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Difícil resposta

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2014

          

Fora de alguns círculos discretos de neo-estalinistas, muita gente de esquerda reconhece hoje que o comunismo soviético foi uma tirania genocida e uma economia tão louca e ineficiente que acabou por se auto-eletrocutar.

O problema é que, ao persistir na esquerda, essa turma nos deixa sem uma resposta razoável para a seguinte e incontornável pergunta: Se o comunismo foi tão ruim, por que deveríamos admitir que o monopólio do bem e da virtude reside, hoje, naqueles que o apoiaram e não naqueles que o combateram?

Por que os herdeiros ideológicos que só renegaram o comunismo quando ele já estava morto e não havia mais meio de salvá-lo são pessoas mais decentes do que aqueles que o enfrentaram de peito aberto, arriscando a vida e a honra, quando ele era vivo e todo-poderoso? Por que chamar de heróis os que fomentaram o crime e de vilões os que tentaram detê-lo?

Será porque Hitler foi anticomunista? Mas Hitler também foi antitabagista, e ninguém sai por aí fumando só para ostentar antinazismo. Hitler foi vegetariano fanático, meio veganista, mas vegetarianos e veganistas pululam na esquerda mais que na direita, sem que ninguém os olhe com desconfiança.

Hitler foi feroz inimigo da liberdade de mercado e nenhum socialista se vexa, por isso, de atacar a liberdade de mercado. Sobretudo, é claro, Hitler odiava os judeus, e nem por isso deixa de ser elegante, na esquerda, aplaudir os terroristas que os matam.

Não. Aqui, como em praticamente tudo o mais, a reductio ad hitlerum, ou Lei de Godwin é uma fraude, e não um argumento.

A solução do enigma está em outro lugar. Para enxergá-la é preciso estar ciente de três fatos. A descrição que aqui forneço deles é demasiado compacta, mas corresponde estritamente à realidade e pode ser comprovada por amostragem mais que abundante:

1 É só nos dicionários que o comunismo é o nome de um sistema econômico definido, bem delimitado, inconfundível com o capitalismo, com a economia fascista, com a socialdemocracia etc. Na realidade, os governos comunistas tentaram todos os arranjos e misturas, porque o comunismo dos dicionários – a completa estatização dos meios de produção e subsequente desaparição do Estado por efeito paradoxal da onipresença é uma impossibilidade absoluta.

2 Se não tem a unidade de um sistema econômico definido, o comunismo tem, em contrapartida, a de um movimento: é uma rede mundial de organizações de variados tipos (como partidos legais e grupos terroristas) em permanente intercomunicação, onde o conflito e a a solidariedade concorrem dialeticamente para o crescimento e avanço do conjunto na luta pelo poder.

3 Em razão dos dois fatos anteriores, a variedade de sentidos da palavra “comunismo” já se incorporou há tempos no discurso comunista, servindo igualmente bem para desnortear o adversário e fortalecer a unidade do movimento por trás de divergências de superfície. Um governo dominado pelos comunistas pode, por exemplo, ser admitido como “comunista” perante a platéia interna, ao mesmo tempo que, quando se fala ao público geral, se jura que ele não é comunista de maneira alguma (por exemplo, porque favorece o livre mercado, como fez Lênin com sua Nova Política Econômica em 1921). Mutatis mutandis, essa flexibilidade semântica resolve o problema de como o movimento comunista presente e atuante deve falar dos governos comunistas extintos ou reconhecidamente fracassados.

Conforme a platéia a que se dirija, ele tanto pode denominá-los “comunistas”, para dar a entender que ele próprio não o é, quanto pode jurar que eles nunca foram comunistas, salvando assim o ideal comunista abstrato de toda responsabilidade pelos crimes e pecados do comunismo histórico: o primeiro desses modos de dizer é usado para o público externo que se deseja tranquilizar anestesicamente, enquanto o segundo é utilizado para uma platéia mais próxima de militantes que se deseja encorajar ou de simpatizantes que se espera recrutar.

Desses três fenômenos a solução do problema com que iniciei este artigo brota espontaneamente: quando se condena o velho comunismo, mas exaltando os que o defenderam e denegrindo os que o combateram, de um só golpe a coesão, o revigoramento e o prestígio do movimento são assegurados, junto com a necessária camuflagem protetora, pelo artifício de rejeitar s uas partes mortas e dar um novo nome às suas partes vivas.

Desde as suas mais remotas origens até a atualidade mais candente, o movimento revolucionário vive de incessantes autonegações e transmutações dialéticas que desnorteiam a platéia leiga, mas que, aos olhos do estudioso – seja ele comunista ou anticomunista – são de uma simplicidade quase pueril e algumas vezes de um automatismo deprimente.

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O assassinato de reputações começou nas altas esferas federais, mas agora baixou para o humilde recinto do jornalismo. A página do Facebook, “Ruth Sheherazade – a irmãzinha boa da Raquel” foi criada especialmente para sujar a imagem da apresentadora de TV, jogando, de raspão, uns respingos fecais na minha pessoa.

A técnica utilizada é a mesma dos famosos dossiês forjados contra inimigos do governo: fuçar a biografia da vítima em busca de detalhes inócuos aos quais se possa dar ares de grandes crimes e escândalos, mediante uma linguagem artificiosa, fingidamente denuncista. A coisatoda é um trabalho de publicitários profissionais, restando apenas averiguar quem é o cliente.

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