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Puro teatro, nada mais

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2006

Quarta-feira, dia 15, a Folha de S. Paulo publicou uma entrevista minha, apresentando-me como o “decano”, entre merecidíssimas aspas, de uma nova corrente política de direita que estaria surgindo no país, e convocando, naturalmente, meia dúzia de tagarelas de esquerda para sondar as causas de tão alarmante fenômeno.

O fato mesmo de que ele tenha de ser explicado mostra o quanto parece anormal e surpreendente no Brasil de hoje.

Sou testemunha direta e pessoal da estranheza, mista de terror pânico, que a simples hipótese de alguma resistência, mesmo isolada, mínima e solitária, suscitava entre os esquerdistas uns anos atrás. Lembro-me perfeitamente bem da brutalidade mental psicótica com que reagiram ao meu ingresso em cena, reunindo-se instantaneamente em esquadrões de emergência para repelir o intruso. Os métodos usados revelavam a gravidade apocalíptica que enxergavam no episódio: xingar histericamente o recém-chegado, fingindo ao mesmo tempo superior desprezo olímpico; criminalizá-lo, atribuindo-lhe toda sorte de ligações sombrias com pessoas e entidades que ele ignorava por completo; acusá-lo alternadamente de ser um agente bem pago de potentados internacionais e um pé-rapado a quem ninguém jamais pagaria coisa alguma; suprimir toda menção aos seus livros e aulas de filosofia, para dar a impressão de que se tratava de um mero polemista de mídia; espalhar toda sorte de invencionices contra ele nas salas de aula, longe da possibilidade de uma resposta; por fim, mobilizar estudantes fanatizados para que o agredissem e matassem, e ao mesmo tempo chamá-lo de “raivoso”, como se numa competição de hidrofobia eu fosse páreo para terroristas e assassinos.

Tais foram os procedimentos de critica literária usados para o meu livro O Imbecil Coletivo .

Tudo isso revela até que ponto o esquerdismo era e é ainda o estado normal e obrigatório em toda a mídia, em todo o movimento editorial, devendo qualquer exceção ser denunciada como ameaça à ordem pública ou sintoma de desarranjo mental. À imagem e semelhança do que as placas nos botequins nos advertem quanto à condição de corintiano, o ser humano nasce, cresce, vive e morre esquerdista. Quando ele se recusa a fazer isso e já não se pode dar um sumiço no desgraçado, então é preciso chamar uma junta médica para diagnosticá-lo.

Dada a situação premente, alguns dos diagnósticos assumem a forma de uma busca de culpados pelo advento de semelhante descalabro.

Culpados não são difíceis de encontrar. O ambiente doméstico da esquerda tem hoje uma superpopulação de sacos de pancada. Se não fosse o “tombo ético” (sic) da administração petista, conjetura o jornal, parece que Olavo de Carvalho e quejandos jamais emergiriam das trevas do anonimato onde jaziam soterrados por um decreto da justiça cósmica.

Da minha parte, jamais vi “tombo ético” algum. Originado da promiscuidade entre o movimento sindical e a pseudo-intelectualidade uspiana, o PT é filho de um vigarista com uma prostituta. Nasceu ladrão e só evoluiu nos métodos. Exemplo da conduta de seu pai é a confissão da CUT, já em 1993, de que tinha oitocentos jornalistas na sua folha de pagamentos – uma compra de consciências por atacado que só encontra paralelo, talvez, no orçamento da KGB. Quanto à mamãe, tem vivido da impostura intelectual e do corporativismo mafioso da esquerda pelo menos desde os anos 50.

As denúncias de corrupção grossa no PT já datam de 1990. O único resultado que produziram foi a expulsão do denunciante. Atribuir a roubalheira atual a um “tombo” é um truque de linguagem usado pelos gerenciadores de danos para limpar o passado na imagem de um presente que já não se pode salvar. Sabem que no momento perderam toda credibilidade, mas querem guardar para o futuro os dividendos de uma lenda de santidade laboriosamente construída com a ajuda dos oitocentos empregadinhos da CUT.

O expediente serve também para cada um tirar o corpo fora da responsabilidade pela criação do monstro vexaminoso que é o PT no poder. Não havia nessa droga de partido um só militante ou simpatizante medianamente alfabetizado que, em 2002, ignorasse as denúncias de Paulo de Tarso Venceslau ou do irmão do prefeito Celso Daniel, nem os esforços da cúpula partidária para abafar ambos esses escândalos, esforços que, no segundo desses casos, vieram a ocorrer — por coincidência, por pura coincidência, é claro – junto com o assassinato de seis testemunhas do processo. Se todos se recusaram a ver aí qualquer sinal de bandidagem no partido; se não só continuaram a confiar nele mas redobraram a aposta na sua idoneidade, ao ponto de fazer da eleição de Lula um acontecimento comparável ao Segundo Advento, por que foi? Só pode ter sido por uma destas duas razões: ou apegaram-se tão fanaticamente ao mito da santidade petista que mesmo fatos visíveis com os olhos da cara não podiam abalar sua fé; ou, ao contrário, sentiam perfeitamente o mau cheiro mas preferiram tampar o nariz para não perder a oportunidade de ter amigos e correligionários no poder, por mais fedidos que fossem. Na primeira hipótese, mostraram-se obstinados na credulidade até o limite da estupidez criminosa. Na segunda, provaram ser tão maldosos e vigaristas quanto qualquer José Dirceu. Em ambos os casos, desqualificaram-se completamente para qualquer ofício intelectual que se preze.

Duvido que, no fundo, muito no fundo, cada um deles não saiba disso perfeitamente bem e, ao contemplar-se solitário no espelho, não se veja com orelhas de burro ou feições de criminoso.

Como atenuar semelhante desconforto? Apelando, é claro, ao mesmo recurso de sempre: fingimento, pose, histrionismo. O intelectual ativista do Terceiro Mundo é, por tradição, um ator, um palhaço, um tipo caricato que, no esforço de ocultar seu próprio ridículo, se torna patético. É alguém que se alimenta da mentira e do auto-engano em doses que, para o cidadão comum, seriam letais.

Para camuflar ao mesmo tempo sua própria desmoralização e, de modo geral, a debacle irreversível do pensamento de esquerda no mundo, os diagnosticadores do neodireitismo empinam o narizinho, levantam professoralmente o dedo indicador, e, ante um público que presumem ignorar tudo, imitam seus próprios trejeitos de superioridade acadêmica de outras épocas, tentando mostrar que ainda são os donos do pedaço, os juízes supremos de toda aspiração intelectual possível, imbuídos da autoridade de barrar na porta os pretendentes novatos.

É claro que essa superioridade, mesmo em tempos passados, já era pura propaganda enganosa. O boicote geral a um Gustavo Corção ou a um Gilberto Freyre, o silêncio obsceno em torno da obra de um João Camilo de Oliveira Torres, já provavam que não havia ninguém na esquerda com cacife para discutir com qualquer dos três.

Mas, não podendo arrogar-se ostensivamente uma qualidade que já sabem duvidosa, limitam-se a dá-la como pressuposto implícito, na esperança de que seja aceita por distração. E, fazendo-se de juízes justos que só medem o similar pelo similar, tratam de ostentar desprezo à “nova direita” por meio de comparação com a “velha”, proclamando que já não há na praça nenhum Mário Henrique Simonsen, nenhum Roberto Campos, nenhum José Guilherme Merquior.

O grotesco da performance não tem limites. Desde logo, se esses três são até hoje os modelos de intelectuais conservadores mais citados pela esquerda, é graças apenas à afinidade que têm com ela, os dois primeiros por serem economistas e argumentarem numa clave bastante acessível ao cérebro esquerdista médio, o terceiro por ter raízes no esquerdismo acadêmico e jamais tê-las cortado para valer, ao ponto de só ter trocado o seu marxismo cultural de juventude por um ateísmo burguês de molde iluminista bem típico, inteiramente compreensível à mentalidade de seus adversários. O esquerdismo é uma cultura tribal, um círculo etnológico fechado que, no universo em torno, só reconhece o que lhe é semelhante. Mesmo o antagonismo já tem de vir catalogado, senão é tido por inexistente. Ninguém da tribo se aventurou jamais, por exemplo, a uma discussão com Miguel Reale, espírito incalculavelmente superior aos três citados, porque isso obrigaria a leituras que escapavam, de longe, à esfera de percepções habituais da esquerda na época. Muito menos havia na taba quem pudesse entender, mesmo por alto, a obra de um Vicente Ferreira da Silva, de um Vilém Flusser, de um João Camilo, de um Paulo Mercadante. Nem menciono Mário Ferreira dos Santos, tão grande que escapa não apenas à visão, mas à imaginação esquerdista. Não que o desconhecessem. Conheciam-no perfeitamente, e passaram por tantas humilhações na presença dele que por fim o excluíram do seu horizonte de consciência, como se faz com um trauma que não se consegue superar. Amputados os andares superiores, a cultura conservadora recortada à escala do QI esquerdista compõe-se de dois economistas e um crítico literário – muito bons os três, cada um no seu domínio, mas nenhum necessário, em termos absolutos, à formação de um pensamento conservador intelectualmente relevante.

Ao escolher essa régua para medir a “nova direita”, os saberetas consultados pela Folha mediram-se tão somente a si mesmos.

No mais, o fenômeno conservador que assinalam, abstraída a minha obra pessoal da qual não se aventuram a dizer um “a”, pois não são bobos de dar a cara a tapa, se limita até agora à crítica jornalística, o que torna ainda mais extemporâneo o julgamento que fazem. Esse neoconservadorismo, ainda no berço, não tem sequer expressão política, quanto mais uma produção bibliográfica que pudesse ser confrontada com as de Merquior, Simonsen e Campos, acumuladas ao longo de décadas de trabalho. As próprias condições adversas em que surgiu, incomparáveis com o conforto e a segurança de que desfrutaram esses três, tornam o paralelo esboçado na Folha apenas um exercício de cinismo e impropriedade, bem ao feitio de quem, não tendo a menor idéia de onde está, quer dar a impressão de que está por cima.

Mas não imaginem que empreendimentos diagnósticos dessa natureza sejam exclusividade brasileira. Nos EUA pululam hoje em dia estudos sobre a “direita religiosa”, procurando caracterizá-la como um fenômeno inédito, estranhíssimo e necessitado de explicação científica, como se os primeiros Founding Fathers já não fossem conservadores religiosos, como se a América não tivesse sido sempre o país mais cristão e pró-capitalista do universo, como se tivesse sido desde a origem uma nação de socialistas ateus que, de repente, com susto enorme, vissem descer do Mayflower o primeiro pregador protestante.

Esquerdismo é teatro, nada mais.

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Vocês não conseguem imaginar como, vista dos EUA, a mídia brasileira é boba em tudo o que noticia da política americana. O pessoal aí continua fazendo barulho em torno da “invasão de privacidade”, que é como chamam as gravações de telefonemas de terroristas, enquanto aqui o Partido Democrata e o Republicano já entraram num acordo de nem investigar mais o assunto.

Cabeça de político americano é absolutamente impenetrável ao olhar rombudo dos nossos jornalistas. No Brasil, quando alguém lança uma campanha de mídia contra um governante, é porque pretende criar uma CPI contra ele, meter-lhe um processo, submetê-lo a impeachment , acabar com a raça do desgraçado. Nos EUA, fazer onda na mídia significa exatamente que não se pode fazer nada disso contra o sujeito. Quando se tem alguma coisa de substantivo para fazer, faz-se logo de cara. O barulho nos jornais vem depois. Quando são estes últimos que começam a encrenca, geralmente ela pára por aí. No caso De Lay, ninguém anunciou nada contra ele. O infeliz acordou com um processo nas costas. Se não houvesse meio de dar um jeito nele, lançariam uma chuva de calúnias no Washington Post . A mídia chique americana é o instrumento por excelência do blefe político. A rigor, só serve para isso. Para obter informação, você tem de ir direto aos aos think tanks dos partidos e suas respectivas publicações impressas e eletrônicas, que são muitas.

Qualquer correspondente estrangeiro tem a obrigação de saber disso, mas, se o bicho é brasileiro, todo o trabalho dele consiste em acordar do porre às duas horas da tarde e copiar o New York Times , que, cá entre nós, só serve para embrulhar peixe (experimentem só dar uma espiada no site http://www.timeswatch.org ). Foi por esse método que toda a nossa mídia celebrou antecipadamente a vitória de John Kerry nas últimas eleições.

Se alguém ainda lê os jornalões brasileiros, é por saudosismo. Lêem como num ritual espírita, à espera de que ali baixem o dr. Júlio Mesquita ou o dr. Roberto Marinho.

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Meu amigo Caio Rossi chama-me a atenção para um artigo importantíssimo de Amir Taheri no New York Post (jornalzinho bom) de 12 de fevereiro. Sob o título “Hijacking Islam” (“Raptando o Islam”), confirma plenamente o que eu disse nas minhas conferências no Centro Israelita Brasileiro e no Clube “A Hebraica”: o neo-radicalismo islâmico não é “fundamentalista” coisa nenhuma, é uma espécie de “teologia da libertação” islâmica, uma criação de marxistas safados que decidiram fazer de trouxa a multidão dos crentes, o que aliás não é difícil: os árabes são só oito por cento do mundo islâmico, o restante só sabe o Corão por decoreba e acredita em tudo o que algum palpiteiro bem falante diz que está no livro. Não consegui ter acesso ao artigo na página do jornal, mas encontrei-o reproduzido no site http://www.benadorassociates .com/article/19322 . Não deixem de ler.

A tragédia do estudante sério no Brasil

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 12 de fevereiro de 2006

Toda semana, recebo dezenas de cartas de estudantes que, em busca de alguma formação intelectual, encontraram nas universidades que freqüentam apenas propaganda comunista rasteira, porca, subginasiana.

Não são, como em geral imaginam, vítimas de puras circunstâncias políticas imediatas. Gemem sob uma montanha de fatores adversos à inteligência humana, que foram se acumulando no mundo, e não só no Brasil, ao longo das últimas décadas. Se a primeira metade do século XX trouxe um florescimento intelectual incomum, a segunda foi uma devastação geral como raramente se viu na História. A queda foi tão profunda que já não se pode medi-la. Num panorama inteiramente dominado por charlatães caricatos como Noam Chomsky, Richard Dawkins, Edward Said, Jacques Derrida, Julia Kristeva, a época em que floresceram quase que simultaneamente Edmund Husserl, Karl Jaspers, Louis Lavelle, Alfred North Whitehead, Benedetto Croce, Jan Huizinga, Arnold Toynbee – e na literatura T. S. Eliot, W. B. Yeats, Ezra Pound, Thomas Mann, Franz Kafka, Jacob Wassermann, Robert Musil, Hermann Broch, Heimito von Doderer – já se tornou invisível, inalcançável à imaginação dos nossos contemporâneos. Toda comparação é entre alguma coisa e alguma outra coisa. Não se pode comparar tudo com nada.

Isso não quer dizer que as fontes do conhecimento tenham secado. Pensadores de grande envergadura – um Eric Voegelin, um Bernard Lonergan, um Xavier Zubiri – sobreviveram à debacle dos anos 60 e continuaram atuantes, o primeiro até 1985, o segundo até 1984, o terceiro até 1983. Mas seus ensinamentos são ainda a posse exclusiva de círculos seletos. Não entram na corrente geral das idéias, nem poderiam entrar sem sujar-se, sem transformar-se em matéria de discussões idiotas como vem acontecendo, graças à ascensão política de alguns de seus discípulos, com o infeliz Leo Strauss.

Pois a desgraça se deu justamente na “corrente geral”. O fim da II Guerra Mundial trouxe uma prodigiosa reorganização das bases sociais e econômicas da vida intelectual no mundo. Novas instituições, novas redes de comunicação, novos mecanismos de estocagem e distribuição das informações acadêmicas, novos públicos e, sobretudo, a ampliação inaudita do apoio estatal e privado à cultura e a formação dos grandes organismos internacionais como a ONU e a Unesco. Tudo isso veio junto com o descrédito do marxismo soviético e a profunda mutação interna da militância esquerdista internacional, a essa altura já plenamente imbuída das duas lições aprendidas da Escola de Frankfurt e de Georg Lukacs (mas também, mais discretamente, de Martin Heidegger): (1) a luta essencial não era propriamente contra o capitalismo, mas contra “a civilização ocidental”; (2) o agente principal do processo era a classe dos intelectuais.

Nessas condições, o crescimento fabuloso dos meios de atuação veio junto com o esforço multilateral de apropriação desses meios por parte de grupos militantes bem pouco interessados em “compreender o mundo” mas totalmente devotados a “transformá-lo”. A redução drástica da atividade intelectual ao ativismo político foi a conseqüência desejada e planejada dessa operação, realizada em escala mundial a partir dos anos 60.

Não que o fenômeno fosse totalmente desconhecido antes disso. Um vasto ensaio geral já vinha sendo realizado nos EUA desde a década de 30 pelo menos, através das grandes fundações “não lucrativas” que descobriram seu poder de orientar e manipular a seu belprazer a atividade intelectual, científica e educacional mediante a simples seleção ideologicamente orientada dos destinatários de suas verbas bilionárias.

Em 1954, uma comissão de investigações do Congresso americano já havia descoberto que fundações como Rockefeller, Carnegie e Ford exerciam controle indevido sobre as universidades, as instituições de pesquisa e a cultura em geral, orientando-as num sentido francamente anti-americano, anticristão e até anticapitalista. (Não me perguntem pela milésima vez com que interesse os grandes capitalistas podem agir contra o capitalismo. A explicação está resumida em http://www.olavodecarvalho.org /semana/040617jt.htm e http://www.olavodecarvalho.org /textos/debate_usp_4.htm .) Inevitavelmente, a influência exercida por essas organizações não consistiu só em introduzir uma determinada cor política na produção cultural, mas em alterá-la e corrompê-la até às raízes, subordinando aos objetivos políticos e publicitários visados todas as exigências de honestidade, veracidade e rigor. Sem essa interferência, fraudes cabeludas como o Relatório Kinsey ou a pseudo-antropologia de Margaret Mead jamais teriam conseguido impor-se ao meio acadêmico e à mídia cultural como produtos respeitáveis de uma atividade científica normal.

A comissão foi alvo de ataques virulentos de toda a grande mídia, e seu trabalho acabou por ser esquecido, mas ele ainda é uma das melhores fontes de consulta sobre a instrumentalização política da cultura (v. René Wormser, Foundations, Their Power and Influence, New York, Devin-Adair, 1958 – vocês podem comprá-lo pelo site www.bookfinder.com ). Na verdade, sem ele não se pode compreender nada do que se passou em seguida, pois o que se passou foi que o experimento tentado em escala americana foi ampliado para o mundo todo: a apropriação dos meios de ação cultural pelas organizações militantes e o sacrifício integral da inteligência humana no altar da “vontade de poder” simplesmente se globalizaram.

Recursos incalculavelmente vastos, que poderiam ter sido utilizados para o progresso do conhecimento e a melhoria da condição de vida da espécie humana foram assim desperdiçados para sustentar a guerra geral da estupidez militante contra a “civilização ocidental” que havia gerado esses mesmos recursos.

Embora esse processo seja de alcance mundial, é claro que o seu peso se fez sentir mais densamente em países novos do Terceiro Mundo, onde as criações das épocas anteriores não tinham sido assimiladas com muita profundidade e as raízes da civilização podiam ser mais facilmente cortadas. No Brasil, da década de 60 em diante, os progressos da barbárie foram talvez mais rápidos do que em qualquer outro lugar, destruindo com espantosa facilidade as sementes de cultura que, embora frágeis, vinham dando alguns frutos promissores. A comparação impossível entre as duas épocas, que mencionei acima, é ainda mais impossível no caso brasileiro. Na década de 50, tínhamos, vivos e atuantes, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Àlvaro Lins, Augusto Meyer, Otto Maria Carpeaux, Mário Ferreira dos Santos, Vicente Ferreira da Silva, Herberto Sales, Cornélio Penna, Gustavo Corção, Nelson Rodrigues, Lúcio Cardoso, Heitor Villa-Lobos, Augusto Frederico Schmidt, a lista não acaba mais. Hoje, quem representa na mídia a imagem da “cultura brasileira”? Paulo Coelho, Luís Fernando Veríssimo, Gilberto Gil, Arnaldo Jabor, Emir Sader, Frei Betto e Leonardo Boff. Perto desses, Chomsky é Aristóteles. É o grau mais alto pelo qual se medem. Chamar isso de crise, ou mesmo de decadência, é de um otimismo delirante. A cultura brasileira tornou-se a caricatura de uma palhaçada. É uma coisa oca, besta, disforme, doente, incalculavemente irrisória.

A inteligência, ao contrário do dinheiro ou da saúde, tem esta peculiaridade: quanto mais você a perde, menos dá pela falta dela. O homem inteligente, afeito a estudos pesados, logo acha que emburreceu quando, cansado, nervoso ou mal dormido, sente dificuldade em compreender algo. Aquele que nunca entendeu grande coisa se acha perfeitamente normal quando entende menos ainda, pois esqueceu o pouco que entendia e já não tem como comparar. Uma das coisas que me deliciam, que me levam ao êxtase quando contemplo o Brasil de hoje, é o ar de seriedade com que as pessoas discutem e pretendem sanar os males econômicos, políticos e administrativos do Brasil, sem ligar a mínima para a destruição da cultura, como se a inteligencia prática subsistisse incólume ao emburrecimento geral, como se inteligência fosse um adorno a ser acrescentado ao sucesso depois de resolvidos todos os problemas ou como se a inépcia absoluta não fosse de maneira alguma um obstáculo à conquista da felicidade geral. A prova mais evidente da insensibilidade torpe é o sujeito já nem sentir saudade da consciência que teve um dia.

Mas não, a inteligência nacional não acabou no dia em que os nossos estudantes tiraram o último lugar numa avaliação entre alunos do curso secundário de 32 países: acabou logo em seguida, quando o ministro da Educação disse que o resultado poderia ter sido pior.

Num sentido mais profundo do que o ministro imaginava, poderia mesmo. Na eleição seguinte, o país colocou na presidência um carreirista enriquecido, de terno Armani e unhas polidas, que, por orgulhar-se de jamais ler livros, foi proclamado um símbolo da autenticidade popular. A imagem era falsa, grotesca e insultuosa, mas ninguém percebeu. Se existe um grau abaixo do grotesco, porém, ele foi atingido logo em seguida, quando o escritor Raymundo Faoro, quanto mais bobo mais celebrado nas esquerdas como inteligência luminosa, sugeriu o nome do então presidenciável para ocupar uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Perto disso, tirar o último lugar num teste chegava a ser meritório.

Se o desespero dos estudantes que me escrevem viesse só da situação política, haveria esperança de saná-lo por meio da ação política. Mas a ação política é um subproduto da cultura e, no estado em que as coisas estão, nenhuma ação política inteligente, ao menos em escala federal, é previsível nas próximas duas ou três gerações. Nas próximas eleições, por exemplo, o país terá de optar novamente entre PT e PSDB, isto é, os dois filhotes monstruosos gerados no ventre da USP, a mãe da esterilidade nacional, ou como bem a sintetizou o poeta Bruno Tolentino, a “p… que não pariu”. Sim, a política brasileira virou uma imensa assembléia de estudantes da USP, com o Partido Comunista de um lado, a Ação Popular de outro, num torneio de arrogância, presunção, hipocrisia, sadismo mental, mendacidade ilimitada e estupidez sem fim. A USP levou meio século para chegar ao poder, e ainda não parou de gerar pseudo-intelectuais ambiciosos, ávidos de mandar, sedentos de ministérios. Sua obra de destruição está longe de haver-se completado.

Da política nada de bom se pode esperar num prazo humanamente suportável. Uma ação cultural de grande escala – a fundação de uma autêntica instituição de ensino superior, para contrabalançar a desgraça uspiana – também não é nada provável, dada a omissão das chamadas “elites”, sempre de rabo entre as pernas, oscilando entre lamber mais um pouco os pés da canalha petista ou apegar-se ao primeiro zesserra que apareça.

Ao estudante que consiga ainda vislumbrar o que é vida intelectual e faça dela o objetivo de sua existência, restam dois caminhos: o exílio, que pode levar ao lugar errado (a miséria brasileira nasce em Paris), e o isolamento, que pode levar os mais fracos a um desespero ainda mais profundo do que aquele em que se encontram.

A única solução viável, que enxergo, é a formação de pequenos grupos solidários, firmemente decididos a obter uma formação intelectual sólida, de início sem nenhum reconhecimento oficial ou acadêmico, mas forçando mais tarde a obtenção desse reconhecimento mediante prova de superioridade acachapante. Já não leciono no Brasil, mas a experiência mostrou que muito aluno meu, com alguns anos de aulas e bastante estudo em casa, já está pronto para dar de dez a zero, não digo em alunos, mas em professores da USP do calibrinho de Demétrio Magnoli e Emir Sader, o que, bem feitas as contas, é até luta desigual, é até covardia.

O processo é trabalhoso, mas simples: cumprir as tarefas tradicionais do estudo acadêmico, dominar o trivium , aprender a escrever lendo e imitando os clássicos de três idiomas pelo menos, estudar muito Aristóteles, muito Platão, muito Tomás de Aquino, muito Leibniz, Schelling e Husserl, absorver o quanto possível o legado da universidade alemã e austríaca da primeira metade do século XX, conhecer muito bem a história comparada de duas ou três civilizações, absorver os clássicos da teologia e da mística de pelo menos três religiões, e então, só então, ler Marx, Nietzsche, Foucault. Se depois desse regime você ainda se impressionar com esses três, é porque é burro mesmo e eu nada posso fazer por você.

Mas o ambiente universitário brasileiro de hoje é tão baixo, tão torpe, que só de a gente apresentar essa lista – o mínimo requerido para uma formação séria de filósofo ou erudito –, o pessoal já arregala os olhos de susto. Na verdade, o estudante brasileiro não lê nada, só resumo e orelha, além de Emir Sader e da dupla Betto & Boff, que não valem o resumo de uma orelha. É tudo farsa, chanchada, pose. Não há quem não saiba disso e não há quem não acabe se acomodando a essa situação como se fosse natural e inevitável. A abjeção intelectual deste país é sem fim.

Assassinato de Kennedy: enfim, o óbvio

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 6 de fevereiro de 2006

Sexta-feira passada, a televisão alemã exibiu o documentário “Encontro com a Morte”, em que o diretor e jornalista Wilfried Huismann, após cinco anos de pesquisas, mostra que o assassinato de John F. Kennedy só pode ter sido encomendado por um único mandante: Fidel Castro.

Essa hipótese sempre foi a mais plausível, já que Lee Harvey Oswald tinha sido agente do serviço secreto cubano desde pelo menos novembro de 1962 e voltou aos EUA após ter vivido na União Soviética por muitos anos. A ligação é até óbvia demais, mas por isso mesmo houve tanta agitação na mídia e nos meios políticos para abafá-la o mais rápido possível e substituí-la por uma onda estonteante de conjeturações absurdas. Imagino se alguém ficaria buscando mandantes alternativos no caso de Fidel Castro ser morto por um agente da CIA.

O motivo apresentado pelo filme também é mais que suficiente para explicar o assassinato. Segundo o documentário, Kennedy e Castro passaram anos tramando cada um a morte do outro: “Foi um duelo que, como numa tragédia grega, deixou um dos duelistas morto”, afirma Huismann.

Mas o mais espantoso da história talvez não seja nem isso. O ex-secretário de Estado Alexander Haig aparece no filme dizendo que, logo após o assassinato, o presidente Lyndon B. Johnson recebeu informações que o levaram a concluir que Fidel Castro fora mesmo o responsável pelo crime: “Johnson estava persuadido de que Castro matara Kenedy, mas levou esse segredo para o túmulo.” Na época ele disse a Haig que era preciso evitar a todo o preço a divulgação da verdade: “Ele temia que, se o povo americano soubesse o nome do verdadeiro culpado, haveria uma guinada para a direita e o Partido Democrata ficaria fora do poder por muitos anos.”

Essa é provavelmente a acusação mais grave que um funcionário de tal envergadura já fez a um presidente americano falecido. O documentário ainda não foi exibido nos EUA, mas a mídia republicana já está chamando a atenção do público para o assunto, e não tenho dúvida de que o filme de Huismann pode ter algum peso nas próximas eleições parlamentares, senão na eleição presidencial de 2008.

Qualquer que seja o caso, é importante lembrar que Johnson foi um dos presidentes americanos mais esquerdistas, não só pelo seu intervencionismo estatal desenfreado, mas pelo derrotismo proposital com que conduziu a guerra do Vietnã, limitando de tal modo a ação das tropas americanas que só faltou mesmo pintar um alvo na cabeça de cada soldado, e também pela pressa indecente em admitir derrota movido pela pura impressão de um noticiário de TV, antes de saber que, de fato, o exército do Vietnã do Norte tinha sido quase que totalmente destruído ao longo da ofensiva. Isso não impediu que, pelo simples fato de presidir os EUA em época de guerra, fosse pintado como um verdadeiro monstro imperialista pela mídia esquerdista internacional. Agora, postumamente, vai receber uma quota idêntica de insultos da mídia conservadora. Isso deveria servir de advertência para tucanos e muristas de todos os continentes e gerações.

Os dois McCarthys

A abertura dos Arquivos de Moscou, no começo da década passada, e a publicação dos códigos Venona, no fim dela, trouxeram a prova definitiva de que, com a possível exceção do general Marshall, praticamente nenhum dos americanos acusados de colaboração com a espionagem soviética nos anos 50 era realmente inocente (v. John Earl Haynes & Harvey Klehr, Venona: Decoding Soviet Espionage in America , Yale University Press, 1999). Depois disso, é injusto e absurdo continuar usando a figura do senador Joe McCarthy como protótipo do acusador injusto e símbolo da maldade encarnada. O mínimo de satisfação que escritores e jornalistas devem à realidade histórica é riscar do seu vocabulário o termo “macartismo”.

Analogamente, a retirada das tropas americanas do Vietnã, pela qual tanto se bateu o outro McCarthy, Eugene, só serviu para dar aos comunistas o espaço livre de que necessitavam para praticar ali, e estender até o vizinho Camboja, um dos mais vastos genocídios do século XX, exatamente como previam os execrados “falcões” do Pentágono (v. Nguyen Van Cahn, Vietnam Under Communism, 1975-1982 , Stanford University, 1983). Depois disso, só um esquerdista doente ou um vaidoso incontrolável, capaz de sobrepor sua nostalgia de juventude às exigências mais incontornáveis da verdade, pode continuar celebrando o movimento “pacifista” daquela época como um momento glorioso da história da consciência humana. Foi um momento glorioso, isto sim, da história da propaganda comunista, que conseguiu ludibriar toda a população americana, transformando um volume colossal de bons sentimentos em arma de guerra a serviço do mal e da mentira. O que um homem adulto escreve hoje sobre a década de 60 é um teste do seu caráter. A insistência no estereótipo que opõe “pacifistas” a “macartistas” é um instrumento retórico vicioso usado para encobrir a colaboração com um dos maiores crimes de todos os tempos. Nenhum alemão decente que tivesse escrito uma palavra contra os judeus em 1920, sem a menor intenção de lhes trazer dano físico, se recusaria a acusar-se de cumplicidade involuntária com o nazismo ao ver o que lhes aconteceu vinte anos depois. Decorridas quase quatro décadas do genocídio na Indochina, aqueles que organizaram passeatas para ajudar a produzi-lo ainda posam de bons meninos e depositam flores regularmente no altar dos “anos dourados”. O culto do recém falecido Eugene McCarthy é parte integrante dessa liturgia do auto-engano.

Como não acredito que a burrice e a malícia sejam contraditórias, e como sei que ambas estão distribuídas democraticamente numa geração de jornalistas que se formou sob a influência do Partido Comunista e da Ação Popular, não vou gastar neurônios perguntando por que Luís Eduardo Lins da Silva, diante de fatos tão amplamente comprovados, imagina estar fazendo algo de honesto e inteligente ao forçar um paralelismo inverso e, na última edição da revista Primeira Leitura , chamar o senador Eugene McCarthy de “o McCarthy do bem” pelo simples fato de ele ter ajudado a amarrar as mãos do governo americano ao mesmo tempo que liberava as de Ho-Chi-Minh e Pol-Pot para a matança que se seguiu. Repito apenas o que, uma semana antes da publicação da matéria, mas quase adivinhando-a, escrevi sobre o jornalismo brasileiro:

Aos poucos, o hábito de respaldar-se em declarações de americanos apresentados como insuspeitos tornou-se um dispositivo usual da retórica esquerdista. Na verdade homens como Ramsey Clark, John K. Galbraith, Jimmy Carter ou Ted Kennedy eram a fina flor do esquerdismo chique. Estavam comprometidos até a goela com a ajuda à subversão no Terceiro Mundo. Mas a simples insistência geral da esquerda na lenda de que o golpe militar viera de Washington dava a qualquer americano, por contraste, a autoridade para falar contra a direita latino-americana sem parecer nem um pouquinho esquerdista. O mesmo acontecia com jornais patologicamente mentirosos em favor da esquerda, como New York Times e Washington Post , que ante a platéia tupiniquim ignorante, podiam ser citados como modelos de isenção profissional pelo simples fato de ser americanos. A geração seguinte de esquerdistas continuou usando o mesmo truque, mas por automatismo paspalho e sem saber que era truque… A malícia dos gurus impregnou-se em seus discípulos sob a forma de ingenuidade perversa. Eles já não mentem por astúcia. Mentem porque ninguém os ensinou a fazer outra coisa .”

Só faltou, para que a antecipação fosse completa, o nome do senador Eugene McCarthy entre os oficialmente insuspeitos.

Algum paralelismo entre ele e o outro McCarthy existe, de fato, mas não no sentido de Lins da Silva. Para descrevê-lo, pode-se partir desta declaração do radialista Garrison Keillor, democrata histórico, odiador emérito de um McCarthy nos anos 50 e seguidor entusiasta do outro nas décadas seguintes:

É reconfortante descobrir a verdade e concluir que você estava mirando fora do alvo. [Nos anos 50] havia uma rede de espionagem soviética no nosso governo, e o fato de que Joseph McCarthy fosse um bêbado, mata-mouros e oportunista cínico não muda isso em nada. Junto com um punhado de outros democratas, eu, de fato, estava errado nessa questão. Estou feliz de poder corrigir-me.

A época que se seguiu pode ser descrita quase com as mesmas palavras: Havia um genocídio comunista à espera da população civil tão logo os soldados americanos saíssem do Vietnã, e o fato de que Eugene McCarthy fosse capaz de citar Yeats e Eliot de cor não muda isso em nada. Junto com um punhado de outros democratas, ele estava errado em julgar que a retirada das tropas americanas seria boa para o Vietnã, não se arrependeu do seu erro quando viu a paz matar mais gente que a guerra, persistiu no erro até o fim e seus admiradores continuam badalando como herói um bobão perfumado incapaz de perceber o óbvio.

Joseph McCarthy foi um grosseirão e um pinguço turbulento que alertou seu país contra um perigo real e denunciou os culpados verdadeiros, mas com tanto espalhafato que os fez passar por vítimas inocentes. Eugene McCarthy foi um sujeito culto, fino, elegante e de bons sentimentos que ajudou seu país a humilhar-se sem necessidade, só para deixar que os comunistas, em tempo de paz, matassem um milhão de civis no Vietnã e mais dois milhões no Camboja.

Se os políticos não devem ser julgados por suas intenções hipotéticas e sim pela substância real de seus atos, não é difícil avaliar os dois McCarthys: Joseph, que parecia destinado ao sucesso, foi um fracasso na luta por uma causa justa, enquanto Eugene, aparentemente condenado ao fracasso, foi um sucesso retumbante a serviço involuntário do genocídio e da tirania. Essa é a realidade objetiva de suas biografias. Subjetivamente, ambos estavam bastante enganados quanto às dimensões de suas respectivas pessoas. Joseph presumia-se habilitado a vencer a KGB no grito. Eugene, com modéstia exemplar, confessava que teria preferido ficar em casa mas que não pudera resistir ao apelo de sua filha para que “salvasse o mundo” ( sic ). Essa é só uma das muitas ironias de suas existências, inclusive póstumas. Joseph, apesar das provas esmagadoras de que acertara em praticamente tudo exceto na tática publicitária, foi ainda mais difamado depois de morto do que o foi enquanto vivo, ao passo que Eugene, morto, é ainda mais badalado do que em vida. Ao chamar a este último “o McCarthy do bem”, Lins da Silva toma por pressuposto que a espionagem soviética dos anos 50 e o genocídio indochinês da década de 70 fossem o bem. O mal é opor-se a Josef Stalin, Ho-Chi-Minh e Pol-Pot. O fato de que essa estupidez monstruosa seja publicada em Primeira Leitura , revista insuspeita de qualquer contaminação esquerdista, mostra até que ponto a propaganda comunista de meio século atrás se impregnou no subconsciente da classe jornalística, ao ponto de já não ser percebida como tal e poder se perpetuar como sabedoria convencional.

Generosidade

Um amigo me chama a atenção para o seguinte fenômeno: o investidor que em 1º. de janeiro de 2005  tenha aplicado mil dolares em reais, com juros à taxa do CDI, resgatou em 1º. de janeiro de 2006 aproximadamente 1.400 dólares. Os juros da CDI foram de 19 por cento; mais a diferença cambial, e pronto: 40 por cento de retorno, em dólar, com garantia do governo para pelo menos metade desse lucro. É óbvio que o afluxo contínuo de investimentos estrangeiros, do qual o establishment petista tanto se gaba, não reflete nenhum suposto progresso da nossa economia, mas a esplêndida generosidade dos pobres para com os ricos.

Notícias da China real

Durante o ano passado, 87.000 protestos e rebeliões eclodiram na China. Nenhum foi noticiado pela mídia nacional. Em compensação, qualquer passeata anti-Bush em Nova York ou na Califórnia é alardeada como sinal de queda iminente do “império americano”.

Numa pesquisa realizada pelo Programa de Atitudes em Política Internacional da Universidade de Maryland, abrangendo 20.791 pessoas em vinte países (v. http://www.complusalliance.org /plugins/ComPlusDoc/details .asp?type=DocDet&ObjectId =MTc4NTg ), 74 por cento dos cidadãos chineses (três por cento a mais até do que os americanos!) julgaram que o livre mercado é o melhor sistema econômico para o mundo. Nem uma linha a respeito saiu no Brasil.

Se na formação de suas opiniões pessoais ou na tomada de decisões políticas e empresariais você se deixa guiar pela imagem do mundo que aparece nos nossos jornais, você está completamente fora da realidade.

De Lay: o fim

Exatamente como anunciei aqui semanas atrás, as denúncias contra Tom De Lay não estão surtindo nenhum efeito judiciário, mas um efeito eleitoral devastador. Após 21 anos na Câmara dos Representantes, o ex-líder republicano, em plena campanha pela reeleição, foi informado pelas pesquisas de que só metade de seus eleitores usuais pretende votar nele de novo. Claro: nada estando provado contra ou a favor do acusado, votar nele é correr um risco de cinqüenta por cento. No Brasil, onde o pessoal vota às cegas e nem lembra em quem votou, todo mundo correria esse risco sem ligar a mínima. Nos EUA, o eleitor quer segurança, porque se vê como um chefe de pessoal examinando a ficha de um candidato a emprego. Culpado ou inocente, De Lay está politicamente liquidado. Só muito viagra para levantá-lo, mas não há dinheiro para isso. A campanha contra o homem é da MoveOn.org, afilhada de George Soros, enquanto os republicanos dependem de milhões de pequenos contribuintes e ainda arcam com a fama de “partido dos ricos”.

Errata

No artigo da semana passada, o endereço da Rede Voltaire saiu errado. O certo é http://www.voltairenet.org/fr .

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