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Checando biografias

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 11 de setembro de 2008

Enquanto nos EUA, no Brasil e no mundo a grande mídia esquerdista (desculpem a redundância) vasculha a biografia de Sarah Palin nos seus mínimos detalhes, trazendo ao público as revelações chocantes de que ela pertence à Igreja Pentecostal, de que sua filha transou com o namorado e de que (acrescenta a pérfida Ann Coulter) seu cabelereiro teve uma multa de trânsito em 1978, nada, absolutamente nada aí se conta a ninguém sobre alguns episódios da vida de Barack Hussein Obama, decerto irrisórios e desprovidos de qualquer alcance político, não é mesmo? Eis oito exemplos:

1. Ele foi admirador e companheiro de protestos do pastor Louis Farrakhan, aquele segundo o qual “o judaísmo é a religião do esgoto”. Isso faz tempo, mas depois de eleito senador ele deu 225 mil dólares em verbas federais à igreja de seu amigo Michael Pfleger, onde Farrakhan é um dos mais freqüentes e aplaudidos pregadores convidados.

· Pfleger, ainda mais radical que Jeremiah Wright: http://www.youtube.com/watch?v=LjJlsGrlbUs

2. No Quênia, ele deu apoio eleitoral a um agitador que depois organizou a destruição de trezentos templos cristãos e o assassinato de mais de mil fiéis, cinqüenta deles queimados vivos numa igreja, sem que Obama viesse a dizer uma só palavra contra essa gentil criatura.

3. Ele disse que o terrorista William Ayers (da quadrilha do “Homem do Tempo”) era apenas um seu vizinho com quem jamais conversava de política, mas depois se descobriu que ele e Ayers dirigiram juntos uma ONG que coletou 72 milhões de dólares para movimentos de esquerda, sendo um interessante exercício intelectual conjeturar como puderam fazer isso sem falar de política.

4. Neste preciso momento ele responde na Pensilvânia a um processo de falsidade ideológica, por ter apresentado a seus eleitores uma certidão de nascimento obviamente forjada. A verdadeira, se existe, até hoje não apareceu, e o beautiful people da mídia não releva o menor interesse em conhecê-la.

· Processo contra Obama: www.obamacrimes.com

5. Embora ele diga que sempre foi cristão, todos os seus colegas e professores de escola primária, bem como seu meio-irmão e sua meia-irmã, afirmam que ele era muçulmano na época em que ali estudava.

6. Por duas décadas ele freqüentou semanalmente uma igreja que alardeava a “teologia da libertação” mais escancaradamente comunista e anti-americana, e depois disse que não tinha a menor idéia do conteúdo do que ali se pregava.

7. Não é só sobre suas origens ou sobre sua religião que Obama cultiva segredos. Também não é só sua certidão de nascimento autêntica que continua inacessível. Embora gabando-se de sua carreira em Harvard, ele se recusa a mostrar o histórico de seus estudos universitários. Os fofoqueiros maldosos dizem que ele tem vergonha de mostrar suas notas baixas (talvez ainda mais baixas que as de George W. Bush, Al Gore e John Kerry), mas agora se sabe que ele tem um motivo mais forte para encobrir os detalhes da sua passagem por Harvard: seus estudos ali foram pagos por Donald Warden, um americano que, islamizado sob o nome de Khalid Abdullah Tariq al-Mansour, veio a se tornar um dos mentores do grupo terrorista Panteras Negras, fund-raiser para a organização pró-terrorista African-American Association e autor de um livro segundo o qual o governo americano planeja matar todos os negros.

8. Em cinco campanhas eleitorais, o mais ativo coletor de fundos para Obama foi o vigarista sírio Tony Rezko, condenado por dezesseis crimes. Uma vez no Senado, Obama retribuiu com dinheiro público a gentileza, convencendo vários prefeitos a investir um total de 14 milhões de dólares num projeto imobiliário do malandro.

Os brasileiros não saberão de nada disso assistindo ao “Jornal Nacional”, nem os americanos à CNN. Ante as acusações gerais de que John McCain não checou direito a biografia de Sarah Palin, o colunista Don Feder sugere que a de Obama, por sua vez, foi checada meticulosamente – por uma comissão integrada por Forrest Gump, o Inspetor Clouseau e o Agente 86, Maxwell Smart. E, quando Obama comete um lapsus linguae, dizendo “minha fé muçulmana” em vez de “minha fé cristã”, todas as almas santas do esquerdismo mundial se revoltam ante as insinuações, vindas de maldosos direitistas, de que isso possa significar alguma coisa. Eu mesmo sou tão perverso que cheguei a me perguntar se Obama não trocava os pés pelas mãos justamente por ser muito difícil, até para um ator tarimbado, exibir-se como um pavão no poleiro e ao mesmo tempo esconder-se como um rato na toca.

Mas Obama nem precisaria ser tão escrupuloso na camuflagem. A mídia esconde tudo por ele – para quê preocupar-se em vão ao ponto de ficar nervoso e atrapalhar-se no discurso? Afinal, que são os pequenos deslizes do candidato democrata em comparação com a gravidez solteira de Bristol Palin? Toda a esquerda chique, que sempre batalhou pela “liberação sexual da juventude”, está hoje escandalizada, chocada, perplexa ante essa semvergonhice incomum, sem dúvida um risco maior para a segurança dos EUA no caso de Sarah Palin chegar à vice-presidência. Com o detalhe especialmente elucidativo de que, uma vez desencadeada a campanha de ataques à devassidão abominável da família Palin, essa mesma onda é explicada retroativamente como fruto do moralismo reacionário dos americanos e assim transfigurada num argumento fulminante contra a eleição de candidatos conservadores.

***

P. S. – Já habituado a apostar contra a classe jornalística e ganhar sempre (se eu botasse dinheiro nisso estaria milionário), fui o único correspondente brasileiro nos EUA a anunciar, com antecedência de duas semanas, que Sarah Palin era o nome mais provável para a candidatura à vice-presidência na chapa McCain. A mídia nacional inteira cumpriu fielmente, como sempre, seu dever de chutar e errar. Quem mais caprichou foi o correspondente do Estadão, que fez uma lista de dez – não dois ou três, mas dez – vicepresidenciáveis, e nenhum deles era Sarah Palin.

 

O filósofo predileto dos incapazes

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 6 de setembro de 2008

Fazendo eco ao consenso da intelectualidade esquerdista, o Nouvel Observateur apresenta Alain Badiou como “l’un des plus grands noms de la philosophie mondiale”. Mas é óbvio que ele não é um filósofo de maneira alguma, apenas um demagogo comunista da mais baixa espécie, uma reencarnação atrofiada do pior Jean-Paul Sartre, sendo aplaudido como filósofo justamente por isso. Nada caracteriza mais acentuadamente a mídia mundial desde os anos 60 do que seu ódio visceral à filosofia, sua necessidade compulsiva de substituí-la por algum simulacro idiota apropriado à política do dia. Na primeira década do século XX, os jornais aceitavam como filósofos representativos aqueles que os estudiosos de filosofia apontassem como tais. Depois a mídia adotou seus próprios critérios e, em vez de divulgar a alta cultura, passou a moldá-la a seu belprazer. Foi aí que tipos como Badiou se tornaram filósofos eminentes, enquanto a filosofia de verdade virou um segredo esotérico, reservado a um pequeno círculo de highbrows.

Tal como Sartre, Badiou não toma como ponto de partida uma pergunta, uma dúvida, um desejo de esclarecimento e fundamentação, mas a expressão histérica de uma preferência dogmática injustificada e injustificável, recobrindo-a em seguida de floreios retóricos tecidos com vocabulário filosófico, mas carentes do mínimo senso analítico e autocrítico que precisariam para ser admitidos até mesmo como trabalhos escolares de filosofia.

O dogma essencial da doutrina Badiou é aquele alardeado por Jean-Paul Sartre: “Todo anticomunista é um cão.” Se me ocorre a idéia de que todo comunista é uma hiena, não tomo isso como premissa, mas como mero resumo figurativo de exposições históricas fartamente documentadas e análises críticas que não deixam margem para nenhuma conclusão mais suave. O dogma de Sartre-Badiou, ao contrário, é um aviso pregado na porta para informar aos visitantes que qualquer tentativa de análise crítica será repelida mediante gritos de horror. A fuga à análise crítica, em Sartre, era puro fingimento maquiavélico, mas em Badiou ela expressa uma genuína incapacidade. Sartre, quando se fazia de fanático, tinha para isso um pretexto intelectualmente sofisticado: sua teoria do primado da existência sobre a essência justificava tomadas de posição irracionais como um esforço para “existir” – numa linha bem parecida, no fundo, com o arbitrário “decisionismo” de Carl Schmitt, que justificava as políticas do Führer com a mesma cara-de-pau com que o autor de A Náusea justificava as de Stalin, tornando-se nauseabundo ele próprio. Badiou não precisa de nada disso. Sua adesão passional ao comunismo é um princípio autofundante, desnecessitado de qualquer justificação, mesmo simulada. É o axioma fundamental, e dele deduz-se tudo o mais que o tagarela incansável venha a dizer sobre o que quer que seja.

Numa de suas mais célebres conferências (v. http://alainindependant.canalblog.com/archives/2007/11/11/6847208.html), ele toma o comunismo como “uma hipótese” em vias de realização – e, com a habilidade filosófica de um mau aluno de ginásio, compara as belezas dessa hipótese, não à hipótese contrária, democrático-capitalista, porém às más qualidades reais que ele crê enxergar no capitalismo existente, ao passo que os males do comunismo real não precisam entrar na comparação porque a hipótese – por hipótese – já os absorveu e santificou nas suas futuras belezas hipotéticas. A estrutura do raciocínio, em si, é a de um fingimento histérico que tenta camuflar sua própria irracionalidade mediante invectivas furiosas que dissuadem o ouvinte de cobrar do pretenso filósofo os deveres mínimos da racionalidade filosófica. Admito que seja uma técnica, mas é uma técnica de charlatão.

Mais charlatanescamente ainda, ele condena a violência policial sangrenta do regime soviético não por ser imoral em si, mas por “não ter conseguido salvar da inércia burocrática” o regime comunista. Ele apela, sob esse ponto de vista, à doutrina de Mao Dzedong segundo a qual “o movimento” deve prevalecer sobre a hierarquia estática do Partido. Reconhecendo que esta teoria também descambou em violência, ele se esquece de observar que foi violência três ou quatro vezes maior que a dos soviéticos, revelando-se um remédio mais letal do que a doença e desqualificando-se, ipso facto, como crítica válida ao descalabro soviético. Empinando o narizinho para fazer-se de moralmente superior ao “comunismo de Estado” soviético, ele faz a apologia do maio de 68, quando “a sociedade civil”, em vez do Partido, tomou a iniciativa de tentar estrangular a burguesia. Mas no regime soviético quem mandava não era o Estado, era o Partido, do qual o Estado era apenas um instrumento maleável. E que é a “sociedade civil organizada” senão a versão renovada, gramsciana, do Partido? Em suma, contra os males do Partido, Badiou sugere como remédio… o Partido.

A coisa é de um primarismo digno do dr. Emir Sader, e não é de espantar que ela termine pela proclamação de um inalterado amor irracional àquilo que não se pode justificar racionalmente.

Comparar ideais com ideais, fatos com fatos, e não os belos ideais de um lado com os fatos supostamente deprimentes do outro, é o princípio elementar, já não digo da filosofia, mas de qualquer atividade intelectual, mesmo rudimentar, que se pretenda honesta. Esse preceito está infinitamente acima da capacidade de Alain Badiou. Por isso mesmo é que entidades dedicadas à imbecilização universal, como o são hoje em dia os órgãos da grande mídia, o consagram como um eminente filósofo. Ele é o filósofo daqueles que, por inépcia congênita ou safadeza adquirida, estão condenados a jamais saber o que é filosofia.

 

Da estupidez auto-infligida

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 8 de agosto de 2008

A sã inteligência humana é como a boa poesia: é difícil dizer o que ela é, mas pode-se mostrar o que ela não é. Isso é assim não só porque o contraste desperta a intuição quase que automaticamente, poupando horas de explicações aproximativas, mas porque o número de maus exemplos é bem grande. Um fenômeno que se pode ilustrar com a maior facilidade – pois seu repertório de amostras é praticamente inesgotável – é que, onde entra a inversão revolucionária, mesmo em dose mínima, a inteligência se retrai e definha até ao ponto de desaparecer quase por completo. Pessoas que a natureza dotou de um cérebro normal e até de um QI apropriado aos mais altos vôos do espírito acabam, pela força do hábito culturalmente absorvido, descendo ao nível de uma estupidez anfíbia, incapazes de erguer os olhos para enxergar o lodaçal de vexames intelectuais em que rastejam.

O raciocínio de analogia, por exemplo, é um dos mais simples que existem, um dos primeiros que uma criança aprende. Praticamente todos os conhecimentos humanos nascem de alguma analogia, que, abrindo para o observador um leque de relações e articulações possíveis, lhe indica o caminho para transitar das meras semelhanças à identidade, aos nexos efetivos entre coisa e coisa. Só que, para isso, a analogia tem de ser razoável em si mesma, apropriada às formas e proporções do fato descrito. Uma analogia não é mera semelhança, é uma articulação lógica de semelhanças e diferenças. Semelhanças, até um protozoário percebe. O que um protozoário não pode fazer, o que nem animais relativamente hábeis como um gato ou um chimpanzé podem fazer, é notar que duas coisas são idênticas e diferentes ao mesmo tempo, conforme os vários ângulos abstrativos por onde se examinem. A capacidade de fazer isso, e de fazê-lo com grande exatidão, é uma das marcas distintivas da inteligência humana, é não só essa capacidade é uma das primeiras que se revelam nas crianças, como sua perda ou atrofia posterior é um desastre imensurável, capaz de arruinar os melhores cérebros ao ponto de condená-los à inépcia mais deplorável.

A propensão às analogias forçadas, impróprias, capengas, revela no seu autor a falta daquele senso imediato das formas e proporções, que é a base de todas as construções mais complexas da inteligência. Suprimida essa base, o que quer que se construa em cima não pode senão afastar-se cada vez mais da realidade, culminando enfim no “delírio de interpretação” descrito pelo dr. Paul Sérieux, onde a mera burrice se transfigura em demência explícita.

Quando digo que a inversão revolucionária produz esse efeito necessariamente, é porque há décadas venho colhendo amostras do fenômeno e hoje posso assegurar que, em certos ideólogos e tagarelas de profissão, a analogia forçada é não somente um obstinado vício de pensamento, mas o seu procedimento estilístico essencial e quase único, a chave da sua visão psicótica do mundo. Não hesito em enquadrar nessa categoria os srs. Frei Betto, Leonardo Boff e principalmente o dr. Emir Sader, do qual jamais li um texto que não fosse, de alto abaixo, pura analogia forçada.

Aos textos da sra. Eliane Cantanhede confesso que jamais prestei nenhuma atenção, até que um amigo me enviou o artigo “Chifre em cabeça de cavalo”, onde a autora esguicha analogias impróprias com tanta veemência, com tanta convicção emocionada, que sou levado a suspeitar que seu cérebro já não consegue articular semelhanças e diferenças com a precisão natural de uma criança de três anos.

Se o país pode dar asilo político ao ditador paraguaio Alfredo Stroessner, pergunta ela, por que não pode dá-lo também ao agente das Farc, Olivério Medina?

Notem bem. Uma analogia, toda analogia, por mais tosca que seja, tem uma séria razão de ser, uma “ratio analogandi”, como a chamavam os escolásticos. Ela não mostra uma semelhança direta entre coisas, mas uma semelhança entre semelhanças, formando uma estrutura matemática, uma equação do tipo a/b = x/y. Quer dizer que duas coisas são semelhantes entre si porque duas outras coisas, que de algum modo as explicam, também o são. Por exemplo, o leão está para os outros animais como o rei está para os súditos, ou (pausa para um comercial do meu bichinho de estimação), o English Mastiff está para os outros cães como o leão está para os gatos. Aí a “ratio analogandi” é a força, o poder descomunal.

Qual a “ratio analogandi” entre dois casos de asilo político? A lei de asilo político, é claro. Essa lei não quer saber se, de dois postulantes ao asilo, um é um anjo e o outro é uma peste ou se ambos são igualmente pestes, como aliás parece ser precisamente o caso dos exemplos citados. Tudo o que ela quer saber é (1) se são perseguidos nos seus países por motivos políticos e (2) se estão limpos perante a justiça brasileira. Admitamos, só para simplificar, que no primeiro quesito Stroessner e Medina sejam idênticos. No segundo não há comparação possível: o general pode ter feito tanta malvadeza no Paraguai quanto as Farc fizeram na Colômbia, mas nunca espalhou duzentas toneladas de cocaína no mercado brasileiro, nem deu armas e treinamento para o PCC sair pelas ruas matando nossos compatriotas. O problema não é o mal que os dois fizeram aos seus respectivos países, mas o mal que um deles fez – e o outro não fez – ao mesmo país ao qual pede asilo.

Mais adiante a sra. Cantanhede revela espanto ante a indignação de tantos brasileiros com o emprego público dado pela ministra Dilma Roussef à esposa do mesmo Olivério Medina. Então a coitada – pergunta a colunista – não teria o direito de trabalhar? Sim, é claro, todos têm o direito de trabalhar, mas nem todos têm o direito a um emprego público obtido, sem concurso, mediante a proteção de um companheiro de ideologia encastelado num cargo ministerial. Aí a única “ratio analogandi” é a confusão verbal da sra. Cantanhede, que mistura o direito ao trabalho com o direito a favores estatais, e os direitos dos cidadãos brasileiros com os direitos dos familiares de delinqüentes estrangeiros sob investigação.

Num artigo de vinte e poucas linhas, essa dose de analogias erradas já bastaria para ilustrar o que eu vinha dizendo. Mas a sra. Cantanhede não se contenta com meter o sorvete na testa, como o retardado mental daquela piada cruel: esfrega-o com força, para exibir controle motor. Os e-mails das Farc citando brasileiros, proclama ela, não provam nada, muito menos participação na guerrilha, em contrabando de armas e cocaína, exportação de revoluções. Deixo de lado este último ponto, porque aí não se trata de falsa analogia e sim de mentira pura e simples, uma habilidade que nem mesmo um cérebro arruinado como o da sra. Cantanhede jamais perde por completo. Exportar a revolução comunista a toda a América Latina foi e é a ocupação única, explícita e constante do Foro de São Paulo desde 1990, e para prová-lo não é preciso encontrar nenhum laptop na selva: dezoito anos de atas de assembléias e grupos de trabalho, sem contar vinte e um número da revista “America Libre”, não falam de outra coisa senão de revolução continental. Os detalhes registrados no laptop, aliás, não fazem nenhum sentido fora desse quadro. E é precisamente olhando-os fora dele que a sra. Cantanhede pode concluir que esses detalhes “não provam nada, muito menos participação na guerrilha, em contrabando de armas e cocaína”. Se ao construir cada uma de suas falsa analogias ela faz apelo a uma “ratio analogandi” deslocada, ao negar a existência de uma relação efetiva ela simplesmente dá sumiço à “ratio analogandi” existente, isto à, à conexão estratégica e tática entre os personagens envolvidos, daí tirando a conclusão maravilhosa de que dar proteção política ao crime não é crime, como se a essência mesma da subversão revolucionária não consistisse na articulação sistemática de política e crime.

Não, não pensem que eu esteja contestando a sra. Cantanhede. Não discuto com pessoas intelectualmente lesadas, mesmo quando são culpadas de infligir a lesão a si mesmas mediante o hábito continuado da inversão revolucionária. Limito-me a exibi-las ao público, como o dr. Charcot exibia histéricos e esquizofrênicos aos seus alunos no anfiteatro da Pitié-Salpêtrière. Com a diferença de que aqui não se trata de neurologia, mas de saúde pública: não espero que meus leitores se tornem médicos, mas apenas que se preservem de uma deformidade mental epidêmica. Essa deformidade, notem bem, não afeta as funções mais altas da inteligência, o raciocínio abstrato, a criação artística, o gênio matemático: afeta apenas a base humilde que todas elas têm na capacidade analogante, e assim transforma essas sublimes capacidades em instrumentos de estupidificação.

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