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De joelhos ante Sua Insolência

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 7 de dezembro de 2009

Pelo noticiário dos últimos dias, os leitores devem ter tomado consciência de que são governados por um indivíduo que se gaba de um crime de estupro, real ou imaginário, e revela sentir uma nostalgia profunda dos dias em que os meninos do interior do Nordeste mantinham relações sexuais com cabritas e jumentas. O que não sei é se percebem o grotesco, a infâmia, a abominação de continuar a chamar esse sujeito de Vossa Excelência, quando Vossa Insolência seria muito mais cabível, fazendo de conta que estão diante de um cidadão respeitável quando estão mesmo é de joelhos ante um sociopata desprezível.

Nenhum político do mundo jamais fez declarações tão insultuosas à moralidade geral e à simples dignidade humana. Muito menos as fez e permaneceu no cargo. Lula não só permanecerá como fará tranquilamente a sua sucessora, porque a sociedade brasileira inteira já se acanalhou ao ponto de aceitar como decreto divino tudo o que venha do “Filho do Brasil”. Todos preferem antes ser humilhados, achincalhados, envergonhados ante o universo, do que correr os riscos de uma crise política. Sabem por que? Porque foram reduzidos a uma tal impotência que já não têm meios nem de criar uma crise política.

Em fevereiro de 2004 escrevi: “Quem quer que, a esta altura, ainda sonhe em ‘vencer o PT’, seja nas próximas eleições, seja ao longo das décadas vindouras, deve ser considerado in limine um bobão incurável, indigno de atenção.

O PT, como digo há anos, não veio para alternar-se no poder com outros partidos – muito menos com os da ‘direita’ – segundo o rodízio normal do sistema constitucional-democrático. Ele veio para destruir esse sistema, para soterrá-lo para sempre nas brumas do passado, trocando-o por algo que os próprios petistas não sabem muito bem o que há de ser, mas a respeito do qual têm uma certeza: seja o que for, será definitivo e irrevogável.

Não haverá retorno. O Brasil em que vivemos é, já, o ‘novo Brasil’ prometido pelo PT, e não tem a menor perspectiva de virar outra coisa a médio ou longo prazo, exceto se forçado a isso pela vontade divina ou por mudanças imprevisíveis do quadro internacional.”

Fui chamado de radical, de paranóico, de tudo quanto é nome. Os que assim reagiam não tinham – e não têm até hoje – a menor ideia de que existe uma ciência política objetiva, capaz de fazer previsões tão acertadas quanto as da meteorologia, com a diferença de que estas são feitas, no máximo, com antecedência de algumas horas. Quão preciosa não seria essa ciência nas mãos dos planejadores estratégicos, seja na política, seja nos negócios! Recusando-se a acreditar que ela existe, preferem confiar-se aos pareceres dos acadêmicos consagrados, que são tão bem educadinhos e jamais os assustam com previsões certeiras.

Ainda lembro que, em 2002, o Los Angeles Times consultou duas dúzias de eminentes “especialistas” sobre as eleições no Brasil. Todos disseram que Lula não teria mais de 30 por cento dos votos. Só eu – o radical, o alucinado – escrevi que a vitória do PT era não apenas certa, mas absolutamente inevitável.

Do mesmo modo, sob insultos e cusparadas, anunciei que a passagem do tempo desfaria a lenda da “moderação” lulista, pondo à mostra o compromisso inflexível do nosso partido governante com o esquema revolucionário internacional.

Hoje isso está mais do que evidente, e sinais de um temor geral que antes ninguém desejava confessar começam a despontar por toda parte. E que fazem, diante do perigo tardiamente reconhecido, essas consciências recém-despertadas? Correm em busca dos mesmos luminares acadêmicos que já os ludibriaram tantas vezes com suas palavras anestésicas, como instrutores de auto-ajuda.

A elite brasileira é vítima de seu próprio desamor ao conhecimento, agravado de um culto idolátrico aos símbolos exteriores de prestígio e bom-mocismo. Seguindo essa linha inflexivelmente ao longo dos anos, enfraqueceu-se ao ponto de, hoje, ter de baixar a cabeça ante a torpeza explícita, arrogante, segura de si.

Os pais da crise americana

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 5 de março de 2009

Se a folha de realizações criminosas dos movimentos revolucionários nas democracias não pode, por definição, concorrer com o desempenho deles nas áreas que dominam, nem por isso ela deixa de ser a causa principal de distúrbios e sofrimentos, seja no Terceiro Mundo, seja nas nações desenvolvidas. Não há crise, não há fome, não há violência, não há fracasso para o qual a proposta revolucionária, nua e crua ou numa de suas inumeráveis versões camufladas, não tenha dado sua contribuição essencial. Talvez o exemplo mais evidente esteja em nosso próprio país, onde as gangues de criminosos jamais teriam chegado a derramar o sangue de 40 mil brasileiros por ano se não fosse pela ajuda, indireta e direta, que receberam dos revolucionários, primeiro mediante a instrução em técnicas de organização e guerrilha, recebida dos terroristas presos na Ilha Grande na década de 70, segundo pela sucessão de leis que esses mesmos terroristas, anistiados e transfigurados em políticos, criaram para proteger os criminosos e dificultar a ação da polícia, terceiro pela assistência técnica e treinamento militar que as Farc hoje dão às quadrilhas nacionais.

Mas outro exemplo, não menos significativo, é o da crise econômica americana. Especulações quanto às causas desse fenômeno pululam por toda a mídia internacional, mas é um erro metodológico monstruoso buscar explicação em supostas tendências gerais da economia e da sociedade quando se pode pôr à mostra a seqüência precisa e determinada de ações individuais e grupais que produziram o efeito. Muito da pretensa “ciência social” contemporânea consiste em camuflar as causas concretas sob universais abstratos. Não espanta que, na totalidade dos casos, os explicadores sejam ou os próprios agentes posando de observadores externos, ou suas vítimas idiotizadas, empenhadas em anestesiar-se mediante auto-injeções de pseudociência para não ter de enxergar a verdadeira identidade de seus opressores.

Deixar-nos iludir por essa camuflagem é ainda mais inaceitável quando os agentes do processo daninho não têm sequer de ser investigados a posteriori porque eles mesmos legaram ao historiador a exposição escrita de seus planos e métodos. No caso em questão, a derrubada da previdência social americana e do sistema bancário que a sustenta não foi o efeito de uma confluência involuntária de fatores anônimos, não foi nem mesmo o resultado de uma longa colaboração de inépcias, mas foi a simples realização de um plano traçado desde a década de 60 por estrategistas de esquerda inspirados por Saul Alinksy, mais tarde o mentor de um jovem estudante de Direito, Barack Hussein Obama.

O documento que o atesta acima de qualquer possibilidade de dúvida nada tem de secreto. Foi publicado em 1966 na prestigiosa revista The Nation e até hoje consta da lista dos dez artigos mais lidos da publicação desde sua fundação em 1886 (v. Richard A. Cloward e Frances Fox Piven, “The Weight of the Poor: A Strategy to End Poverty”, The Nation, 2 de maio de 1966; uma cópia do artigo em PDF pode ser obtida por três dólares na página de arquivos da revista; um excelente resumo comentado encontra-se no artigo de James Simpson, “Barack Obama e a estratégra da crise orquestrada”, traduzido para o português em http://cavaleirodotemplo.blogspot.com/2009/01/barack-obama-e-estratgia-da-crise.html).

Os autores, Cloward e Piven, buscavam aí colocar em ação a regra ensinada por Saul Alinsky, que ele mais tarde enunciaria por escrito em seu livro Rules for Radicals, de 1971 (Vintage Books): “Faça o inimigo pôr em prática seu própria manual.” A regra antecipa uma das táticas mais notórias da “guerra assimétrica”. David Horowitz assim a interpreta:

“Quando pressionada a honrar cada palavra de cada lei e estatuto, cada princípio moral judaico-cristão e cada promessa implícita do contrato social liberal, a ação humana é inevitavelmente deficiente. O fracasso do sistema em ‘pôr em prática’ o seu manual de regras pode então ser usado para desacreditá-lo completamente e para substituir um manual capitalista por um socialista.” (V. http://www.discoverthenetworks.org.)

A estratégia proposta por Cloward e Piven consistia, segundo Horowitz, em “forçar uma mudança política através da crise orquestrada, … procurava acelerar a queda do capitalismo ao sobrecarregar a burocracia governamental com uma enchente de demandas impossíveis, arrastando então a sociedade para uma crise e um colapso econômico”. Mas não pensem que isso é interpretação proposta por Horowitz. O texto original de Cloward e Piven é de uma clareza absolutamente cínica:

“É nosso propósito pôr em ação uma estratégia que forneça a base para uma convergência de organizações… Se essa estratégia for implementada, o resultado será uma crise política que poderá levar a uma legislação que garanta uma renda anual e portanto acabe com a pobreza.”

Cloward e Piven prosseguiam explicando que havia “um abismo de diferença entre os direitos nominais assegurados pela previdência social e o número de pessoas que desfrutavam efetivamente desses direitos. Se fosse possível localizar e organizar esses beneficiários inatendidos e usá-los para pressionar os institutos de previdência, estes não teriam dinheiro para atender à demanda e entrariam fatalmente em colapso.” A proposta de uma legislação socialista surgiria então, com aparente espontaneidade, como natural solução do problema. Nas décadas que se seguiram, a estratégia foi aplicada à risca, arregimentando milhões de beneficiários potenciais para que exigissem seus direitos em massa e produzissem a crise. Na liderança desse movimento estava o grupo de ativistas formado por Alinsky, entre os quais Barack Hussein Obama. A pletora de créditos imobiliários fornecidos pelos bancos, sob pressão dos ativistas, a solicitantes desprovidos das mínimas condições de pagar os empréstimos, foi a causa direta da crise bancária eclodida em setembro de 2008.

Dois pontos essenciais do plano Cloward-Piven chamam imediatamente a atenção do observador externo. De uma lado, a diferença entre duas concepções da previdência social. No sistema capitalista, a previdência social é, por natureza, um último recurso a que os cidadãos só devem recorrer em casos de extrema necessidade. A prosperidade geral do sistema, esperava-se, deveria prover por si o sustento das famílias, reduzindo a um mínimo as filas nos guichês da previdência. Cloward e Piven reconhecem essa obviedade em teoria mas adotam como estratégia ignorá-la na prática, forçando o direito virtual expresso em lei a tornar-se uma garantia de atendimento imediato a todos os pretendentes reais e potenciais, necessitados ou não. Entravam instantaneamente na fila, portanto, desde os miseráveis genuínos (um número insignificante) até pessoas de classe média baixa meramente insatisfeitas com a sua situação modesta:

“Para cada pessoa nas listas da previdência, há pelo menos mais uma que preenche os critérios de legibilidade mas não está recebendo assistência. Essa discrepância não é um acidente que emerga da ineficiência burocrática. É um traço inerente do sistema previdenciário, o qual, se desafiado, precipitará uma profunda crise financeira e política. A força para esse desafio, e a estratégia que propomos, é um esforço maciço para recrutar os pobres e colocá-los nas listas da previdência.”

Sob esse aspecto, a mera entrada em ação da campanha Alinsky-Cloward-Piven já modificava radicalmente a natureza do sistema, transformando o Estado liberal-capitalista num Estado previdenciário pré-socialista – e a falência deste último seria então denunciada como crise do anterior.

De outro lado, o objetivo último proclamado – garantir uma renda anual estatal a todos os pobres – se autodesmascarava imediatamente como farsa, pelo enunciado mesmo do plano: se a previdência não tinha dinheiro nem para atender os direitos já existentes no papel, como poderia tê-lo para arcar com um gasto imensamente maior? “Acabar com a pobreza” não era o objetivo do plano: era apenas o pretexto moral para gerar a crise. Esta era o único objetivo real, e não resta a menor dúvida de que foi alcançado. Neste caso, como em muitos outros, o discurso revolucionário apela a um objetivo utópico inatingível para viabilizar o esforço por um objetivo prático perfeitamente atingível, só que propositadamente desastroso. Se olharmos para a situação atual da economia americana, com o sistema bancário agonizante e o desemprego crescendo dia após dia, e notarmos que tudo isto foi feito sob a desculpa de “acabar com a pobreza”, é impossível deixar de perceber que os autores da idéia jamais acreditaram nessa desculpa, assim como os propugnadores de leis criminais mais brandas não acreditavam em diminuir a criminalidade e os defensores da educação sexual nas escolas não acreditavam em diminuir os casos de gravidez adolescente. Todas essas medidas e muitas outras similares visam tão-somente a destruir o sistema capitalista por meio de políticas assistenciais socialistas, calculadamente formuladas sob a lógica do prejuízo. Não há nenhum motivo razoável para supor que os danos resultantes fossem o puro efeito da inépcia ou da má administração. Foram resultados calculados, alcançados mediante uma engenharia social notavelmente eficaz. Trata-se, sempre e invariavelmente, de fazer o “sistema” pagar pelas culpas de seus agressores.

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