Posts Tagged Carta Capital

A imbecilidade, segundo ela própria

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 13 de fevereiro de 2013

A queda do nível de consciência geral  é chamada de “imbecilização”, quando a mera redução do número de gênios seria, mais apropriadamente,um “empobrecimento”.

Faz dezessete anos que publiquei O Imbecil ColetivoAtualidades Inculturais Brasileiras, onde ilustrava com toda sorte de exemplos o desmantelamento da cultura superior no Brasil e sondava as causas de tão deprimente estado de coisas. Desde então, à medida que o fenômeno  alcançava dimensões maiores e mais alarmantes, não cessei de acrescentar a essa obra, em artigos e conferências, inúmeras atualizações, esclarecimentos e novas análises.

Ao longo de todo esse período, não veio, da mídia ou do establishment universitário, nenhum sinal de que alguém ali desejasse discutir seriamente o problema ou reconhecer, ao menos, que um cidadão desperto havia soado o alarma.

Ao contrário: tudo fizeram para ocultar a presença do mensageiro e dar por inexistente o mal que ele apontava, do qual eles próprios, por suas ações e omissões, eram os sintomas mais salientes.

Chegaram ao cúmulo de, não podendo ignorar de todo as obras essenciais que eu recolocava em circulação com extensas introduções, notas e comentários, noticiá-las sem mencionar o nome do preparador, como se os textos abandonados no fundo do baú da desmemória nacional tivessem saltado dali por suas próprias forças, sem nenhuma ajuda minha.

Inaugurado quando da minha edição dos Ensaios Reunidos de Otto Maria Carpeaux em 1998, o “Consenso Nacional da Vaca Amarela”, como o chamei na ocasião, continua em pleno vigor, como se vê por dois exemplos recentes.

Na Folha de S. Paulo, um sr. Michel Laub faz ponderações sobre a Dialética Erística de Schopenhauer, usando a edição comentada que dela publiquei pela Topbooks em 1998 e esmerando-se em suprimir o meu nome ao ponto de atribuir ao filósofo alemão o título editorial “Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão”, como se fosse do texto original e não dos meus comentários.

Em recente edição da Carta Capital o sr. Mino Carta deplora o que ele chama de “imbecilização coletiva”, no tom de quem soa um alerta pioneiro e fingindo ignorar que esse termo, há muito tempo, já deixou de ser uma expressão genérica para se tornar alusão a um dos livros mais lidos das últimas décadas.

Talvez eu devesse estar contente de que, mesmo sem menção ao tremendo esforço que fiz para revelá-lo, o fenômeno mesmo se tornasse por fim objeto de alguma atenção. Mas o sr. Carta só toca no problema com a finalidade de encobrir suas causas, lançar as culpas sobre os bodes expiatórios de sempre e bloquear, enfim, toda possibilidade da discussão séria pela qual venho clamando desde 1996.

Desde logo, ele só enxerga a degradação cultural do Brasil pelo aspecto quantitativo da escassez de grandes obras – a qual, em si, não seria tão grave se a massa da produção mediana e os debates correntes dessem testemunho de um nível de consciência elevado, honrando uma herança que já não se consegue emular.

É justamente a queda do nível de consciência geral que justifica falar de “imbecilização”, quando a mera diminuição do número de gênios por quilômetro quadrado seria chamada mais propriamente de “empobrecimento” ou coisa assim.

Desprovido de qualquer tino de historiador ou sociólogo, o sr. Carta limita-se a registrar o fenômeno com a superficialidade de um resenhista cultural. somente entra no debate com um atraso monstruoso, mas rebaixa formidavelmente o nível de análise já alcançado uma década e meia antes.

Com aquele automatismo de quem já tem resposta pronta para todas as questões em que não pensou, ele lança o débito da miséria cultural brasileira na conta dos culpados genéricos mais à mão, os malditos capitalistas, sobretudo os donos da mídia. Em suma: os concorrentes comerciais do sr. Carta, que odeia o capitalismo mas ama o capital ao ponto de fazer dele o nome da sua revista.

Pergunto eu: em que foi que os expoentes da cultura brasileira antiga, um Guimarães Rosa, um Graciliano Ramos, um Gilberto Freyre, um Manuel Bandeira, dependeram jamais da mídia para produzir suas altas criações?

O sr. Carta, com toda a evidência, confunde cultura com show business: este não sobrevive sem a mídia, mas os grandes, os espíritos criadores, trabalham não só longe dela como contra ela. O que quer que ela diga ou faça não pode reforçar ou tolher sua inspiração. Em segundo lugar, a imbecilização da própria midia, que reflete na esfera mais baixa o decréscimo de QI nos andares superiores, não é de maneira alguma culpa dos empresários.

Quem quer que tenha alguma experiência de jornalismo no Brasil sabe que os donos e acionistas só interferem na redação muito raramente e na defesa de pontos específicos do seu interesse, deixando a orientação geral das publicações aos cuidados das celebridades jornalísticas, das primas donas, que aí imperam com invejável liberdade de movimentos, como o próprio Sr. Carta imperou no Jornal da Tarde, na Veja e em não sei mais quantos lugares.

Sabe também que essas lindas criaturas implantaram nas redações, desde a década de 1980, o mais estrito monopólio esquerdista, restringindo o espaço das vozes discordantes, eliminando qualquer possibilidade de confrontação de ideias e ainda discursando cinicamente contra o “pensamento único”, como se o único “pensamento único” que ali se praticava não fosse o delas próprias. Falaremos mais sobre este assunto no próximo artigo.

Protestos fingidos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 21 de novembro de 2007

Malgrado o fato público e notório de que a grande mídia nacional em peso favoreceu o candidato Lula em 2002 e 2006, e malgrado a leniência paternal com que continua tratando o sr. presidente em circunstâncias nas quais estaria clamando pelo impeachment de seus antecessores, ela nem sempre trombeteia com a esperada eloqüência a propaganda oficial das glórias petistas. Por mais arraigado que seja o seu esquerdismo em todas as questões do debate público e mais persistente o seu silêncio em torno das ligações Farc-PT; por mais obstinada que se mostre a sua recusa em denunciar a matança contínua de cristãos no Vietnã e de budistas no Tibete; por mais que ela insista em alardear os pretensos horrores de uma prisão americana onde nunca morreu um só prisioneiro e em atirar ao lixo os apelos desesperados dos presos políticos cubanos que vêem seus companheiros morrerem de torturas à base de um por semana; por mais que ela glorifique todos os dias meia dúzia de ídolos comunistas das letras e das artes, sem mencionar jamais seus equivalentes do outro lado sem sugerir que há algo de errado no cérebro deles, — é preciso reconhecer que alguma diferença, ao menos de tom, ainda resta entre ela e publicações histericamente comunistas como Caros Amigos, Carta Capital, A Hora do Povo e www.vermelho.org. Estas imitam abertamente os discursos de Fidel Castro, enquanto aquela ainda tem algum apego ao estilo frio e comedido do jornalismo clássico, o que implica ao menos um certo fingimento de neutralidade superior e, de vez em quando, umas palavrinhas em favor das liberdades constitucionais e da economia de mercado. Isso basta para que tipos como Emir Sader, Paulo Henrique Amorim e Luís Fernando Veríssimo denunciem o seu reacionarismo, rotulando-a golpista e direitista. A ênfase horrorizada com que pronunciam esta última palavra é a prova mais evidente de que na sua concepção da democracia não cabe oposição de direita, só de esquerda, e mesmo assim não muito perto do centro, que raia perigosamente o outro lado.

O que entendem por democracia é, com toda a evidência, o “centralismo democrático” leninista, o regime interno do Partido Comunista, ao qual servem com aquela inocência perversa, com aquela devoção cega e psicótica dos fanáticos que se ignoram.

Objetivamente, não pode haver a mínima dúvida de que a mídia nacional favorece a esquerda em tudo e pauta sua conduta por um sacrossanto horror a tudo o que possa ser ou parecer conservadorismo, palavra que ela só usa aliás como sinônimo de totalitarismo nazifascista ou, na mais branda das hipóteses, de militarismo latino-americano.

Diagnosticar a orientação ideológica do jornalismo não deveria ser uma questão de opinião, mas de empregar os métodos científicos de análise ideológica, de base estatística, consagrados há tempos nos cursos de comunicações, métodos que repentinamente parecem ter desaparecido da memória dos interessados em inverter o sentido óbvio dos dados existentes.

Pelo menos aqui nos EUA o uso desses métodos é considerado uma premissa básica em toda discussão pública quanto às preferências ideológicas da mídia, e quem quer que consentisse em ignorá-los em favor do mero achismo palpiteiro seria imediatamente jogado fora do debate como um charlatão desprezível. No Brasil, ao contrário, a mera hipótese de apelar à arbitragem estatística nessa questão parece ter-se tornado um tabu, dando aos Veríssimos e Amorins a chance de poder continuar negando o óbvio, sem medo e com uma cara de pau exemplar.

É claro que há uma diferença entre a orientação ideológica de fundo e o apoio concedido, ou sonegado, a cada ato concreto de um governo com se está ideologicamente de acordo. Os atuais acusadores esquerdistas da mídia sabem que estão mentindo quando fazem dessa simples diferença uma prova do direitismo da Globo ou da Folha de S. Paulo . Até por uma simples questão de técnica jornalística as expressões de concordância profunda não podem se estender a cada detalhe da política diária, sob pena de o jornalismo perder o restinho de credibilidade que ainda conserva na base da afetação de sobriedade. O que os protestos contra o alegado direitismo da mídia revelam é que mesmo esse último resíduo simbólico se tornou intolerável, que até mesmo o fingimento de objetividade jornalística deve ser extinto, que em breve a liberdade de imprensa será um privilégio exclusivo dos órgãos de mídia abertamente comunistas e petistas. A falsa alegação de direitismo é uma autêntica imposição de esquerdismo.

Veja todos os arquivos por ano