Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 29 de junho de 2012
Desde o começo da sua epopéia, os birthers não seguiram a estratégia mais simples e racional que teria lhes permitido, já em 2008, jogar Barack Hussein Obama na lata de lixo da História de uma vez para sempre.
A tese que defendiam era substancialmente verdadeira: o homem havia se apresentado às eleições com falsa identidade. O lugar dele, portanto, não era na Casa Branca, nem mesmo no Senado ou na lista de candidatos à presidência. Era na cadeia.
Tendo nas mãos a prova do crime, poderiam tê-la desfechado logo no coração do inimigo, como uma bala de prata, e ir para casa seguros de que haviam não só dado cabo do vampiro, mas aleijado gravemente a ala esquerda do Partido Democrata.
Bastava um processo criminal contra o qual Obama, então mero candidato, não tinha a proteção da imunidade presidencial nem podia mobilizar o aparato repressivo e a máquina publicitária do Estado, como veio a fazer mais tarde.
Em vez disso, preferiram dar ao caso as dimensões de uma crise constitucional, complicando tremendamente a guerra e envolvendo-se em intermináveis discussões sobre a elegibilidade e a nacionalidade do candidato, que debilitaram sua causa ao ponto de dar-lhe a aparência de uma “teoria da conspiração”, expô-la a toda sorte de gozações maliciosas e condená-la a uma sucessão de derrotas judiciais.
Desde logo, a lei determina que acusações de inelegibilidade, uma vez vitorioso o candidato, só podem ser apresentadas por quem comprove ter sido pessoalmente prejudicado no curso das eleições. Como ninguém tem como provar isso, e só quem tem, que é John McCain, não quer briga, todos os processos tentados pelos birthers até agora foram rejeitados in limine.
Em segundo lugar, a prova de inelegibilidade dependia da interpretação que se desse ao preceito constitucional de que só cidadãos americanos nativos podem ser candidatos à presidência. Os birthers argumentam que, para os signatários da Constituição, “nativo” significava nascido em território americano de pais (no plural) americanos. O argumento está certo, em princípio, mas nem todos os constitucionalistas admitem que o texto do documento fundador do Estado americano deva ser interpretado no seu sentido originário. Muitos querem adaptá-lo ao “espírito dos tempos”. Pode-se alegar que esse espírito é muitas vezes o espírito de porco, mas o fato é que o debate já existia desde muito antes do caso Obama: o argumento constitucional, portanto, dependia de uma premissa que nada tinha de unânime ou autoprobante.
Em terceiro lugar, a própria inexistência de provas válidas da nacionalidade de Obama, em vez de ajudar os birthers, acabou por favorecer o suspeito. Escorado no direito à privacidade, o espertinho manteve quase todos os seus documentos trancados a sete chaves, sabendo que uma investigação para tirar a coisa a limpo só poderia realizar-se por ordem judicial e que não haveria ordem judicial sem processo.
Por que o movimento birther escolheu o caminho mais complicado e até hoje continua a trilhá-lo entre dores e humilhações?
Em 2008 já havia sérios indícios de que era falsa a certidão resumida que o bloco obamista havia divulgado para exorcisar às pressas a vaga suspeita de um nascimento queniano, espalhada pela internet. A prova efetiva da falsidade, porém, dependia de exames periciais que só um juiz poderia ordenar no curso de um processo.
Logo em seguida, porém, veio uma prova material muito mais evidente, muito mais contundente, que não dependia de peritagem nenhuma, por ser visível com os olhos da cara. Não estava na certidão de nascimento, mas no certificado de alistamento militar (selective service) de Barack Hussein Obama: num lance digno do Exterminador do Futuro, o homem tinha assinado em 1980 um formulário que só viria a ser impresso em 2008. E o carimbo com a data tinha sido patentemente adulterado, recortando os algarismos 0 e 8 para montar um simulacro de “1980” sem o 1 e o 9. Não poderia ser mais evidente a tentativa de construir uma falsa biografia oficial ex post facto por meios pueris.
Sem nem mesmo levantar a questão da inelegibilidade, um processo-crime por falsidade documental, ainda que não chegasse a conclusão nenhuma antes das eleições, teria bastado para mostrar ao eleitorado a verdadeira face de Barack Hussein Obama, desmoralizando sua candidatura pelo caminho mais simples e rápido.
Se os birthers não perceberam isso ou não quiseram admiti-lo, foi, entre outros motivos, pelo seguinte: Quem cantou a bola do alistamento militar foi a colunista Debbie Schlussel, que em alguns meios conservadores tem a fama de excêntrica amalucada. E o crime que ela denunciava era tão grosseiro, tão estúpido, que podia soar inverossímil. Quem iria acreditar que um senador americano, candidato à presidência, conseguira enganar o seu próprio partido e a nação inteira com um truque bocó? Com toda a evidência, o critério da credibilidade aparente e do “prestígo da fonte”, falou mais alto que o da materialidade dos fatos. A acusação de inelegibilidade pareceu alternativa mais respeitável.
Os birthers, em suma, acharam que seguindo a dica de Debbie Schlussel ficariam parecendo um bando de malucos. Ao optar pela aparência respeitável, não notaram que estavam cedendo o terreno ao inimigo: uma vez eleito e empossado, Obama já não era um simples indivíduo — era “a presidência”. Investido, assim, da mais respeitável das aparências, afivelou com a maior facilidade a máscara de malucos no rosto daqueles que tudo haviam sacrificado para evitá-la.
Moral da história: antes uma verdade inverossímil do que uma verossimilhança enganosa.