e na crueldade.
Os psicopatas não são doentes mentais nem pessoas incapacitadas. São homens inteligentes e astutos sem consciência moral. São criminosos por vocação. Os únicos sentimentos morais que têm são o culto da própria grandeza e a autopiedade: as duas formas, ativa e passiva, do amor-próprio levado às suas últimas conseqüências.
Eles não têm sentimentos morais, mas sabem percebê-los e produzi-los nos outros, sobre os quais adquirem assim o poder de um super-ego dominador e manipulador que neutraliza as funções normais da consciência individual e as substitui por cacoetes de percepção, coletivos e uniformes, favoráveis aos objetivos da política psicopática.
Só por isso não se pode dizer que todos os líderes e intelectuais comunistas sejam psicopatas. Como observou o psiquiatra Andrew Lobaczewski no seu estudo da elite comunista polonesa, um pequeno grupo de psicopatas basta para atrair um vasto círculo de colaboradores e militantes e instilar neles todos os sintomas de uma falsificação histérica da percepção. O histérico não crê naquilo que vê, mas naquilo que diz e repete. Sua experiência direta da realidade é substituída por uma padronização compulsiva que enxerga sempre as coisas pelos mesmos ângulos e não consegue nem imaginar que possam ser vistas de outro modo: a mera tentação de fazê-lo, mesmo por instantes, é reprimida automaticamente ou repelida com horror.
Só um pequeno círculo no topo do movimento comunista compõe-se de psicopatas autênticos. A maioria, do segundo escalão para baixo, é de histéricos. Erik von Kuenhelt-Leddihin documentou extensamente o papel da histeria na militância esquerdista em geral, mas Lobaczewski descobriu que essa histeria não é “causa sui”: é produto da influência penetrante e quase irresistível que os psicopatas exercem sobre as mentes fracas, trocando a sua percepção natural do mundo e de si mesmas por uma “segunda realidade” — para usar o termo de Robert Musil – da qual só podem emergir por um salto intuitivo atemorizador e humilhante que lhes custará, ademais, a perda dos laços de solidariedade grupal, base da sua precária subsistência psicológica.
Lançar as próprias culpas sobre os outros é, no psicopata, um instinto inato e uma das bases do seu poder pessoal. No histérico, é um hábito adquirido, um reflexo defensivo e um instrumento de integração na comunidade protetora.  Nos psicopatas, é uma força. Nos histéricos, um sinal de fraqueza. Não espanta que os primeiros façam uso dele com astúcia e comedimento, os segundos com total destempero, levando a invencionice até o último limite do ridículo e da alucinação.
Mas o dr. Lobaczewski vai um pouco mais fundo na análise do fenômeno. Quando a militância orientada pelos psicopatas sobe à condição de poder político e cultural hegemônico, a deformação histérica torna-se o modo dominante de pensar e se alastra por toda a sociedade, infectando até grupos e indivíduos alheios ou hostis ao movimento revolucionário.
Daí a contaminação da linguagem de comentaristas “de direita” pela mágica histérica de tentar inverter as proporções da realidade mediante a simples inversão das palavras.  Quando proclamam que Lula ou Dilma são “de direita”, os srs. José Nêumanne Pinto e Demétrio Magnoli, homens insuspeitos de colaboração consciente com o “establishment” esquerdista, só provam que foram vítimas inconscientes dessa contaminação. Por definição, todo governo “de transição” para o socialismo é menos socialista, portanto mais direitista, do que o seu sucessor esperado, assim como todo socialismo real é menos socialista e mais “direitista” do que qualquer socialismo ideal. Ver nisso a prova de um direitismo substantivo, transmutando uma diferença de grau numa identidade de essências é um erro lógico tão grosseiro que só faz sentido como mentira psicopática ou macaqueação histérica. O psicopata vive de criar impressões, o histérico de absorvê-las, imitá-las e propagá-las. Os srs. Nêumanne e Magnoli querem dar a impressão de que o petismo é mau. Para isso, absorvem, imitam e propagam o estereótipo verbal criado por psicopatas comunistas para salvar automaticamente a reputação da esquerda após cada novo fiasco, de modo que ela possa repeti-lo de novo e de novo.  Combatem o petismo de hoje fomentando o petismo de amanhã.

Veja todos os arquivos por ano