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A OEA, órgão do Foro de São Paulo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 20 de julho de 2009

A teoria de que o think tank democrata “Diálogo Interamericano” controla o Foro de São Paulo foi lançada pelo meu amigo José Carlos Graça Wagner no começo dos anos 90, uma época em que ninguém no Brasil – muito menos ele próprio – tinha uma visão clara do esquema globalista em ação nos EUA. O dr. Wagner foi o pioneiro nas investigações sobre o Foro de São Paulo, mas tão longe da realidade ele estava quanto a esse ponto em particular, que interpretava as ações do Diálogo em termos do interesse nacional dos EUA, acreditando que o apoio dado por aquela entidade à esquerda latino-americana visava a conter o fluxo da imigração ilegal que ameaçava a segurança interna daquele país. Transcorrida uma década e meia de apoio constante da esquerda democrata à abertura das fronteiras para os ilegais, essa hipótese deve ser considerada apenas um erro já longamente superado. Desenterrá-la é deixar-se hipnotizar por um fantasma.

Que houve colaboração entre o Diálogo e o Foro, não se pode negar. Pelo menos um encontro discreto entre representantes das duas entidades aconteceu em maio de 1993. O fato foi completamente ocultado pela grande mídia norte-americana e só saiu na edição cubana do Granma no dia 5 daquele mês. Como no ano passado eu recebesse dos arquivos do Dr. Graça Wagner um recorte parcial da matéria, pedi que um assistente meu buscasse o texto integral na Biblioteca do Congresso. A coleção completa do Granma estava lá: só faltava a edição de 5 de maio de 1993. A mesma lacuna observou-se em várias outras bibliotecas, alimentadas por aquele organismo central. Coincidência ou não, a então diretora da seção latino-americana da Biblioteca do Congresso era a mesma pessoa que havia organizado o encontro entre o Diálogo e o Foro quinze anos antes.

Por mais comprometedor que seja esse episódio, não se deve exagerar a sua importância, porque depois dele aconteceram tantos outros contatos diretos entre agentes globalistas de maior porte e representantes do Foro de São Paulo, e até mesmo das Farc, que as conversações de 1993 não podem ser vistas, hoje, senão como o vago começo de um flerte que já se estabilizou como casamento faz muito tempo. Mais ainda, esses contatos envolveram membros do CFR, Council on Foreign Relations, entidade todo-poderosa da qual o Diálogo Interamericano não passa de uma subestação retransmissora. Expliquei isso em artigo aqui publicado em 5 de junho de 2006.

Longe de representar uma expressão do poderio nacional americano (embora se utilize dele para seus próprios fins), o esquema globalista que protege a esquerda radical e o narcotráfico na América Latina tem o propósito declarado de quebrar a hegemonia dos EUA, facilitando a transformação da ONU em governo mundial. A eleição de Barack Obama, forçada por meio do controle absoluto dos meios de comunicação, que privou o eleitorado de informações essenciais sobre um candidato suspeitíssimo no qual jamais votaria se soubesse quem ele era, foi uma etapa importante do processo. Todas as medidas tomadas pelo presidente desde sua posse são perfeitamente coerentes com os objetivos de seus mentores: debilitar militarmente os EUA, destruir a economia nacional por meio do gasto público desenfreado e da inflação, desmantelar a resistência nacionalista (especialmente a direita religiosa), isolar Israel, favorecer a ascensão islâmica e proteger por todos os meios, inclusive os mais obviamente imorais, a esquerda radical na América Latina. Nunca um presidente norte-americano, com a modesta exceção de Jimmy Carter, foi tão coerentemente inimigo do seu país.

Sua mais recente iniciativa nesse sentido não poderia ser mais clara: condenando Honduras numa seção em que a parte acusada não teve o menor direito de defesa, a OEA consolidou-se como escritório de advocacia a serviço do castrochavismo, do narcotráfico e de tudo o que pode existir de mais anti-americano ao Sul do Rio Grande.

Mais realista do que os tagarelas iluminados da nossa mídia, ainda e sempre empenhados em camuflar as ações do Foro de São Paulo sob toneladas de desconversas anestésicas, a imprensa de Honduras foi direto ao ponto: informou que, pelos bons préstimos de Barack Obama, o Foro de São Paulo assumiu o controle da OEA.

Verás que um filho teu… Não, não verás

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 17 de julho de 2009

Como é possível que, menos de duas décadas após a dissolução da URSS, os partidos e movimentos de teor inequivocamente socialista, que então pareciam destinados à lata de lixo da História, podem ter avançado o bastante não só para dominar o continente latino-americano praticamente sem encontrar resistência, mas também para criar a campanha de ódio anti-americano mais bem sucedida de todos os tempos, ludibriando a opinião pública mundial ao ponto de fazer a guerra no Congo (quatro milhões de mortos até 2004) desaparecer sob a gritaria geral contra a guerra do Iraque?

Deslindar as causas efetivas do fenômeno é menos importante do que identificar e eliminar as condições ambientes que o possibilitaram, especialmente na medida em que foram criadas pelos adversários mesmo do socialismo, quer se denominem liberais ou conservadores.

A primeira dessas condições é a própria inexistência de uma “internacional de direita”, ou mesmo de direitas nacionais unificadas em cada país afetado pela ascensão da esquerda. A unidade do movimento esquerdista mundial é cada vez mais visível na harmonia geral das suas mensagens, no instantâneo apoio recíproco entre iniciativas geograficamente distantes entre si, na incrível coordenação entre as organizações mais díspares e aparentemente incompatíveis, na uniformidade dos slogans gritados em cinco continentes.

Do outro lado, até o mais poderoso movimento conservador do mundo – o americano – isola-se cada vez mais na esfera das questões nacionais e até regionais, sem nem pensar em assumir a luta fora do território americano.

Na América Latina, a incomunicação, incompreensão ou mesmo hostilidade entre os vários grupos inconformados com a dominação esquerdista bloqueia qualquer iniciativa maior – exceto na Colômbia e, quase paradoxalmente, na Venezuela – e vai cada vez mais reduzindo os partidos de direita à condição de auxiliares menores da “esquerda moderada”, na qual, com o auto-ilusionismo dos desesperados, acabam depositando e desperdiçando seu restinho de capital eleitoral, cada vez mais minguado.

Na verdade, o maior sonho dessas organizações não é lutar e vencer: é conquistar a benevolência do inimigo e ser dispensados da luta. Tanto que, quando alguém do seu lado as convida a lutar, elas imediatamente tratam de mandar às urtigas o “radical”, o “fanático”, ostentando isso em seguida, diante do trono real, como prova de “moderação” e “equilíbrio”, os novos nomes da subserviência, da acomodação e da covardia.

No Brasil, não há sequer uma militância liberal ou conservadora. Há apenas um eleitorado solto, esparramado e inerme, sem ter quem fale por ele, e milhares de jovens que, sem meios de ação, descarregam sua frustração e desesperança em blogs, isto quando não se estapeiam uns aos outros em fóruns de discussão, para maior alegria da esquerda triunfante.

Um globalismo cristianizado?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 10 de julho de 2009

Em qualquer texto doutrinário que vise a influenciar de algum modo a vida política, é preciso distinguir três níveis: (1) os princípios morais e políticos gerais proclamados ou implícitos; (2) a análise da situação concreta, e (3) as ações sugeridas ou apoiadas. No primeiro nível, a Encíclica Caritas in Veritate proclama a necessidade de fundar toda política social na caridade, e esta na verdade: “Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade é a luz que dá sentido e valor à caridade.” No segundo nível, oferece um diagnóstico totalmente falso das causas da presente crise econômica. No terceiro, sugere como remédio aos males da economia atual a intensificação e ampliação das mesmas causas que os determinaram. Por mais que eu respeite a pessoa do Papa e a santidade do seu ofício, não posso ver aí verdade nenhuma, nem portanto caridade, exceto se por esta palavra entendermos as boas intenções ineficazes que a própria Encíclica condena.

Desde logo, Bento XVI apresenta como causa fundamental dos problemas atuais a desregulamentação da economia e a redução das redes de segurança social, que trazem “grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os direitos fundamentais do homem e a solidariedade atuada nas formas tradicionais do Estado social.” Precisamente ao contrário, a ampliação desmesurada da previdência social – quase sempre forçada por meio dos mesmos argumentos agora usados por S. Santidade – foi que causou a falência do sistema bancário e, portanto, dos Estados que nele se apóiam. É verdade que “os sistemas de segurança social podem perder a capacidade de desempenhar a sua função”, mas não porque o mercado foi desregulamentado e sim porque lhes falta dinheiro para atender às exigências crescentes de ONGs ativistas, “movimentos sociais” e organismos internacionais, inclusive em favor da imigração ilegal. Quando Bento XVI oferece como solução para a crise econômica o aumento do poder regulador desses organismos, ele esquece que esse poder já veio crescendo, nas últimas décadas, ao ponto de impor a muitos países obrigações sociais que sua economia não suporta.

Por outro lado, é claro que muito do falatório liberal em favor da “abertura dos mercados” não veio de nenhum amor sincero ao liberalismo econômico, mas como expediente maquiavélico para debilitar os Estados nacionais e transferir sua soberania a organismos globais controladores, de modo que tanto as vantagens quanto as desvantagens daquela abertura concorressem igualmente para o acréscimo do poder da elite globalista.

Os beatos de sempre vão assegurar-nos, é claro, que a nova Encíclica não é um manifesto de apoio ao governo global. O texto mesmo dá-lhes o desmentido formal: “Para sanar as economias atingidas pela crise, … urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial” investida de “poder efetivo”. Como modelo dessa autoridade, S. Santidade sugere… o Estatuto das Nações Unidas! Publicada com poucos dias de antecedência da nova reunião dos líderes do G-8, que já proclamam a necessidade de adotar em escala mundial uma política de “estímulos” como a implantada pelo presidente Barack Obama nos EUA, qual outro efeito real pode ter essa Encíclica senão o de um incentivo legitimador a que esses indivíduos façam precisamente o que querem fazer? Se, enquanto isso, o desemprego que Obama prometia eliminar cresce a olhos vistos, levando o próprio vice-presidente Joe Biden a confessar que a política alegadamente salvadora se baseou numa interpretação errada da economia, isso não impede S. Santidade de endossar como certa essa mesma interpretação errada e de sugerir que a solução fracassada seja ampliada em escala mundial.

A obstinação dos altos círculos católicos na idolatria do “controle global” não vem de hoje. Como o próprio Bento XVI reconhece, “depois da queda dos sistemas econômicos e políticos dos países comunistas da Europa Oriental,… na seqüência dos acontecimentos do ano 1989, o Pontífice (João Paulo II) pediu que o fim dos ‘blocos’ fosse seguido por uma nova planificação global do desenvolvimento, não só em tais países, mas também no Ocidente.” Ou seja, do fracasso total do maior experimento de economia planificada já tentado neste mundo, João Paulo II concluía que era preciso mais planificação ainda, e de dimensões globais.

Não se trata, aqui, de fazer a apologia abstrata da liberdade de mercado. É verdade que a modéstia na intervenção estatal coincide universalmente com a prosperidade (o Índice de Liberdade Econômica do Hudson Institute prova isso ano após ano), mas, como já tenho explicado dezenas de vezes, em geral essa liberdade vem hoje articulada a um projeto político que só a expande em escala local para melhor estrangulá-la no plano mundial. Nenhuma referência a essa maliciosa articulação de estratégias se vê na Encíclica de Bento XVI. Reconhecendo embora o poder criativo do livre mercado, o Papa não só faz a apologia do maior controle burocrático, mas sugere que dele participem as entidades da “sociedade civil”, como se não tivesse sido justamente a pressão dessas entidades – quase sempre apoiadas num discurso enganosamente cristão e subsidiadas pela elite globalista – que levou à destruição do sistema bancário.

Se, em aparente compensação, Bento XVI exorta os planificadores globais a orientar suas ações num sentido cristão, ele não fornece nem a mais mínima sugestão prática de como realizar essa cristianização do globalismo. A proclamação dos valores cristãos paira no céu das generalidades abstratas, enquanto, no plano da ação prática, só o que se sugere é a ampliação dos controles globais. Sem conexão com as medidas efetivas sugeridas, o apelo à verdade e à caridade funciona, nesse documento, tão-somente como um adorno retórico, embelezando um programa político que não tem com ele a menor conexão lógica e que oferece, como solução do mal, a ampliação das causas que o geraram. Os líderes do G-8 estão livres para brandir a Encíclica Caritas in Veritatecomo um poderoso argumento em favor de políticas que já haviam escolhido de antemão.

Para piorar formidavelmente as coisas, é público e notório que o poder globalista em expansão, longe de se inspirar no que quer que seja de genuinamente cristão, tem como um de seus objetivos professos – intimamente associado às suas políticas econômicas – a implantação de uma religião universal biônica, na qual a Igreja Católica, expurgada de seus elementos tradicionalistas, se integre como um instrumento dócil da maior farsa espiritual já tentada no universo (v. documentação cabal em Lee Penn, False Dawn. The United Religions Initiative, Globalism and the Quest for a One-World Religion, Hillsdale, NY, Sophia Perennis, 2004). Ao longo do texto, Bento XVI esperneia, aqui e ali, contra o relativismo e a descristianização, como se estes males viessem do ar e não do mesmo establishment globalista cujo poder ele procura expandir.

O dilema em que esse documento coloca os católicos é temível: deverão eles, por obediência ao Papa, colaborar com o fortalecimento do mesmo poder global que os estrangula e vai tornando inviável o exercício público da sua fé, ou, ao contrário, devem voltar-se contra o Sumo Pontífice, aprofundar ainda mais a divisão na Igreja e dar munição à campanha mundial anticatólica? Qualquer das duas alternativas é inaceitável. Enquanto os conservadores e cristãos não aprenderem que não é possível fazer face ao inimigo simplesmente “tomando posição” contra ou a favor disto ou daquilo, não haverá esperança para a humanidade senão a de adaptar-se servilmente a controles globais cada vez mais opressivos e anticristãos. A estratégia do inimigo não é linear: ela é dialética. Ela articula forças contrárias, fazendo-as trabalhar pelo sucesso da síntese global. O que é preciso não é combater propostas isoladas – favorecendo na esfera cultural o que se abomina na da política, ou cedendo na economia aquilo que se pretende defender na esfera cultural –, mas compreender a lógica total do “sistema do Anticristo” e oferecer-lhe resistência integral, tão articulada quanto a estratégia de que ele se serve.

A rejeição categórica do diagnóstico econômico e das soluções propostas pelo Papa Bento XVI deve, portanto, vir junto com o apoio mais decidido aos valores gerais que ele proclama. E a melhor maneira de fazer isto é mostrar que esses valores vão no sentido precisamente oposto ao dos remédios que ele propõe.

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