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Para compreender a revolução mundial

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 14 de maio de 2007

Prometi explicar mais detalhadamente as “teses sobre o movimento revolucionário mundial” (conferência na Academia Militar de West Point) que publiquei aqui semanas atrás. Como essas explicações são longas, vou subdividi-las em vários artigos, voltando ao assunto sempre que haja oportunidade. Começo com o primeiro parágrafo: “O movimento revolucionário é um fenômeno único e contínuo ao longo do tempo, pelo menos desde o século XV. Cada geração de revolucionários tem consciência de ser herdeira e continuadora das anteriores. Isso está abundantemente documentado nos seus escritos. É um fato, não uma interpretação minha.”

Qualquer que seja o estado de coisas, não há atitude política consciente sem o conhecimento dos antecedentes históricos que o produziram; e não só dos antecedentes factuais imediatos, mas também e principalmente dos elementos duradouros, de longo prazo, que não exercem sobre a situação atual a influência de estímulos causais diretos mas moldam e determinam de longe o quadro geral onde tudo acontece.

Quando o discurso de um agente político repete o de personagens de dois, três ou quatro séculos atrás, os quais ele não conhece e não poderia citar de propósito, às vezes esse fato pode ser explicado pela simples persistência residual de antigos giros de linguagem, impregnados na cultura geral e assimilados passivamente pelo falante. Mas quando a essa coincidência vocabular se soma a identidade dos valores e objetivos que se expressam através do discurso, então é provável que a ação desse agente dê continuidade a uma seqüência iniciada muito antes dele, à qual ele serve com maior ou menor consciência de sua participação num esforço de muitos séculos. Se, ademais, rastreando as origens do seu linguajar podemos reconstruir uma cadeia de transmissão ininterrupta que de geração em geração veio vindo desde os pioneiros da idéia até seu último repetidor passivo, então é claro que estamos diante de um “movimento histórico” identificável, contínuo e autoconsciente.

Um movimento histórico pode abranger e conter muitos movimentos políticos, culturais e religiosos, que constituem suas versões parciais, locais e temporárias e que podem ser bastante diferentes e até contrastantes entre si sem deixar de contribuir, por isso, para a unidade do conjunto que os arrasta, inexoravelmente, à consecução de um sentido geral já formulado, em essência, desde o início.

Um movimento histórico não age por si, não é uma força mágica nem, como diria Hegel, uma “astúcia da razão” que opere e realize seus objetivos mediante uma lógica invisível, passando por cima das intenções conscientes de indivíduos e gerações. É, ao contrário, a continuidade temporal de um conjunto de símbolos, valores e objetivos que a cada geração são introjetados e subscritos conscientemente pelos indivíduos que se colocam a seu serviço. Apenas, em cada um desses indivíduos, o conhecimento dos valores a que serve não implica uma consciência integral da totalidade do movimento abrangente. Em alguns deles, sim. A cada geração há pelo menos um núcleo de “intelectuais”, que sabe de onde veio e para onde vai o conjunto do movimento a que serve. Mas a maioria dos envolvidos pode ter consciência somente das subcorrentes parciais imediatas. Isto é mais do que suficiente para garantir a inserção perfeita das suas ações no sentido total do movimento histórico.

Ao observador leigo a unidade do movimento pode escapar de todo, principalmente porque ele não sabe distingui-la de três outros tipos de unidade que podem aparecer por trás da multiplicidade dos atos humanos:

(1) A unidade espontânea do desenvolvimento histórico. O crescimento da economia capitalista, por exemplo, não resulta de nenhum plano e não é um processo dirigido por ninguém. Ele resulta, como dizia Ludwig von Mises, da somatória de uma quantidade inumerável de atos individuais, cada um deles racional em si mesmo, mas inconexos no conjunto, praticados pelos agentes econômicos em vista de seus objetivos pessoais e grupais.

(2) A unidade concreta e deliberada de um movimento político, social, religioso ou cultural explícito, dotado de um comando identificável e de uma massa de militantes, fiéis ou adeptos conscientes dessa unidade. O catolicismo ou o comunismo são exemplos característicos. Para distingui-los do movimento histórico em geral, vou chamá-los de “movimentos especiais”.

(3) A unidade invisível do “poder secreto” ou “conspiração”. Neste caso, a unidade existe só para os líderes, os condutores do processo, e seus colaboradores imediatos. A massa dos ajudantes anônimos, aglomerada em unidades menores sem contato umas com as outras, não têm uma idéia clara – e às vezes não têm idéia nenhuma — da articulação maior nem do propósito de conjunto a que servem.

Embora a unidade de um movimento histórico possa ter elementos colhidos desses três modelos, nenhum deles a explica. Um movimento histórico não é um puro desenvolvimento espontâneo, mas é um esforço consciente e prolongado para levar as coisas numa certa direção. Mas ele distingue-se também dos movimentos especiais no sentido de que não precisa ter uma estrutura hierárquica de comando, ao menos permanente. Distingue-se também da unidade conspiratória porque essa estrutura hierárquica, quando existe, não tem necessariamente de permanecer secreta.

A unidade de um movimento histórico repousa inteiramente no apelo de certos símbolos que condensam e dão corpo a desejos, ideais e objetivos duradouros. Uma vez adotados como bandeira de luta por algum movimento especial, esses símbolos se disseminam e se arraigam tão profundamente na cultura que sua força aglutinadora pode ser renovada a qualquer instante por algum outro movimento especial que se inspire direta ou indiretamente no anterior. Uma sucessão de movimentos especiais inspirados num mesmo núcleo de símbolos e valores, atravessando as épocas sem conexão organizacional uns com os outros, forma por si um movimento histórico, mesmo que a consciência da continuidade se torne bastante tênue ou seja compartilhada somente por uma elite intelectual sem voz de comando direta sobre o conjunto. Se este continua na mesma direção, não se pode dizer que parou nem que foi extinto. Um movimento histórico pode, alternadamente, cristalizar-se como movimento especial em torno de um comando hierárquico conhecido de todos os participantes ou, ao contrário, subdividir-se em tantos núcleos independentes que pareça ter-se dissolvido, não só em tempos adversos, mas até nas épocas em que os ventos lhe são mais favoráveis e ele pode contar com um crescimento vegetativo apoiado no puro desenvolvimento espontâneo dos fatos sociais. Às vezes, aparece uma liderança genial capaz de manter por algum tempo o controle consciente do movimento, às vezes é preciso esperar até que a espontaneidade do acontecer crie as condições para isso, mas em ambas essas duas épocas o movimento revolucionário prossegue, inabalável,

Ninguém compreenderá jamais o movimento revolucionário mundial enquanto continuar a encará-lo apenas pelo prisma dos movimentos especiais que o integram. Como explicar, por exemplo, a ascensão brutal do esquerdismo no mundo depois da queda da URSS que, segundo a expectativa geral, deveria prenunciar o seu fim? A suspresa diante do fenômeno é tão grande que muitos preferem até negá-lo, refugiando-se numa ilusão psicótica. Mas a explicação dele é simples se você entende que o movimento comunista organizado desde os centros de comando em Moscou e Pequim era apenas uma encarnação parcial e temporária do movimento revolucionário, que este continuava se desenvolvendo em outros contextos sob outras formas, latentes e discretas, prontas a subir ao primeiro plano tão logo a versão soviético-chinesa falhasse, como de fato aconteceu. É deprimente, por exemplo, notar como os EUA, nos anos 50, ao mesmo tempo que combatiam de frente o expansionismo comunista e a espionagem soviética, recebiam de braços abertos os filósofos da Escola de Frankfurt, que já traziam consigo o germe da New Left destinada a florescer na década seguinte com uma força, uma virulência e uma amplitude jamais sonhadas pelos partidos comunistas. Combater um movimento especial sem ter em vista suas ligações com o conjunto do movimento revolucionário é arriscar-se a fortalecer este último no instante mesmo em que se imagina derrotá-lo. Na verdade, a própria elite soviética tinha muito mais flexibilidade e um horizonte estratégico incomparavelmente mais vasto do que os profissionais de inteligência e os analistas estratégicos nos EUA podiam imaginar então. Estes, além de enfocar o movimento comunista isoladamente, fora da tradição revolucionária, ainda consideravam esse movimento apenas um pseudópodo do poder soviético, quando na verdade o poder soviético era apenas uma encarnação local e temporária de uma corrente histórica que vinha desde muito antes dele e que sobreviveu perfeitamente bem à dissolução da URSS.

A unidade do movimento histórico tem de ser buscada, antes de tudo o mais, na linguagem. É a recorrência dos motivos condutores (no sentido que esta expressão tem em literatura e em música) que assinala a continuidade do movimento. E, no instante em que essa continuidade não é só a de uma vaga “influência cultural”, mas a de organizações revolucionárias que geram suas sucessoras e nelas se reencarnam após o seu desaparecimento aparente, então a caracterização do movimento histórico é nítida e insofismável, e já não há mais desculpa para não enxergar a sua unidade por baixo da variação aparente, por mais desnorteante que seja.

Para quem conhece a história do movimento revolucionário como conjunto, essa unidade, que o leigo tem tanta dificuldade de enxergar, transparece até em detalhes aparentemente irrisórios. Quando, por exemplo, o sr. Lula se declara católico e no instante seguinte, com a cara mais bisonha do mundo, afirma que está habilitado a comungar sem confessar por ser homem “sem pecados”, quem atribui isso à tolice pessoal do sr. presidente é infinitamente mais tolo do que ele. A frase ecoa um Leitmotiv do movimento revolucionário, circulante pelo menos desde o século XV: a impecância essencial do revolucionário, limpo e santo a priori e incondicionalmente. Ah, é apenas uma coincidência verbal!, dirão os sapientíssimos observadores. Não é não. Toda a mentalidade do sr. Lula foi formada pelo ensinamento direto e persistente do sr. Frei Betto, que é a encarnação mesma da heresia revolucionária, em nada diferente daquela dos cátaros e albigenses. O sr. Lula, no caso, talvez não tenha a menor consciência de que é um boneco de ventríloquo sentado no colo de uma tradição de cinco séculos. Mas o sr. Frei Betto, que pensa com o devido recuo histórico, sabe perfeitamente para que fins treinou o seu discípulo.

Prosseguirei estas explicações na semana que vem.

Absurdo sensato

As escolas infantis inglesas eliminaram do currículo de História a menção ao Holocausto, porque ofendia as delicadas sensibilidades dos alunos muçulmanos, persuadidos de que não aconteceu Holocausto nenhum, de que os judeus inventaram tudo só para tomar dinheiro da ingênua espécie humana.

Parece loucura, mas não é. É cálculo. E vem mais por aí. Quando o herdeiro do trono está sob a influência direta de mestres espirituais muçulmanos, inteligentes o bastante para fazer dele um discípulo dócil e obediente, é natural que a Inglaterra se prepare para ceder seus últimos resíduos de orgulho nacional ante a chantagem moral islâmica. A “Abolition of Britain” que Peter Hitchens anunciou num livro indispensável (San Francisco, Encounter Books, 2000) e a total islamização da Europa segundo o diagnóstico assustador de Bat Ye’or em “Eurabia: The Euro-Arab Axis” (Cranbury, NJ, Associated University Presses, 2005) estão mais perto do que a opinião pública imagina. O príncipe Charles aparece de vez em quando como um simples mecenas, protetor da arte e da cultura islâmicas no seu país, mas, acreditem, isso é só uma fachada. Ele está pessoalmente ligado a uma organização esotérica fundada por Frithjof Schuon, o místico muçulmano, suíço de nascimento, que ao voltar de uma viagem iniciática à Argélia nos anos 50 prometeu islamizar a Europa no prazo de uma geração. Schuon morreu, mas seu trabalho, extremamente bem sucedido, continua através de dedicados sucessores. A influência incalculavelmente vasta e ao mesmo tempo discretíssima que ele logrou obter sobre a elite intelectual e política européia é invisível ao grande público, mas sem ela o mero afluxo de imigrantes não teria o dom de transformar o Islam na única autoridade religiosa que tem o poder de vergar a espinha do governo britânico, e de fazê-lo até mesmo em nome de uma exigência absurda, ofensiva em último grau.

Schuon sempre soube que as grandes transformações históricas vêm de cima, que os movimentos de massa não são senão o efeito remoto da influência espiritual exercida sobre os corações e mentes dos homens mais cultos e capacitados. A abertura da Europa ao Islam não começou com a importação de trabalhadores. Começou com discretos rituais místicos em Oxford e Cambridge, aos quais o prestígio de intelectuais de primeiro plano acabou atraindo membros do Parlamento e até o príncipe herdeiro. Nenhum país pode resistir a uma cultura estrangeira quando a classe pensante local já se rendeu a seus encantos hipnóticos. Pouco importando o que pensemos de seus méritos e deméritos, Schuon não abriu uma fresta na cultura européia: abriu um rombo.

Esse capítulo decisivo da história recente é totalmente desconhecido dos politólogos, dos analistas estratégicos, dos comentaristas de mídia e dos demais “formadores de opinião”.

Denúncia

A propósito do recente indiciamento dos dois pilotos americanos no caso do acidente com a aeronave da Gol, recebi a seguinte mensagem de um ouvinte do meu programa True Outspeak, George Rocha, e acredito dever repassá-la aos leitores desta coluna:

“ Sou piloto de linha aérea e instrutor de vôo (jatos) há 27 anos. Digo-lhes, sem dúvidas, que os pilotos norte-americanos não cometeram qualquer erro durante o fatídico vôo. Provo minha afirmação inclusive diante de qualquer juiz. Desculpem-me por estar endereçando coletivamente esta minha mensagem sobre a realidade do acidente Legacy X GOL 1907. Eu li todos 79 comentários de O Globo online e sinto-me no dever moral, por possuir as informações técnicas corretas, de informar os demais brasileiros, leigos ou não, sobre fatos transitados acerca deste acidente aéreo.

 No meu blog “ No Ar” ( http://www.globoonliners.com/icox.php?mdl=pagina&op=listar&usuario=363 ) todos vocês poderão ler o que aconteceu para o desfecho do acidente e ainda as preocupações da Aeronáutica, governo, Infraero, Cindacta, etc. Estejam certos de que a investigação tem sido manipulada politicamente.”

Estrangulamento

O golpe que, segundo comentei no artigo anterior, está sendo armado pela esquerda parlamentar americana para quebrar a resistência conservadora abrigada nas estações de rádio, é só parte de um projeto mais vasto destinado a instaurar de vez a hegemonia esquerdista e calar por completo a voz dos conservadores. Depois do rádio, a arma mais poderosa do conservadorismo americano é a rede de organizações populares (“grassroots”), sustentadas pelas contribuições de milhões de eleitores e criadas para pressionar a Câmara dos Representantes e o Senado por meio de cartas, telegramas, e-mails e telefonemas nos dias que antecedem alguma votação importante. Há tempos o Partido Democrata vem tramando um meio de tomar essa arma dos republicanos. Agora os adeptos de Nancy Pelosi encontraram a fórmula: regulamentar aquelas organizações de modo a que todos os seus membros contribuintes, mesmo os mais pobres e humildes, tenham de ser fichados perante o governo federal. Será, pela primeira vez na história americana, um monstruoso cadastro ideológico, que deixará milhões de eleitores expostos à espionagem oficial e à pressão direta do parlamento esquerdista.

A idéia é tão cínica, tão ostensivamente ditatorial, que não é possível deixar de contrastá-la com as afetações de escândalo com que os democratas, pouco tempo atrás, denunciaram como violação de privacidade a escuta telefônica praticada pelo governo Bush em cima de duzentos e poucos suspeitos de terrorismo, quase todos eles estrangeiros. Não é uma maravilha? Nada no mundo tem a força de auto-superação da hipocrisia esquerdista. Quando imaginamos que ela atingiu seu último limite, ela alça vôo ainda mais ambicioso, sempre com aquele ar de pureza excelsa de quem se considera imune ao pecado.

Crimes do abortismo

Quem quiser mais informações sobre os crimes do movimento abortista, que aqui denunciei em editorial publicado no dia 11 de maio, pode encontrá-las nas seguintes fontes:

Para maiores informações, as fontes são as seguintes.

Livros — Patrick J. Buchanan, “The Death of the West: How Dying Populations and Immigrant Invasions Imperil Our Country and Civilization” (St. Martin’s Press, 2002) e “State of Emergency : The Third World Invasion and Conquest of America” (id., 2006); Ramesh Ponnuru, “The Party of Death: The Democrats, the Media, the Courts and the Disregard for Human Life” (Regnery, 2006).

Vídeos — http://www.youtube.com/watch?v=UgH7bkV0Dm4 , http://www.youtube.com/watch?v=pR5g49NNKHU&mode=related&search =, http://www.youtube.com/watch?v=rIzXNJNR2uQ&mode=related&search = e http://www.youtube.com/watch?v=Q-UmKGR9NFU&mode=related&search =. Para os membros da comunidade Orkut, coloquei esses vídeos na minha página pessoal.

Artigos meus — http://www.olavodecarvalho.org/semana/051208jb.htm , http://www.olavodecarvalho.org/semana/050822dc.htm , http://www.olavodecarvalho.org/semana/050409globo.htm , http://www.olavodecarvalho.org/semana/050430globo.htm e http://www.olavodecarvalho.org/semana/980122jt.htm .

Precaução elementar

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 07 de maio de 2007

Não acreditar em nada que seja apresentado como fato pela Folha de S. Paulo ou por sua associada UOL é uma precaução tão elementar quanto trancar as portas e janelas à noite. Vejam por exemplo a matéria sobre a aprovação do projeto Mathew Sheppard pela Câmara de Representantes dos EUA, em http://gonline.uol.com.br/site/arquivos/estatico/gnews/gnews_noticia_19433.htm . Desde logo, nem uma palavra sobre a promessa formal do presidente Bush de vetar a medida “anti-homofóbica” se ela chegar à sua mesa, isto é, se não for logo rejeitada pelo Senado. Sem essa informação, o leitor fica imaginando que o projeto já virou lei. Como notícia, não vale nada, mas vale muito como estímulo à aprovação da PLC 122/2006, o equivalente nacional daquele projeto. Leitores persuadidos de que a legislação pró-gay já está em vigor na pátria do conservadorismo se sentirão decerto inibidos de condenar como radical de esquerda a sua equivalente nacional. É um dos mais velhos truques do esquerdismo jornalístico brasileiro: usar notícias americanas, devidamente alteradas, como entorpecente para anestesiar a direita local, que, verdade seja dita, jamais deixa de cair no engodo com uma docilidade admirável.

Logo em seguida a agência informa que “a lei em questão foi renomeada como Matthew Shepard Act em homenagem ao estudante Matthew Shepard, que foi brutalmente e homofobicamente assassinado em 1998 e, desde então, se tornou marco na luta homossexual americana por direitos iguais”. O assassinato de Mathew Sheppard não teve nada de homofóbico. Os bandidos mataram para roubar. Eles apenas se fingiram de homossexuais para mais facilmente ganhar a confiança do estudante e poder seqüestrá-lo. O homossexualismo da vítima foi instrumento, não motivo do crime.

Apesar disso, o movimento gay imediatamente inventou um jeito de tirar proveito publicitário do delito, atribuindo-o a um “clima de ódio” anti-homossexual e jogando a culpa de tudo nos cristãos, como se a motivação dos assaltantes tivesse sido um preceito evangélico.

Com a maior sem-cerimônia, o UOL endossa a versão publicitária e a vende como notícia líquida e certa. É fraude jornalística em estado puro. Mas não se pode dizer que não tenha precedentes. O exemplo vem de cima. Todos os grandes jornais e redes de TV dos EUA fazem a mesma coisa, já que pertencem a grupos político-financeiros globalistas interessados em fomentar a homossexualidade como meio de controle populacional junto com o abortismo. Com o mesmo cinismo com que transformam um assalto à mão armada em prática religiosa, seguem um rigoroso critério seletivo no que diz respeito às relações entre sexo e homicídio: quando a vítima é gay ou lésbica, sua preferência sexual é trombeteada aos quatro ventos, mesmo que não tenha nada a ver com o delito. Se, ao contrário, quem é homossexual é o assassino, este fato é omitido por completo, mesmo quando diretamente relacionado ao motivo do crime. No famoso massacre de Columbine, pelo menos um dos dois garotos assassinos era homossexual e ambos eram fanáticos anticristãos, tendo gravado um vídeo repleto de expressões de ódio explícito ao cristianismo logo antes de invadir a escola e fuzilar doze crianças. Nem uma palavra a respeito saiu nos grandes jornais ou nos noticiários de TV. Do mesmo modo, a pregação da professora Nikki Giovanni que inoculou na cabeça de Cho Seng-hui o ódio aos cristãos, aos judeus e aos brancos em geral é até hoje desconhecida dos leitores – ou, melhor dizendo, das vítimas – do New York Times e similares. É assim que se cria a lenda da homofobia epidêmica, encobrindo o fato brutal do anticristianismo e do anti-americanismo militantes, as maiores causas de delinqüência juvenil nos EUA, diretamente alimentadas pela elite iluminada que em seguida tira proveito dos efeitos letais de seus próprios atos, lançando as culpas sobre aqueles a quem deseja destruir.

Se não fosse pelo rádio e pela internet, milhares de notícias fundamentais para a compreensão dos estado de coisas permaneceriam totalmente inacessíveis ao público americano (a diferença entre os EUA e o Brasil é que neste último a elite iluminada que manda nos jornais domina também o rádio e a internet, não deixando espaço senão para a mídia eletrônica nanica e um ou outro colunista aberrante, no sentido técnico que esta palavra tem no contexto gramsciano). Mesmo com as verbas estatais que a alimentaram depudoradamente, a Radio America de Bill Clinton foi um fracasso. Nenhum veículo de esquerda pode concorrer com o WorldNetDaily no jornalismo eletrônico ou com os shows de Rush Limbaugh e Michael Savage no rádio. Isso explica o abismo entre o que os americanos e os brasileiros sabem dos EUA: a rádio americana não chega ao Brasil, só os programas de TV e o material traduzido dos jornais, isto é, o recorte esquerdista exclusivo. Mas explica também por que uma das primeiras iniciativas da sra. Nancy Pelosi após a conquista da Câmara dos Representantes pelo Partido Democrata foi sugerir a volta a um antigo regulamento da United States Federal Communications Commission que obrigava as estações de rádio a apresentar, junto com cada opinião emitida, a sua contrária. Esse regulamento, conhecido como “Fairness Doctrine” (mais ou menos “Doutrina da Decência”), vigorou numa época em que não existia a atual divisão de território, com os jornais e a TV à esquerda, o rádio e a internet à direita. Seu retorno, hoje, daria imediatamente aos esquerdistas, de mão-beijada, cinqüenta por cento do espaço dominante dos conservadores no rádio, deixando intacto o monopólio praticamente absoluto que a esquerda tem na TV e na mídia impressa. Do atual meio-a-meio, a divisão mudaria para 75 por cento contra 25 por cento. Do dia para a noite, os EUA se tornariam quase um Brasil petista em inglês (digo “quase” porque 25 por cento, para o anti-esquerdismo brasileiro, seria um sonho dourado muito acima das suas ambições atuais).

Por uma coincidência irônica, o único órgão da grande mídia que pratica usualmente a “Fairness Doctrine”, e o faz aliás por vontade própria e não por obrigação legal, é a FoxNews. Em cada acontecimento, em cada programa, os dois lados são ouvidos. Bill O’Reilly, conservador moderado nas idéias mas radical nas atitudes, praticamente só entrevista esquerdistas, batendo ou apanhando conforme a sorte do momento. E o programa que personifica a orientação geral do canal é o show de Sean Hannity e Larry Colmes, um conservador e um esquerdista que só estão de acordo em discordar a respeito de tudo. Pois olhem que isso basta para que a esquerda em peso considere a Fox um canal de extrema direita e até “parte integrante da máquina de guerra do governo Bush”.

Conto essas coisas para mostrar que o UOL tem a quem imitar. Mas há certos ardis mais grosseiros que só podem ser praticados à distância, porque aqui dariam na vista. No dia 17 de abril a agência punha a circular o seguinte parágrafo:

“Sacerdotes americanos se reuniram nesta terça-feira, dia 17 de abril, na Colina do Capitol, para pedir a aprovação da lei antidiscriminação em todo o país, agora rebatizada de Matthew Shepard Act. ‘Nós somos pessoas de fé e também somos pessoas que têm um compromisso com a verdade’, afirmou o Reverendo William Sinkford, presidente da Unitarian Universalist Association.”

Descontemos o fato de que o redator semi-alfabetizado ignora o termo vernáculo “Capitólio”, usado desde há dois séculos para designar a sede do parlamento americano em vez do original inglês “Capitol”.

Qualquer criança de escola, nos EUA, sabe que os membros da Unitarian Universalist Association não são “sacerdotes americanos” tout court , mas um tipo muito, muito especial de sacerdotes americanos, diferentes de todos os outros. A Igreja Unitarista não é cristã. Não é nem é deísta, como Voltaire. O unitarismo declara-se “uma fé sem credo” e proclama que sua doutrina é uma mistura de princípios cristãos, judaicos, budistas, naturistas, ateístas e agnósticos. É, em suma, a religião da New Age, o que pode haver de mais antagônico ao cristianismo majoritário da população americana. Ao apresentar seus porta-vozes como “sacerdotes americanos”, o UOL induz o leitor a acreditar que os cristãos da América apóiam a legislação “anti-homofóbica” concebida para colocá-los na cadeia. Chamar isso de jornalismo é como chamar o Fernandinho Beira-Mar de empresário.

Porém ainda mais mentiroso é dizer, com o UOL, que a luta dos homossexuais americanos é “por direitos iguais”. Uma lei que criminaliza as críticas a uma opção sexual em especial e não concede a mesma proteção a todas as outras (muito menos à heterossexualidade monogâmica religiosa, contra a qual os doutrinários do gayzismo poderão continuar dizendo as maiores barbaridades, como aliás sempre disseram) é exatamente o contrário da igualdade de direitos. É a institucionalização de um privilégio. Pois justamente o que os adversários do projeto Mathew Sheppard mais alegam contra ele é o princípio constitucional da igualdade perante a lei. Mas como é que o leitor vai saber disso, se o UOL diz que tudo o que os homossexuais querem é a “igualdade”?

Não entendo por que até agora nenhum leitor indignado se lembrou de usar, contra esses abusos da mídia, o Código do Consumidor. Se um jornal ou agência promete cobertura honesta e depois faz coisas como essa que acabo de mostrar, é obviamente culpado de propaganda enganosa. Por que não ensinar aos senhores da mídia, pelo meio mais simples e rápido, que eles não estão acima da lei?

Mas não pensem que estou falando do caso Folha-UOL em particular. Quando se trata das causas queridinhas do globalismo esquerdista (aborto, gayzismo, neo-racismo, ecologismo, feminismo, liberação das drogas, etc. etc.), toda a grande mídia nacional, sem exceção, se torna mentirosa ao ponto de raiar a sociopatia pura e simples. Não é preciso dizer que, em todos esses tópicos, seu acordo com o PT é completo e indiscutível. Ela só ataca o governo em questões menores, acusando sua ineficiência ou corrupção, como aliás a mídia comunista também podia fazer e fazia na própria URSS. São briguinhas de comadres sobre o fundo de uma uniformidade ideológica espantosa, subsidiada, de parte a parte, pelas mesmas fontes internacionais.

***

Por falar nisso, vocês repararam que na mídia nacional o Champinha deixou de ser o assassino de Liana e Felipe e se tornou “um jovem envolvido” nesse crime? Quanta delicadeza! Quantos cuidados paternais! Se ao menos nossos jornais e jornalistas tivessem idêntica gentileza para falar das vítimas, este país seria mais suportável.

***

Perceber os nexos lógicos entre sentenças é coisa que qualquer criança faz espontaneamente e um macaco, se bem treinado, não ficará longe disso. O raciocínio lógico, no fim das contas, não passa de um automatismo, e é por isso mesmo que pode ser imitado por máquinas. Mais difícil, e infinitamente mais importante, é captar a ligação entre o encadeamento lógico-verbal e as conexões reais entre coisas, fatos e ações. Isto requer algo mais do que raciocínio lógico: requer imaginação. Mas a imaginação segue a vontade. Quando você não quer entender alguma coisa, com a maior desenvoltura corta os elos entre os dois tipos de nexos e, sem deixar de compreender perfeitamente bem a demonstração lógica, torna-se incapaz de captar a conexão real que ela significa.

É uma espécie de psitacismo voluntário, ou melhor, um psitacismo que começa por um ato de vontade e se torna depois um cacoete incurável. Não conheço um só brasileiro que, em maior ou menor medida, não padeça desse mal. Digo isso porque há quarenta anos o combato em mim mesmo, e de vez em quando ainda me pego raciocinando no vazio. É uma doença terrível. Os políticos, então, já morreram dela faz tempo, e só continuam vivos em aparência. Não há UTI cognitiva que os recupere. É pois com absoluto ceticismo que ofereço aos senhores parlamentares as seguintes considerações sobre o projeto de lei PLC 122/2006:

Proteger contra críticas uma determinada preferência sexual mas não as outras é discriminação ostensiva e irracional. Aprovada a PLC, teremos a seguinte situação: se eu, num acesso de loucura, disser que o sr. presidente da República transar com a própria esposa é a abominação das abominações, ele nada poderá fazer contra mim; mas, se ele sair bolinando o sr. Marco Aurélio Garcia na sala da presidência, não poderei dizer nem uma palavra contra isso. (Não creio que ele venha a ter essa idéia, muito menos a realizá-la, é claro. Dou o exemplo extremo porque sua tipicidade esquemática é insofismável e é assim que se raciocina em ciência do Direito.)

Só há dois meios de contornar essa dificuldade: permitir que todas as preferências sexuais continuem expostas à crítica ou estender a todas, por igual, a proteção da lei. A primeira hipótese equivale a rejeitar in limine a PLC 122. A segunda implica que a preferência pela monogamia heterossexual indissolúvel, nos moldes religiosos, seja considerada – vejam vocês — pelo menos tão decente e digna de amparo estatal quanto a perversidade polimorfa, o sadomasoquismo ou o sexo com animais. O próprio homossexualismo não poderá aspirar a mais privilégios do que essas outras variantes.

Mas aí surge uma nova dificuldade: a lei protegerá só o direito de praticar discretamente cada opção escolhida ou também o de alardear em público a sua superioridade em relação às demais? Dito de outro modo: se o legislador desiste de proteger uma só preferência e admite proteger todas, ele tem de optar, em seguida, entre (a) permitir a apologia ostensiva de todas, (b) proibi-las por igual ou (c) proibir a de algumas e vetar a das outras. Na hipótese “c”, voltamos ao problema da discriminação enunciado acima. Na hipótese “b” teremos instaurado a censura total em matéria de sexo, uma apoteose de moralismo repressor que nem mesmo a Santa Inquisição ambicionou criar. Na hipótese restante, nada poderá impedir que cada cidadão, se assim o desejar, proclame a sua preferência a única aceitável e saia falando mal das demais. É mais ou menos a situação que temos hoje, sem lei nenhuma para separar as opiniões proibidas e permitidas em matéria de sexo. É a liberdade.

Só há um problema: se a liberdade de falar em favor de uma opção sexual e contra as outras deixa de ser um mero costume espontâneo e se torna uma garantia legal, o legislador terá de esclarecer se essa garantia há de ser concedida a todos incondicionalmente ou se terá limites. O primeiro caso equivale consagrar como lei a ausência de leis a respeito do objeto dessa mesma lei (mais ou menos como a Constituição americana fez com a liberdade de imprensa: “Este Congresso NÃO fará leis a respeito”). É o que recomendo que Suas Excelências façam.

O segundo caso, porém, obrigará os senhores parlamentares a decidir se todos os motivos que o cidadão possa alegar para ser contra determinada opção sexual serão permitidos, ou só alguns deles. Por exemplo, será lícito ser contra o homossexualismo por motivos morais e religiosos, ou, ao contrário, só a falta do tesão respectivo será considerada motivo legítimo? Na primeira eventualidade, os religiosos continuarão falando mal do homossexualismo, e os homossexuais continuarão falando mal deles, todos sob igual proteção do Estado (considero isso a maravilha das maravilhas, mas ela requer precisamente a ausência de lei específica). Na segunda, o Estado consagrará um fator pessoal subjetivo — o tesão, ou falta dele — como único fundamento legítimo de qualquer opinião a respeito de sexo, proibindo toda tentativa de apelar a argumentos suprapessoais de qualquer natureza. As pessoas poderão justificar suas opções dizendo “gosto disto, não gosto daquilo”, mas serão proibidas de buscar razões superiores à mera preferência pessoal. A liberdade de gostar ou desgostar terá como contrapartida a proibição de pensar, ao menos em voz alta.

Nenhuma das dificuldades que aqui enunciei é apenas um obstáculo de ordem lógica. Todas são problemas reais, concretos e insolúveis que, se aprovada a PLC 122, logo aparecerão nos tribunais, exigindo dos senhores juízes decisões que, em todos os casos, resultarão em alguma injustiça patente.

***

Ao terminar de redigir este artigo sairei correndo para Washington D. C. Vou tentar entrevistar um grupo de deputados equatorianos que, perseguidos pelo presidente Correa, vieram pedir socorro à Comissão de Direitos Humanos da OEA. Vejam vocês como são as coisas. Esses opressores burgueses vieram sem um tostão para pagar hotel, dormem na casa de uma pessoa amiga em Washington, empilhados numa sala de três metros e meio por quatro. Se fossem pobres e oprimidos, estariam no Sheraton ou no Hilton, cada um numa suíte. A vida é assim.

Casta de malditos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 30 de abril de 2007

Há mais de dois séculos a casta dos intelectuais ativistas espalha terror e sofrimento por toda parte, sempre sob a desculpa de conduzir a humanidade a um reino de justiça igualitária. Não há genocídio, não há violência, não há brutalidade que não tenha por trás a criatividade incansável desses tagarelas iluminados, cujo maior talento é o de jogar os demais grupos humanos uns contra os outros enquanto mantêm oculta sua própria existência de agentes históricos principais, dirigentes máximos do processo e mandantes últimos de todos os crimes.

O intelectual ativista distingue-se do filósofo, do erudito, do cientista, do escritor, embora possa atuar sob a camuflagem de um ou vários desses papéis sociais, confundindo a platéia. A diferença é que, enquanto estes se esforçam para tentar compreender e expressar a realidade, ele só se ocupa de condená-la e de tentar transformá-la em outra coisa. O homem de estudos tem diante de si um mundo que já lhe parece complicado demais para a sua pobre cabecinha. O intelectual ativista tem na cabeça inchada um projeto de mundo, o plano integral de uma nova humanidade, que ele acha infinitamente superior a tudo quanto já existiu ou existe neste universo desmasiado estreito para a sua grandiosa imaginação.

Como não se pode interferir numa coisa sem jamais pensar nela, o intelectual ativista às vezes estuda algo da realidade, com o objetivo de alcançar prestígio num domínio especializado para depois poder falar com uma tremenda autoridade científica sobre assuntos dos quais ele sabe pouco ou nada e dos quais na verdade não quer saber coisa nenhuma. Voltaire ganhou fama como expositor da física de Newton, que ele havia estudado com certa atenção, para depois posar de guru em todas as áreas da atividade humana nas quais sua erudição era sofrível ou nula. Karl Marx estudou razoavelmente Epicuro e Demócrito para depois entrar na história como reformador da filosofia de Hegel, da qual ele tinha conhecimentos muito limitados e uma compreensão barbaramente deficiente. Richard Dawkins estudou genética e saiu dando palpites sobre religiões que ele desconhece no todo e nos detalhes. Noam Chomski dedicou alguns anos aos estudos lingüísticos para depois poder orientar a humanidade em questões de economia, guerra, política, direito e relações internacionais, onde seus conhecimentos se limitam àquilo que qualquer um pode ler diariamente na mídia popular esquerdista.

A quota de atividade intelectual séria a que esses indivíduos se entregam durante a primeira parte da vida não reflete seus interesses verdadeiros. É apenas uma fase temporária de conquista de credenciais que depois serão usadas e abusadas fora da sua jurisdição. É por isso que eles se chamam intelectuais ativistas e não intelectuais tout court . O objetivo de suas existências é o ativismo. A vida intelectual é somente um meio e pretexto. Eles não querem compreender a realidade. Querem modificá-la, e não apenas em algum detalhe que esteja ao seu alcance. Querem modificá-la no todo, de alto a baixo, corrigindo a natureza e Deus, que tiveram o desplante de fazer as coisas como elas são sem consultar antes a sabedoria de Voltaire, Karl Marx e Richard Dawkins.

Vejam o caso deste último. O fato de que todas as civilizações conhecidas tivessem alguma religião pode ser facilmente explicado pela razão de que as religiões são universalmente necessárias para dar abertura a uma dimensão da realidade que não poderia ser conhecida sem elas. Richard Dawkins prefere atribuir a existência das religiões a um efeito residual da evolução das espécies, que não logrou produzir ao longo dos tempos nenhuma criatura tão inteligente quanto Richard Dawkins e por isso deixou a humanidade à mercê de crendices e superstições bárbaras.

Com o risco de afastar-me perigosamente do assunto principal deste artigo, não resisto a observar que a simples redução da questão religiosa a uma matéria de “crença” ou “descrença” já é uma simplificação intelectualista que jamais poderia ter-se produzido antes que um assunto tão complicado e exigente fosse entregue ao arbítrio de palpiteiros ativistas que não têm a mínima condição de compreendê-lo.

Desde logo, a noção de “fé” só existe nas religiões do grupo abraâmico – judaísmo, cristianismo e islamismo. Não se fala disso no budismo, no hinduísmo, no xintoísmo ou nas religiões cosmológicas do Egito, da Babilônia, da Pérsia, etc. Um elemento tão limitado no tempo e no espaço não pode, com alguma razoabilidade científica, ser apontado como o traço universal definidor das religiões em geral. Mesmo dentro do estrito domínio cristão, a fé não significa “crença”, muito menos crença irracional, mas apenas confiança numa presença divina cujas provas iniciais tendem a ser esquecidas na agitação e dispersão de uma vida ilusória. A fé não é “crença”, é antes a fidelidade a uma recordação espiritual evanescente. O sujeito que não sabe nem isso deveria ser autorizado a participar do debate religioso, na melhor das hipóteses, só como ouvinte atento e mudo.

Em segundo lugar, o religioso não se distingue do materialista só na superfície intelectual das suas “crenças”, mas na profundidade da sua vida interior, na sua percepção da realidade. O materialista identifica-se com o seu corpo porque não tem capacidade de abstração suficiente para conceber sua pessoa como unidade espiritual, como “tipo” cuja estrutura essencial antecedia como possibilidade sua existência temporal e continuará inalterada como tal depois da morte. “ Tel qu’en lui-même enfin l’éternité le change ”, dizia Mallarmé ante o túmulo de Edgar Allan Poe: a eternidade o transforma enfim naquilo que ele sempre foi. Esse nível de percepção de si é inacessível ao indivíduo sensorialista, hipnotizado pelo fluxo das impressões corporais. Para ele, o discurso espiritual não diz, nada, é vazio, porque trata de realidades que transcendem a sua esfera de experiência. Ele só pode compreender esse discurso como seqüência de afirmativas sobre o universo físico, as quais, não podendo ser testadas pelos meios da ciência de laboratório, só podem ser objeto de “crença” ou “descrença”. Por trás da afetação de superioridade olímpica de um Dawkins ou de um Daniel Dennett existe a consciência humilhante e dolorida de uma deficiência psíquica, de um handicap espiritual deprimente. É por isso que seu “materialismo” não é só uma teoria, é uma atitude integral, carregada de ódio às religiões e de uma vontade radical de eliminá-las da face da Terra. O sentimento de inferioridade e exclusão que corrói as almas desses indivíduos é ainda mais intolerável do que aquele que poderia resultar de qualquer discriminação meramente social ou cultural: o homem privado de acesso à dimensão divina da existência sente-se em vida um condenado do inferno, sua alma é permanentemente acossada por uma inveja espiritual insanável e sem descanso. Ele é, literalmente, um pobre diabo.

Não espanta que tantos materialistas – explícitos ou disfarçados – venham engrossar as fileiras dos intelectuais ativistas e explorar o ressentimento dos excluídos sociais. Incitando estes últimos ao ódio e à revolta contra uma condição social específica que pode ser acidental e passageira, eles buscam alívio para seu próprio sentimento de exclusão, muito mais permanente, geral e insanável.

Também não é de estranhar que muitas vezes os intelectuais ativistas gostem de ostentar o título de “malditos”, dando a este termo a acepção de meros excluídos da sociedade. Essa acepção é falsa, porque em geral eles não são excluídos sociais de maneira alguma, são os queridinhos do sistema, paparicados e bem remunerados. Esse uso do termo é pura camuflagem irônica: eles sabem que são malditos num sentido muito mais real e profundo. São malditos espiritualmente, excluídos da experiência do divino no mundo.

É claro que muitos crentes das religiões são, nesse sentido, tão materialistas quanto Dawkins ou Dennett: estão privados da vivência espiritual e só podem assimilar o conteúdo da religião como “crença”, na esperança de alcançar algum dia, ao menos na hora da morte, uma percepção mais consistente da realidade divina. Só que nessa esperança existe mais sabedoria do que num desespero travestido de orgulhoso desprezo. O puro “crente”, que tem apenas “crença” e ainda não a verdadeira “fé”, está no caminho da vida espiritual. Mas aquele que pensa que toda fé é crença, esse é o mais ignorante de todos os ignorantes, que discursa com ares de certeza tanto mais infalível quanto menos concebe a realidade de que fala.

Mas, voltando aos intelectuais ativistas, dois acontecimentos recentes ilustram da maneira mais enfática o espírito que anima essas criaturas.

O primeiro, naturalmente, é a pressa indecente com que o prof. Roberto Mangabeira Unger aceitou um cargo no governo que ele vinha insistentemente rotulando – aliás com razão — de “o mais corrupto da nossa história”. Acrescentando à obscenidade o cinismo, o ex-professor de Harvard prontificou-se a retirar suas críticas, atribuindo-as à ingenuidade de ter acreditado na mídia antipetista, sem nem mesmo lhe ocorrer que alguém pudesse desejar saber por que o arrependimento de tê-las publicado só lhe veio depois do convite para o ministério, nem um minuto antes.

O objetivo do intelectual ativista é sempre e invariavelmente o poder. Sua atividade intelectual é apenas um instrumento ou um derivativo provisório, sem qualquer significado em si mesmo. Não li toda a obra do prof. Unger, mas a parte que li não continha uma só página de análise da realidade: só a expressão obsessivamente insistente de projetos, de utopias, de deveres que as pessoas deveriam cumprir se elas tivessem a felicidade de ser o prof. Unger e se o mundo não fosse injusto ao ponto de ter feito desse profeta iluminado um simples professor universitário e não uma reencarnação de Júlio César ou Gengis-Khan. O prof. Unger sempre discursa na clave do “dever ser”, com profundo desinteresse pelo “ser”. Ante a oportunidade de exercer ainda que uma migalha insignificante de poder no governo podre de um país falido, situado na extrema periferia do mundo, ele não se fez de rogado como Jonas ante o chamamento divino. Mais que depressa, atirou ao lixo a camuflagem de estudioso e mostrou o que é: um oportunista afoito, ávido de meios para “transformar o mundo” à sua imagem e semelhança.

Mas, já que ele se arrependeu de suas próprias palavras, deu-me também a oportunidade de me arrepender das minhas: qualquer coisa que eu tenha dito ou escrito em louvor do prof. Unger fica nula e sem efeito a partir da sua nomeação. Os atos públicos de um filósofo são interpretações – às vezes radicais – que ele dá à sua própria filosofia. Sócrates, enfrentando a morte com um sorriso, deu o melhor esclarecimento possível sobre como se deveria interpretar sua teoria da vida eterna. Integrando o establishment que antes ele fingia desprezar, o prof. Unger mostrou o que é sua filosofia: mero discurso de autopropaganda, trocável por qualquer outro que sirva ao mesmo objetivo.

O outro acontecimento foi o discurso bombástico da professora de Literatura Inglesa, Nikki Giovanni, na noite de vigília da Virginia Tech em homenagem às vítimas de Cho Seung-hui. “Nós somos a Virginia Tech! Nós não seremos derrotados”, exclamava ela, adornando com uma retórica de triunfalismo retroativo o vexame da inermidade de milhares ante um agressor solitário e sendo instantaneamente celebrada pela mídia como uma espécie de antípoda do assassino sul-coreano, a encarnação da vida invencível da coletividade em contraste com a morte de uns quantos indivíduos.

Nenhum outro orador seria melhor para essa farsa. Nikki Giovanni foi quem, nas suas aulas, deu sentido e orientação prática à loucura de Cho Seng-hui, infundindo-lhe o ódio assassino aos protestantes, aos judeus e aos brancos em geral. As duas peças de teatro, deformidades literárias medonhas nas quais o criminoso em preparação anuncia ao mundo as intenções que lhe passavam pela alma, são um traslado quase literal de poemas da sua professora, onde é explícito e enfático o apelo à matança dos “honkies” – o equivalente branco do pejorativo “nigger”. Num deles, “ The True Import of Present Dialog, Black vs. White ” (“O verdadeiro alcance do presente diálogo, negro versus branco”), ela não deixa por menos: “ We ain’t got to prove we can die. We got to prove we can kill ” (“Não temos de provar que somos capazes de morrer. Temos de provar que somos capazes de matar.”) E, num convite direto: “ Do you know how to draw blood? Can you poison? Can you stab-a-Jew? Can you kill huh? ” (“Você sabe como arrancar sangue? Sabe envenenar? Sabe esfaquear um judeu? Você sabe matar, hein?”). Mais adiante, ela sugere ao negro urinar numa cabeça loira e em seguida arrancá-la. Num outro poema, dedicado ao espirito das revoluções, ela propõe um kit especial para crianças, com gasolina e instruções sobre como montar um coquetel Molotov. Seus ensaios estão repletos de estereótipos racistas destinados a fomentar o ódio aos brancos. Mas talvez a melhor expressão da mentalidade que ela transmite a seus alunos seja a tatuagem que ela traz no braço, “Thug life”, (“vida de bandido”), em homenagem a Tupac Shakur, um delinqüente raper assassinado num tiroteio por outros rapers em 1997.

A história de Nikki Giovanni, que jamais aparecerá na mídia brasileira, pode ser lida no artigo de Steve Sailer, “Virginia Tech’s Professor of Hate” (“A professora de ódio na Virginia Tech”, publicado na revista de David Horowitz, Front Page Magazine. Mas quem melhor a resumiu foi um dos leitores que enviaram comentários ao blog de Sailer: “ Quantas vezes Cho Seng-hui ouviu na Virginia Tech as palavras ‘privilégio branco’? ” Não dá para contar, mas, só no website da escola essa expressão aparece 33 vezes.

Enfie todo esse ódio na mente de um maluco e ele só não sairá matando gente se estiver dopado. E a própria Nikki Giovanni sempre soube que Cho não era bom da cabeça. Mas que importa? Os intelectuais ativistas, por definição, são sempre inocentes das conseqüências de seus atos e palavras. Se o prof. Unger disse tais ou quais coisas contra o governo, a culpa é da mídia que o enganou, pobrezinho. Se Cho Seng-hui levou à prática o ódio anti-branco que uma professora lhe inoculou, a culpa é dos próprios brancos, do sistema, do capitalismo, do mundo mau – de todos, menos dela.

Essa crença do intelectual ativista na sua própria inocência e na culpa radical dos outros é uma herança direta das heresias do fim da Idade Média, cuja continuidade nas ideologias revolucionárias modernas é hoje uma realidade histórica bem provada.

Às vezes não é só convicção de inocência. É um sentimento de ser vítima no instante mesmo em que se comete o crime. É uma inversão total da relação de atacante e atacado. Se querem um exemplo, vejam o projeto de lei PLC 122/2006, que quer punir como crime toda crítica ao homossexualismo. A desculpa é proteger uma comunidade discriminada, mas que comunidade é mais discriminada do que os cristãos, que morrem aos milhares toda semana, nos países islâmicos e comunistas, e que nas democracias ocidentais são cada vez mais privados do direito de expor sua fé em público? É contra eles que essa lei iníqua se volta diretamente, numa ameaça tenebrosa aos seus direitos mais elementares – uma perseguição aberta e cínica incomparavelmente mais temível do que qualquer risco que os homossexuais possam ter sofrido neste país ou em qualquer outro. O que esse projeto consagra como lei é a inversão de nomes entre o perseguidor e o perseguido, entre o opressor e o oprimido, fazendo o primeiro de coitadinho e o segundo de criminoso.

Se a história da origem das ideologias modernas fosse contada ao público, este reconheceria imediatamente, nessa lei, nas declarações do prof. Unger ou no discurso da profa. Nikki Giovanni, a mesma velha pretensão demencial dos cátaros e dos albigenses à pureza intocável, coroada pelo direito de condenar o universo.

Como ninguém conhece isso, a ordem dos tempos também fica invertida, as velhas reivindicações de heresiarcas assassinos aparecem como o cume do progresso e das luzes, a objeção racional às suas pretensões se torna “fanatismo” e “fundamentalismo opressor”.

***

Sobre os intelectuais ativistas, leiam, se puderem, estes dois livros:

(1) “A Traição dos Intelectuais”, de Julien Benda, trad. Paulo Neves, São Paulo, Editora Peixoto Neto, 2007. É tradução de “ La Trahison des Clercs”, um clássico de 1927 em que o filósofo judeu, um dos homens mais lúcidos que a França já produziu, denuncia a abdicação geral dos deveres da inteligência por parte de intelectuais ávidos de poder. O editor Peixoto Neto foi meu aluno. Não o vejo há muitos anos, mas não é errado um professor ter orgulho de seus ex-alunos quando estão fazendo um belo trabalho.

(2) “Le Socialisme des Intellectuels”, de Jan Waclav Makhaïski, trad. e ed. Alexandre Skirda, Les Éditions de Paris, 2001. Makhaïski, autor polonês que escrevia em russo, foi militante esquerdista e conheceu bem os meios revolucionários russos e internacionais no fim do século XIX. Das suas observações e experiências, tirou as seguintes conclusões: (1) a classe revolucionária efetiva não eram os proletários, mas os intelectuais; (2) eles não eliminariam o capitalismo, mas o modificariam até que ele começasse a trabalhar mais em proveito deles do que dos capitalistas. Batata. Não deu outra.

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