Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 29 de junho de 2009
O colunista Bob Herbert – aquele mesmo segundo o qual John McCain não parou de fazer insinuações racistas durante a campanha eleitoral de 2008, embora o restante da espécie humana não as ouvisse – publicou no New York Times do último dia 20 um artigo bastante esclarecedor. Esclarecedor mesmo: basta lê-lo para compreender por que aquele jornal vai diminuindo de tiragem a cada ano e já está à beira da falência, tendo sido obrigado a arrendar metade do seu edifício-sede para arcar com seus custos de produção.
O artigo, é óbvio, não fala de nada disso. Apenas exemplifica, ao tratar de assunto completamente diverso, o tipo de demagogia alucinada que a publicação do sr. Sulzberger passou a aceitar como jornalismo desde há mais de uma década, pagando esse capricho de esquerdista rico com uma desmoralização aparentemente irreversível. Desmoralização que só os jornalistas brasileiros não notaram, pelo simples fato de que em geral nada lêem da mídia estrangeira exceto o próprio New York Times (e o Monde Diplomatique, que é mais mentiroso ainda). Mas não há nisso nada de inusitado: a degradação do NYT, afinal, não completou o prazo regulamentar de trinta anos exigido para que os fatos do mundo sensibilizem o cérebro nacional.
Herbert assegura que os três crimes mais chocantes ocorridos no território americano nas últimas semanas – os assassinatos do médico abortista Tiller, de três policiais em Pittsburgh e de um guarda do Museu do Holocausto em Washington D.C. – foram causados pela propaganda direitista contra o governo Obama.
Ele alerta às autoridades que os “ataques foram motivados pelo ódio direitista: são apenas o começo e o pior está por vir” – donde se conclui facilmente que o governo precisa fazer alguma coisa para tapar a boca dos agitadores, especialmente, segundo Herbert, a National Rifle Association (NRA), cujo presidente, Wayne La Pierre, exorta continuamente os membros da entidade a lutar contra qualquer tentativa governamental de privá-los de suas armas de fogo.
Vamos agora aos fatos:
1. Segundo a polícia, o assassino do dr. Tiller não é militante de nenhuma organização anti-abortista, cristã ou conservadora: é um doente mental, já cometeu outros crimes e não disse uma só palavra que sugerisse motivações morais ou ideológicas. É até possível – mera suposição, que Herbert toma como certeza absoluta – que ele tenha reagido, de maneira insana, à notícia de que o médico era responsável pelas mortes de milhares de crianças, muitas delas saudáveis e completamente formadas, já no nono mês de gestação; mas essa notícia não é propaganda direitista de maneira alguma: é um fato reconhecido por toda a mídia e alardeado, com orgulho, pelo próprio Tiller, sob o nome de socorro humanitário a pobres mulheres privadas do conhecimento das camisinhas ou dos benefícios incalculáveis da esterilização preventiva. Caso as organizações anti-aborto estivessem mesmo induzindo alguém à prática da violência, os primeiros a atender a esse apelo deveriam ser seus próprios militantes. Estranha propaganda, essa, que nenhum efeito exerce sobre seu público-alvo mas vai influenciar, à distância, um maluco que jamais mostrou qualquer interesse pela causa anti-abortista! O mesmo fenômeno observa-se, aliás, na NRA: seus milhões de membros armados até os dentes insistem em não cometer crime algum, deixando irresponsavelmente essa tarefa para pessoas de miolo mole que jamais freqüentaram a organização.
2. O autor dos disparos no Museu do Holocausto foi retratado pela mídia como um fanático anti-semita, coisa que ele é mesmo. Mas ele é também um evolucionista roxo e anticristão odiento – um dado cuidadosamente omitido não só por Herbert mas também pela seção noticiosa do New York Times, e que por si já basta para mostrar que o criminoso nada tem a ver com a direita americana; direita que, para a desgraça total das especulações herbertianas, é tão notoriamente pró-judaica que os esquerdistas em massa a acusam de ser um bando de vendidos à “internacional sionista”. Herbert repete o engodo de Michael Moore, que, para lançar sobre os conservadores a culpa moral pelo massacre de Columbine, omitiu de propósito a informação de que os autores do crime o cometeram num acesso de ódio ao cristianismo. O mesmo truque sujo foi usado no caso da Virginia Tech, quando a grande mídia unânime escondeu do público que o assassino, um imigrante coreano, fora doutrinado por uma professora esquerdista, militante black radical, na base do slogan “Morte aos brancos, morte aos judeus”. Quando a inspiração ideológica é direta, comprovada, explícita e vem da esquerda, é preciso escondê-la a todo custo, inventando, em contrapartida, as mais artificiosas associações de idéias para criminalizar cristãos e conservadores. Herbert não é, nisso, nem um pouco original: segue a regra estabelecida.
3. Quanto ao assassino dos três policiais, o site de fiscalização midiática Slate, confrontando as várias notícias, concluiu que não há como classificar o sujeito de extremista, seja de direita, seja de esquerda, já que ele é uma cabeça confusa demais para compreender o sentido político do que faz. Embora ele tenha declarado temer o desarmamento forçado da população, não consta que ele jamais tivesse lido a respeito em revistas ou folhetos da NRA. A única fonte que ele citou sobre o assunto foi o site neonazista Stormfront, publicação tão representativa da direita americana que chega a rotular Obama de conspirador sionista, enquanto os sionistas de verdade e os conservadores em peso preferem julgá-lo, como disse recentemente Morton Klein (líder da Zionist Organization of America), “o presidente americano mais anti-Israel de todos os tempos”, empenhado, segundo o rabino Pomerantz, em “criar um clima de ódio contra os judeus”.
Forçando a especulação de intenções sutis até o último limite da inversão completa, Herbert procura persuadir os leitores de que a pregação conservadora é uma ameaça potencial à segurança pública dos EUA (aviso que chega a ser psicótico numa época em que americanos são mortos todas as semanas sob os aplausos da esquerda mundial), mas não consegue esconder que seu apelo ostensivo à ação governamental contra esses alegados subversivos é uma ameaça real e presente ao direito de livre expressão. Tendo em vista os esforços da esquerda democrata para restaurar a Fairness Doctrine e tirar dos conservadores metade do tempo que eles têm no rádio, torna-se uma simples questão de realismo parafrasear o próprio Herbert e concluir que essa ameaça “é apenas o começo e o pior está por vir”.
Neste e em outros artigos, Herbert pinta os EUA como nação recordista de crimes violentos, causados – é claro! – pelos milhões de armas legais nas mãos de seus cidadãos. Mas o curioso não é que ele apele a esse estereótipo bocó: o anti-americanismo interno prima por evitar comparações internacionais que o desmentiriam no ato (por exemplo, a criminalidade na Inglaterra multiplicando-se por quatro desde a proibição das armas de fogo). O curioso é que, lido num país como o nosso, que tem dez vezes mais crimes violentos do que os EUA, com metade da sua população e um número ínfimo de armas legais, o besteirol de Herbert não suscite automaticamente, pela simples confrontação dos números, o riso de escárnio que merece, e sim o respeito e a consideração devidos ao jornalismo sério.