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A Colômbia que o Brasil não conhece

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 18 de junho de 2010

BOGOTÁ — Em 6 de novembro de 1985, terroristas do grupo M-19 financiados pelo narcotraficante Pablo Escobar invadiram o Palacio da Justiça em Bogotá, mataram a tiros dezenas de pessoas, atearam fogo aos arquivos (Escobar tinha boas razões para isso) e, montaram um arremedo de tribunal, exigindo que o presidente Belisario Betancur se apresentasse para ser julgado por crimes de natureza um tanto evanescente.

A chamado do presidente, tropas do exército colombiano derrubaram com tanques brasileiros Cascavel e Urutu as portas do edifício, mataram alguns terroristas, prenderam outros e libertaram 240 reféns, enquanto outros noventa morriam entre as chamas e os tiros e o edifício se reduzia a um amontoado de destroços e cadáveres.

Como, no entanto, três cadáveres tinham marcas de balas 9 mm. e nenhuma arma desse calibre se encontrasse entre os terroristas presos ou mortos, logo a mídia, a eterna mídia, começou a alardear que tinham sido seqüestrados pelos militares, assassinados e depois jogados de volta aos escombros. O fato de que entre os militares também não se encontrassem armas de 9 mm. não alterou em nada essa conclusão altamente científica, subscrita logo em seguida por um treco autodenominado “Comissão da Verdade”.

Embora ninguém soubesse o número exato de pessoas que estavam no edifício, a Comissão e outras entidades boníssimas deram por falta de onze reféns e logo concluíram que se tratava de “desaparecidos”, isto é, vítimas invisíveis da crueldade militar. O fato de que entre os cadáveres carbonizados restassem onze não identificados não foi eloqüente o bastante para sugerir aos comissários da verdade a hipótese de que os desaparecidos talvez não tivessem desaparecido de maneira alguma. Tampouco lhes passou pela cabeça a idéia de perguntar por que os militares, se tinham devolvido três cadáveres aos escombros, haveriam se esquecido de fazer o mesmo com outros onze e apagar as pistas do crime por inteiro em vez de fazê-lo apenas com uma fração delas.

A crença geral, consolidada pela repetição quase diária ao longo desse período, é que, sob o comando do malvado coronel Luís Alfonso Plazas Vega, os onze infelizes, entre os quais só uma terrorista (os outros eram garçons e garçonetes do bar do Palácio), foram levados à Escola de Cavalaria, abatidos a tiros e depois transmutados em antimatéria ou enterrados em lugar incerto e não sabido.

A principal testemunha que disse tê-los visto ser transportados à Escola e assassinados foi o cabo de Exército Tirso Sáenz, que, na ocasião, cumpria pena por vários crimes, entre os quais — vejam vocês — falso testemunho. Em 1986 essa criatura angélica enviou à justiça um depoimento escrito que os magistrados, em relatório oficial, impugnaram como absolutamente desprovido de confiabilidade, já que o depoente estava na cadeia e só em pensamento chegara perto do Palácio da Justiça.

Um segundo testemunho importante foi o do cabo Edgar Villamizar, que, estando em outra cidade, não poderia ter visto nada na Escola de Cavalaria, mas afirmou ter sido transportado à Escola, às pressas, num helicóptero do Exército. Detalhes: (1) O Exército colombiano, em 1985, não tinha helicópteros. (2) Villamizar nunca foi interrogado. Seu testemunho só apareceu num papel encontrado na Escola de Cavalaria em 2006, onde sua assinatura está manifestamente falsificada, com o nome de “Edgar Villareal”. (3) Seus companheiros de unidade de infantaria afirmam tê-lo visto na cidade de Granada, província de Meta, no dia da invasão do Palácio. Ariel Valdez, comandante da unidade, disse que ninguém do seu batalhão participou das operações em Bogotá. Só viram os acontecimentos pela TV.

Terceiro testemunho: o auxiliar de polícia Ricardo Gámez disse ter participado da operação de resgate e lá ouvido o coronel Plazas ordenar o seqüestro dos reféns. Mas não participou de operação nenhuma pois havia desertado da polícia em 1979.

Pois bem, segunda-feira passada, decorrido um quarto de século dos combates, a juíza Maria Stella Jara condenou o coronel Plazas Vega a trinta anos de prisão, pelo alegado assassinato dos onze desaparecidos. Os principais argumentos em que se fundou a sentença condenatória foram os depoimentos de Sáenz, Villamizar e Gámez, além de um vídeo, fartamente exibido pela TV durante anos, no qual, segundo se dizia, uma “desaparecida”, Cristina Pilar, era conduzida pelos soldados à Escola de Cavalaria – o que seria um sério elemento de prova se já não estivesse impugnado pelo depoimento de Maria Nelfi Diaz, a qual, viva e em boa saúde, declarou que quem aparecia no vídeo era ela e não Cristina Pilar. O testemunho de Maria Nelfi, prestado duas vezes ante as autoridades, foi simplesmente suprimido dos autos, sem que se permitisse à defesa reinseri-lo. Para piorar, o coveiro do Cemiterio del Sur, em Bogota, informou ter sepultado em 1986 o cadáver de Cristina Pilar, morta muito depois dos combates. Seu depoimento não foi levado em conta. Também foi suprimido o dos soldados que tinham visto Villamizar longe do Palacio no dia dos combates. Muito menos entrou nos autos um segundo documento firmado pelo cabo Sáenz, que confessava ter recebido da promotoria a oferta de “vantagens judiciais e financeiras” para firmar o depoimento mentiroso. A juíza Maria Stella não podia ignorar este segundo depoimento, pois fora dirigido a ela pessoalmente e noticiado no programa do jornalista Fernando Londoño na Rádio Super, de grande audiência.

Outro simulacro de prova alegado pela juíza foi uma gravação em fita, supostamente encontrada na casa do coronel Plazas, em que dois generais, em conversa informal, endossavam a versão que o incriminava. Mas no julgamento não apareceu gravação nenhuma, embora a defesa clamasse pela sua apresentação. Só o que se mostrou foi uma transcrição, não se concedendo à defesa a menor chance de averiguar sua confiabilidade. Qualquer semelhança com os Processos de Moscou não é mera coincidência.

Os onze cadáveres não identificados em 1985, que bem podem ser os dos desaparecidos jamais desaparecidos, ficaram guardados numa geladeira na Universidade Nacional de Bogotá (entidade repleta de simpatizantes do M-19). Segundo a Rádio Caracol de Bogotá anunciou em 24 de fevereiro de 2010, quatro deles já foram identificados, o que, somado o corpo de Cristina Pilar, reduz os onze desaparecidos a seis. Não se sabe quantos dos demais cadáveres constam do laudo. Os advogados do coronel pediram uma cópia, mas a Universidade, em vez disso, entregou o relatório à juíza Maria Stella, que até o fim do processo vetou obstinadamente o acesso dos advogados ao documento. Dos cinco “desaparecidos” restantes, uma já apareceu viva na televisão, sem que isso alterasse no mais mínimo que fosse a sua condição oficial de desaparecida, outra já foi entregue a seus familiares pela Universidade, e de três outros o Exército indica reiteradamente os lugares onde estão sepultados, sem que a juíza Maria Stella tenha revelado jamais qualquer interesse em exumá-los. Quantos desaparecidos sobram? Nenhum. O coronel foi condenado por um crime que, pela lei das probabilidades, jamais aconteceu.

Não obstante, a mídia, é claro, celebrou a sentença como “um acontecimento histórico”. Nem toda empulhação é perfeita: até o jornal El Tiempo, que entrou entusiasticamente no coro, não conseguiu reprimir a pergunta: Por que condenar logo o coronel Plazas, se havia tantos outros oficiais no edifício e se precisamente ele se limitara a coordenar a invasão do primeiro andar pelos tanques, sem jamais se aproximar do quarto piso, onde estavam os reféns e, portanto, os “desaparecidos”?

A resposta compõe-se de dois itens, um já velho, outro novo e de ocasião.

Primeiro. O coronel Plazas é o oficial de Exército mais odiado pelas organizações terroristas e seus amigos e cúmplices, pois comandou várias operações contra elas e, em material apreendido, lhes deu um prejuízo que sobe a muitos bilhões de pesos. Anos atrás já tentaram destruir sua carreira mediante acusações de corrupção, trombeteadas em acordes monumentais pela mídia inteira. A absolvição do acusado pelos tribunais não foi jamais noticiada.

Segundo. O processo tardio dos “desaparecidos”, reaberto à força por instigação padre comunista Javier Giraldo, vinha se arrastando e bem poderia arrastar-se um pouco mais. Até deveria fazê-lo. Não é muito ético, nem muito menos educado, soltar uma sentença judicial contra o governo em plena semana de eleições. Mas, como no primeiro turno o candidato das esquerdas (apoiado pelo M-19), Antanas Mockus, tivera apenas 21 por cento dos votos em face dos 45 por cento dados ao candidato governista Juan Manuel Santos, a juíza Maria Stella achou que estava na hora de dar ao mundo um exemplo de idoneidade judicial sublime, disparando uma condenação espetacular sobre o coronel Plazas e, ato contínuo, retirando-se para a Alemanha sob aplausos gerais, lágrimas de comoção e forte escolta policial-militar, porque, embora sem a mais mínima prova, dizia que sua vida, ameaçada pelos militares, estava por um fio. Quanto heroísmo, porca miséria!

Poucos dias depois, o governo deu o troco aos terroristas e seus entusiastas, resgatando numa operação arriscadíssima quatro militares que estavam presos nas masmorras das Farc fazia doze anos. As Farc, quase tão corajosas quanto a juíza Maria Stella, anunciaram pela voz de seu comandante Jorge Briseño, o “Mono Jojoy”, que, em represália, vão fuzilar quarenta de seus próprios militantes, acusados de incompetentes. Ante o anúncio, os incompetentes, mui competentemente, deram no pé e ninguém sabe onde estão.

Quanto ao coronel, não apenas foi condenado sem direito de defesa por um crime provavelmente imaginário, mas, doente, foi retirado do hospital pelas autoridades e transferido à mesma prisão onde se encontram muitos dos narcotraficantes que ele prendeu. É, com toda a evidência, uma sentença informal de morte, como a que Davi, na Bíblia, lavrou contra seu concorrente Urias. A grandeza de alma da justiça colombiana é uma das maravilhas do mundo.

Nada disso foi noticiado no Brasil. Vejam a cena abjeta da transferência do coronel em http://www.youtube.com/watch?v=6S9Oa156VAY.

A periculosidade do inexistente

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 14 de junho de 2010

Sob o comando da organização marxista ironicamente denominada Free Press, e fortemente nutrido com subsídios de George Soros, o recém-fundado site www.StopBigMedia.com professa destruir as grandes empresas de jornalismo e substituí-las por uma “mídia democrática” governamental baseada na “diversidade” e empenhada em “dar voz às minorias”.

Já ouvimos ameaça semelhante no Brasil, com a diferença de que veio diretamente do governo. Nos EUA é preciso agir com mais cautela: a Free Press não é uma agência oficial, apenas tem boas amizades nos altos círculos do governo Obama.

A pergunta que os observadores atentos farão à primeira vista é: Por que haveria o presidente americano de querer a extinção das instituições que o colocaram no poder, que defendem de unhas e dentes cada uma das suas políticas e que atacam com ferocidade inaudita quem quer que ouse investigar a sua vida pregressa e as suas inumeráveis alianças comprometedoras?

Mutatis mutandis, por que teria a esquerda brasileira desejado demolir os templos onde seus próprios ídolos são cultuados com tanta devoção e onde seus inimigos são queimados vivos em emocionantes autos-da-fé montados contra “a extrema direita”, “o fundamentalismo religioso”, “o fascismo”, “o racismo” e não sei mais quantas criaturas do demo, entre as quais este humilde colunista?

A resposta é simples: seguir ao mesmo tempo duas ou mais linhas de ação contraditórias, confundindo a platéia e premoldando todas as opiniões em disputa nos debates públicos, é, pelo menos desde a Revolução Francesa, um dos preceitos estratégicos fundamentais e incontornáveis da esquerda mundial.

Os salões elegantes do século XVIII eram ao mesmo tempo o viveiro onde as idéias revolucionárias germinavam entre o beautiful people e o exemplo de vida opulenta e fútil das classes dominantes, apontado às massas pelos agitadores de rua como prova da urgente necessidade de um morticínio redentor.

Com a mídia, e não é de hoje, acontece a mesma coisa: é preciso ao mesmo tempo dominá-la desde dentro, fazendo dela um instrumento pretensamente neutro e insuspeito para dar apoio a causas esquerdistas selecionadas nos momentos decisivos, e denunciá-la desde fora como “arma ideológica da classe dominante”.

Diante desse espetáculo, queda inerme e atônita a mente linear e rotineira do cidadão comum, que só entende a luta política como confronto explícito de ideologias prontas – ou, o que é ainda pior, imagina que os movimentos ideológicos desapareceram do cenário histórico tão logo os perfis deles se confundem um pouco ante o seu olhar turvo e rombudo de boi no pasto.

Por meio desse artifício, é possível operar de maneira brutalmente rápida, eficaz e quase imperceptível um giro completo no leque das opções políticas, levando precisamente àquele estado de coisas que temos hoje no Brasil: a parte mais branda da esquerda torna-se a única direita possível e, enquanto disputa cargos amigavelmente com os velhos companheiros de ideologia aos quais prestou esse gentil serviço, está madura para ser denunciada por eles mesmos como conservadora, reacionária e ultradireitista, amargando em silêncio a queixa de ingratidão que, se expressa em voz alta, denunciaria o esquema todo.

A ambigüidade premeditada da situação traduz-se em declarações dúbias e paradoxais que proclamam ao mesmo tempo a inexistência e a periculosidade do inimigo: de um lado, o sr. Presidente da República celebra a completa exclusão de candidatos de direita no próximo pleito; de outro, seu partido promete fazer das tripas coração para esmagar a direita nas urnas.

Israel ante o poder global

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 8 de junho de 2010

O episódio do navio turco em Israel resume-se em dois termos: “factóide” e “guerra assimétrica”. Seria a marinha turca tão despreparada, tão ingênua, tão pueril ao ponto de ignorar que nenhum governo do mundo jamais deixaria um navio estrangeiro desembarcar toneladas de caixas numa zona em conflito sem examiná-las primeiro? Sobretudo depois que os mediadores israelenses foram recebidos a socos e pontapés, por que deveria o governo de Tel-Aviv aceitar a priori a hipótese de que o conteúdo das caixas fosse algo de tão inocente quanto bolinhos de bacalhau ou picolés de abóbora? É com base nesta hipótese maluca, teatral, fingida até o último limite de desespero, que a tal “opinião pública mundial” se desfaz em lágrimas de cólera contra a ação israelense.

O significado do caso vai, no entanto, muito além do de mais uma encenação patética de autovitimização palestina. Muitos estudiosos do poder global, inclusive alguns bem honestos, asseguram que o establishment bancário europeu e anglo-americano tem no Estado de Israel um dos seus principais instrumentos de ação imperialista para a conquista do poder sobre todo o orbe planetário. A hipótese parece razoável à primeira vista, tendo-se em conta a elevada presença de judeus nos altos círculos do globalismo, mas ela recebe um desmentido cabal e flagrante quando se observa a atuação da mídia internacional nos vários conflitos que envolvem Israel. Afinal, um bilionário ter nascido judeu não faz dele automaticamente um patriota israelense ou um amigo dos demais judeus, como o sujeito ter nascido americano não faz dele um discípulo fiel dos Founding Fathers. A mídia é o instrumento supremo de ação das elites globalistas sobre a opinião pública. Daniel Estulin demonstrou, em “A Verdadeira História do Grupo Bilderberg”, que hoje em dia a grande mídia da Europa e dos EUA está concentrada nas mãos de uns poucos grupos globalistas. Se Israel estivesse a serviço desses grupos, o que veríamos nos jornais e canais de TV seria a defesa incondicional dos interesses israelenses mesmo quando fossem injustos e prejudiciais ao resto do mundo. Na realidade, o que se vê é precisamente o contrário: façam os judeus o que fizerem, eles são sempre os errados, os malvados, os imperialistas, os agressores. A guerra de ocupação cultural muçulmana no Ocidente, em contrapartida, é invariavelmente pintada com as cores mais inocentes e comovedoras, como se a imposição arrogante da shariah e do poder islâmico na França, na Alemanha ou na Inglaterra fosse apenas uma questão de proteger imigrantes desamparados e inermes. Diante de cada confronto espontâneo ou fabricado, a reação pró-islâmica e anti-israelense da classe jornalística mundial é sempre imediata, unilateral e sem o mais mínimo exame crítico. A duplicidade de critérios com que aí são julgados os contendores mostra que a cobertura desses episódios, em praticamente todos os países e idiomas, já foi muito além do mero viés jornalístico e se transformou numa arma de guerra assimétrica. Ela tem a constância automática da obediência a um programa de ação previamente decidido. E quem o decidiu, senão os que têm os meios de fazê-lo, os donos da geringonça midiática? Se Israel tivesse a seu lado o esquema globalista, teria também a mídia internacional, mas esta é de fato o seu principal e mais odiento inimigo. Longe de ser instrumento de um projeto mundial de poder, Israel é hoje quase uma nação pária, como Honduras, a Colômbia, Uganda ou o Estado americano do Arizona, carregando, como eles, a culpa de tomar decisões independentes em favor de seu povo em vez de auto-sacrificar-se masoquisticamente no altar da Nova Ordem Mundial, como o fazem as nações européias.

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