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Jornalismo de ficção

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 30 de novembro de 2006

Sugestão ao leitor: abra a página www.vcrisis.com, ou então http://notalatina.blogspot.com/2006_11_26_notalatina_archive.html#116477160950154777, compare as fotos da manifestação pró-Chávez com as da passeata-monstro pró-Rosales e pergunte a si mesmo por que a mídia brasileira tem tanto horror aos fatos e tanta fé em institutos de pesquisa subsidiados pela estatal chavista PDVSA.

Nas últimas eleições legislativas, 75 por cento dos eleitores venezuelanos abstiveram-se de ir às urnas, em protesto contra as máquinas de votar controladas pelo governo. São esses que agora saem às ruas para mostrar que preferem Rosales. A diferença entre as duas passeatas é de aproximadamente um milhão de manifestantes a mais na dos antichavistas. Sem uniforme, sem lanche grátis, sem transporte fornecido pelo governo.

Em desespero, Chavez apelou ao mais patético dos recursos: acusou a oposição de tramar o assassinato do seu próprio líder no dia das eleições. É lindo. Os venezuelanos agüentam a ditadura por anos a fio e, quando aparece um candidato capaz de desafiá-la, não encontram nada melhor para fazer com ele do que estourar-lhe os miolos. Só mesmo o Chávez para ter uma idéia dessas, medindo o QI dos adversários pela sua própria estupidez, a moral deles pela sua própria sem-vergonhice. Está mais do que na cara que, se alguém quer matar Rosales, é o mesmo Chávez. Lançando preventivamente a culpa nos partidários da vítima, ele cola na própria testa o rótulo de suspeito número um.

Mas já não me espanta que a mídia brasileira passe longe de tantas obviedades.    Anos atrás, quando demostrei a absoluta impossibilidade física do crime que uma espetaculosa reportagem de Caco Barcelos atribuía às Forças Armadas (veja http://www.olavodecarvalho.org/semana/nditadores.htm), fiquei chocado ao ver a denúncia ostensivamente falsa ser laureada não com um, mas com dois prêmios jornalísticos. Eu ainda não havia compreendido que, no novo jornalismo que se praticava no Brasil desde os anos 80, o desprezo pela diferença entre verdadeiro e falso não era um desvio da norma profissional: era a própria norma.  Só comecei a suspeitar disso quando, por força das pesquisas para o meu livro A Mente Revolucionária, me vi obrigado a prestar muito mais atenção do que desejaria às obras de Jacques Derrida, Jean-François Lyotard, Gianni Vattimo e outros autores “pós-modernos”. Então me dei conta, retroativamente, de que as idéias desses senhores haviam dominado tão amplamente o meio universitário brasileiro – principalmente as escolas de jornalismo e letras –, que a simples tentação de contrariá-las já era reprimida in limine por meio do escárnio, das rotulações humilhantes e das ameaças explícitas. Mas não é só por meio da pressão autoritária que os professores ativistas sufocam na massa estudantil a capacidade de pensar. O conteúdo mesmo da mensagem pós-moderna é repressivo e paralisante. Negando a verdade, o conhecimento, o significado, a razão e por fim a própria existência do sujeito cognoscente, o pós-modernismo cria um vácuo mental no qual a única referência, o único valor, a única autoridade que resta é ele próprio: a vontade de poder do grupo de intelectuais iluminados. A ela os jovens se rendem com devoção servil e cega, jurando, paradoxalmente, que com isso se elevam ao mais alto cume da rebeldia, da independência e do “pensamento crítico”.

Faça o leitor uma experiência: tente apelar ao conceito de “verdade” numa discussão com estudantes de comunicações, de letras, de ciências sociais, de filosofia. Será objeto de chacota. Em seguida, raciocine: que confiabilidade podem ter jornais, revistas e programas de TV escritos por gente que despreza a idéia mesma de veracidade objetiva e, seguindo os gurus pós-modernos, só acredita na “vontade de poder”, na eficácia da ficção ideologicamente útil?

É claro que ainda existem, nas redações, profissionais imunes a essa influência corruptora. Mas seu número diminui dia a dia.

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