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Aprendendo com Peña Esclusa

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 22 de outubro 2007

Os diretores e membros da Associação Comercial de São Paulo guardam, sem dúvida, boas recordações de Alejandro Peña Esclusa, ex-candidato à presidência da Venezuela, que em maio de 2006 compareceu ao Seminário “Democracia, Liberdade e o Império das Leis”, na sede da entidade, e aí faz uma impressionante exposição sobre os avanços do comunismo no continente, em especial sobre o poderio crescente do Foro de São Paulo (v. http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4942 ).

Peña Esclusa não era acusado de nenhum crime nem estava sob investigação. No entanto, precisou de autorização especial da Justiça de seu país para poder viajar ao Brasil. A exigência desse salvo-conduto devia-se exclusivamente à vigilância estrita que o governo venezuelano começava então a exercer sobre os inimigos reais e possíveis do presidente Hugo Chávez. O fato, na época, serviu de ilustração perfeita para as explicações que Peña Esclusa deu em São Paulo quanto à progressiva eliminação das liberdades civis e políticas sob a ditadura Chávez. Diferentemente da platéia presente àquele memorável evento, no entanto, os organizadores do “Foro Permanente pela Liberdade”, em El Salvador , terão de se contentar com o fato bruto, sem as explicações: desta vez Alejandro Peña Esclusa foi sumariamente proibido de sair da Venezuela. A vigilância, que já era abusiva e insultuosa no mais alto grau, transformou-se em controle e repressão ostensivos (v. edição de 17 de outubro de http://notalatina.blogspot.com ).

Àqueles que, diante dessa notícia, se sintam aliviados de viver no Brasil em vez de na Vanezuela, nada preciso advertir. O próprio Peña Esclusa já o fez: a ditadura Hugo Chávez não é um fenômeno isolado, é apenas a realização local, um pouco mais avançada no tempo, do plano estratégico abrangente do Foro de São Paulo, destinado a transformar todo o continente numa união de repúblicas socialistas, “reconquistando na América Latina o que foi perdido no Leste europeu”.

E àqueles que continuem achando que Lula é uma alternativa a Chávez, a resposta veio do próprio Lula em pessoa, no seu discurso de 2 de julho de 2005, décimo quinto aniversário do Foro de São Paulo, onde confessa que, já como presidente da República, interferiu ativamente na política venezuelana, ajudando a consolidar o poder daquele cachorro louco pelo qual tem afeições de pai e protetor (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/050926dc.htm ). Ninguém é uma alternativa para um mal que ele próprio criou e insiste em alimentar.

A única diferença entre a Venezuela e o Brasil é a seguinte. A Venezuela é o mostruário e balão de ensaio da revolução comunista latino-americana. Ela se arrisca, se expõe, para medir as reações internas e externas e transmitir ao restante do Foro de São Paulo os sinais para as devidas correções e ajustes da estratégia geral. O Brasil, ao contrário, cujo presidente foi fundador e líder máximo do Foro, é o centro vivo dessa organização, a sede do seu comando e do seu Estado-Maior. Por isso mesmo tem de ser resguardado de olhares intrusos, protegido sob uma densa camada de desconversas e camuflagens táticas, parecendo inofensivo porque é justamente a fonte essencial do perigo. Quem quer que, examinando os documentos do Foro e confrontando-os com as ações de seus líderes, não perceba isso com muita clareza, deve ser considerado um amador totalmente desqualificado para análises políticas mesmo elementares ou, ao contrário, um desinformante consciente e muito hábil a serviço da subversão continental – nos dois casos, alguém indigno de confiança. Inclui-se nessa classe a maioria dos comentaristas políticos da mídia nacional, dos analistas iluminados que pontificam na ESG e dos consultores estratégicos ao alcance do nosso empresariado. A acuidade de uma análise política mede-se pela previsão acertada do curso dos acontecimentos. Há quinze anos essas criaturas se esmeram em errar, mas sua credibilidade não parece diminuir em nada por isso.

Segundo uma reportagem do Washington Post , pesquisas recentes na área de psicologia mostram que a maior parte dos seres humanos acredita mais facilmente numa mentira coerente com as suas regras habituais de pensamento do que com uma verdade que as contrarie. Ora, nenhuma regra é mais arraigada na mente do empresariado brasileiro do que a crença otimista na estabilidade inabalável da ordem econômica que o sustenta. Por mais que os impostos subam, por mais que cresça o poder discricionário das organizações esquerdistas, por mais que propriedades rurais e urbanas sejam invadidas, queimadas, destruídas; por mais gente que morra nas ruas alvejada pelas balas dos paus-mandados das Farc; por mais que a própria atividade empresarial seja manietada e criminalizada sob o peso crescente dos controles burocráticos, há muita gente nessa classe que insiste em repetir o mantra: “Todo dia, sob todos os aspectos, tudo está indo cada vez melhor.”

Compreendo que, numa sociedade caótica, sem valores tradicionais nem muito menos alguma ordem pública fisicamente reconhecível, a segurança psicológica de tantas pessoas dependa do apego obstinado a ilusões tranqüilizantes. Mas, quando estas caem, aquela segurança vem abaixo toda de uma vez. É o pânico, a desorientação total, a inermidade absoluta ante o perigo presente. Entre a falsa segurança e o pânico, existe porém toda uma gradação possível de reações diferenciadas, cujo aprendizado é a única esperança de sobrevivência nas situações ameaçadoras. Há o estado de alerta, a atenção redobrada, a antecipação das respostas cabíveis, a preparação para as ações de emergência. Enquanto o nosso empresariado não abdicar da falsa segurança – que no fundo é medo de entrar em pânico, e já é por isso mesmo pânico disfarçado –, ele não desejará aprender a desenvolver as reações capazes de salvá-lo do assédio geral comunista que se anuncia para muito breve.

A maior trama criminosa de todos os tempos

Olavo de Carvalho

Digesto Econômico, setembro/outubro/nov/dez de 2007

O pioneiro inconteste na investigação do fenômeno “Foro de São Paulo” foi o advogado paulista José Carlos Graça Wagner, homem de inteligência privilegiada, que muito me honrou com a sua amizade. Ele já falava do assunto, com aguda compreensão da sua importância histórica e estratégica, por volta de 1995, quando o conheci. Em 1999, a documentação que ele vinha coletando sobre a origem e as ações da entidade lotava um cômodo inteiro da sua casa, e uma prova da criteriosidade intelectual do pesquisador foi que só a partir de então ele se sentiu em condições de começar a escrever um livro a respeito. Na ocasião, ele me chamou para ajudá-lo no empreendimento, mas eu estava de partida para a Romênia e, com muita tristeza, declinei do convite.

Maior ainda foi a tristeza que experimentei anos depois, quando, ao retomar o contato com o Dr. Wagner, soube que o projeto tinha sido interrompido por uma onda súbita e irrefreável de revezes financeiros e batalhas judiciais, que terminaram por arruinar a saúde do meu amigo e de sua esposa, ambos já idosos. Não sai da minha cabeça a suspeita de que a perigosa investigação em que ele se metera teve algo a ver com a repentina liquidação de uma carreira profissional até então marcada pelo sucesso e pela prosperidade.

Ele tinha negócios nos EUA e era também lá, nas bibliotecas e arquivos de Miami e de Washington D.C., que ele coligia a maior parte do material sobre o Foro. Nos últimos anos, a pesquisa havia tomado um rumo peculiar. O Dr. Wagner esperava encontrar provas de uma ligação íntima entre o Foro de São Paulo e uma prestigiosa entidade da esquerda chique americana, o “Diálogo Interamericano”. Não sei se essa prova específica existe ou não, nem se ela é realmente necessária para demonstrar algo que metade da América já conhece por outros e abundantes sinais, isto é, que os líderes mais barulhentos do Partido Democrata são notórios protetores de movimentos revolucionários e terroristas (de modo que o Foro, se acrescentado à lista, não modificaria em grande coisa as biografias desses personagens vampirescos).

O que sei é que o começo da ruína pessoal do meu amigo data aproximadamente de uma entrevista que ele deu ao Diário Las Américas, importante publicação de língua espanhola em Miami, na qual falava do Foro de São Paulo e de suas relações perigosas com o “Diálogo”. Mas isto já seria matéria para outra investigação, e longe de mim a intenção de explicar obscurum per obscurius. Mesmo sem poder prometer a solução para esse aspecto particularmente enigmático do problema, uma coisa posso garantir: os arquivos do Dr. Wagner, recentemente postos à disposição da equipe de pesquisadores do Mídia Sem Máscara e da Associação Comercial de São Paulo, pela generosidade de José Roberto Valente Wagner, permitem retomar a investigação com a esperança de que antes de um ano teremos pelo menos a história interna do Foro de São Paulo reconstituída praticamente mês a mês. Então será possível colocar em bases mais sólidas a questão do “Diálogo”, mas antes disso será preciso resolver outro enigma, bem mais urgente e bem mais próximo de nós.

Vou formular esse enigma mediante o contraste entre duas ordens de fatos:

Primeira: O Foro de São Paulo é a mais vasta organização política que já existiu na América Latina e, sem dúvida, uma das maiores do mundo. Dele participam todos os governantes esquerdistas do continente. Mas não é uma organização de esquerda como outra qualquer. Ele reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno, todas empenhadas numa articulação estratégica comum e na busca de vantagens mútuas. Nunca se viu, no mundo, em escala tão gigantesca, uma convivência tão íntima, tão persistente, tão organizada e tão duradoura entre a política e o crime.

Segunda: Durante dezesseis anos, todos os jornais, canais de TV e estações de rádio deste País – todos, sem exceção, inclusive aqueles que mais se gabavam de primar pelo jornalismo investigativo e pelas denúncias corajosas – se recusaram obstinadamente a noticiar a existência e as atividades dessa organização, malgrado as sucessivas advertências que lhes lancei a respeito, em todos os tons possíveis e imagináveis. Do aviso solícito à provocação insultuosa, das súplicas humildes às argumentações lógicas mais persuasivas, tudo foi inútil. Quando não me respondiam com o silêncio desdenhoso, faziam-no com desconversas levianas, com objeções céticas inteiramente apriorísticas, que dispensavam qualquer exame do assunto, com observações sapientíssimas sobre o meu estado de saúde mental ou com a zombaria mais estúpida e pueril que se pode imaginar. Reagindo a essa pertinaz negação dos fatos, fiz publicar no jornal eletrônico Mídia Sem Máscara as atas quase completas das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo. A volumosa prova documental mostrou-se incapaz de demover os negacionistas. Eles pareciam hipnotizados, estupidificados, mentalmente paralisados diante de uma hipótese mais temível do que seus cérebros poderiam suportar na ocasião.

O Foro de São Paulo reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno.

A publicação das atas teve porém duas conseqüências importantes. De um lado, o site oficial do Foro, www.forosaopaulo.org, foi retirado do ar às pressas, para só voltar meses depois, em versão bastante expurgada. De outro lado, entre os jornalistas e analistas políticos, a afetação de desprezo pelo asunto cedeu lugar à negação ostensiva, pública, da existência mesma do Foro de São Paulo. Dois personagens destacaram-se especialmente nesse servicinho sujo: o inglês Kenneth Maxwell e o brasileiro Luiz Felipe de Alencastro. Para anunciar ao mundo a completa inexistência da entidade que eu denunciava, ambos – por ironia, historiadores de profissão – usaram como tribuna ou megafone o pódio do CFR, Council on Foreign Relations, o mais poderoso think tank americano, dando assim à ignorância dolosa (ou à mentira grotesca) o aval de uma autoridade considerável. Quem ainda tenha ilusões quanto à confiabilidade intelectual da profissão acadêmica, mesmo exercida nos chamados “grandes centros” (Alencastro é professor na Universidade de Paris, e Maxwell é o consultor supremo do próprio CFR em assuntos brasileiros), pode se curar dessa doença mediante a simples notificação desses fatos.

Mas aí a hipótese da mera ignorância organizada começa a ceder lugar à suspeita de uma trama consciente bem maior do que a nossa paranóia poderia imaginar. Membros importantes do CFR tiveram contatos próximos com as organizações criminosas participantes do Foro de São Paulo, cuja existência, portanto, não poderiam ignorar (leia-se a respeito o meu artigo “Por trás da subversão”, Diário do Comércio, dia 05 de junho de 2006, http://www.olavodecarvalho.org/semana/060605dc.html). Em suma, o Brasil parecia estar preso entre as malhas de uma articulação criminosa, que envolvia, ao mesmo tempo, a totalidade dos partidos de esquerda latino-americanos, o grosso da classe jornalística nacional, as principais gangues de narcotraficantes do continente e, por fim, uma parcela nada desprezível da elite política e financeira norte americana.

A gravidade desses fatos mede-se pela amplitude e persistência da sua ocultação. Crescendo em segredo, o Foro de São Paulo tornou-se o motor principal das transformações históricas no continente, ao mesmo tempo que a ignorância geral a respeito fazia com que os debates públicos – e portanto a totalidade da vida cultural – se afastasse cada vez mais da realidade e se transformasse numa engenharia da alienação, favorecendo ainda mais o crescimento de um esquema de poder que se alimentava gostosamente da sua própria invisibilidade. A queda vertiginosa do nível de consciência pública nessas condições, era não só previsível como inevitável. As opiniões circulantes tornaram-se uma dança grotesca de irrelevâncias, desconversas e erros maciços, ao mesmo tempo em que a violência e a corrupção cresciam ante os olhos atônicos do público e dos formadores de opinião, cada um apegando-se às explicações mais desencontradas, extemporâneas e impotentes. Muitas décadas hão de passar antes que a devastação psicológica resultante desse quadro possa ser revertida. O fabuloso concurso de crimes que a determinou não tem paralelo na história universal.

Um dos aspectos mais grotescos da situação é a facilidade com que os culpados se desvencilham de qualquer tentativa de denúncia, qualificando-a de “teoria da conspiração”. Mas quem falou em conspiração? O que vemos é uma gigantesca movimentação de recursos, de poderes, de organizações, de correntes históricas, que para permanecer imune à curiosidade popular não precisa se esconder em porões, mas apenas apostar na incapacidade pública de apreender a sua complexidade inabarcável e de acreditar na existência de tanta malícia organizada.

O Foro é uma entidade sui generis, sem correspondência em qualquer época ou país. Longo tempo depois de extinto, como espero venha a sê-lo um dia, ele ainda constituirá um enigma e um desafio ao tirocínio dos historiadores. Para nós, ele é mais do que isso. É o inimigo “onipresente e invisível” sonhado por Antonio Gramsci.

Os construtores do abismo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 2 de agosto de 2007

A experiência me ensinou que, quando uma situação se torna confusa e incompreensível ao ponto de ter algo de sinistro, não se deve ir logo jogando a culpa no diabo antes de averiguar se não houve alguma mentira humana na origem da mixórdia toda. Como é da natureza da mentira ocultar-se a si própria, depois ocultar a ocultação e por fim apagar da memória todos os rastros da sua origem, não existe mentira isolada: há uma progressão geométrica de falsificações e aquilo que parecia uma toca de coelho acaba por se tornar uma cratera imensa, um abismo insondável.

Não que o diabo não tenha participação nenhuma na coisa, mas às vezes todo o seu trabalho consiste em inspirar a mentirinha inicial, deixando o resto da arquitetura abissal por conta da estupidez humana.

No caso brasileiro, a mentira começou com o silêncio da mídia em torno da existência do Foro de São Paulo. Quando dezenas de governantes, ministros de Estado, líderes guerrilheiros e chefes de gangues de narcotraficantes se reúnem em lugares anunciados de antemão e milhares de repórteres usualmente orgulhosos de seus dons investigativos não têm a mínima curiosidade de saber do que eles estão falando, a hipótese da mera coincidência de omissões preguiçosas deve ser afastada in limine como violação da lei das probabilidades. É claro, é patente, é insofismável que a classe jornalística e os donos de empresas de mídia, assim como todos os políticos de esquerda, são cúmplices conscientes do segredo. Mas, quando o segredo se desenvolve em proteção ostensiva dada pelas autoridades aos técnicos de guerrilha que treinam e dirigem quadrilhas de delinqüentes para a matança anual de cinqüenta mil pessoas, a manutenção da mentira e sua transformação em dogma se tornam necessidades absolutas para todos os envolvidos. Se os farsantes decidirem voltar atrás e revelar o que ocultavam, terão de assumir sua parcela de culpa em crimes inumeráveis. A culpa está aí, latente, e é preciso enterrá-la ainda mais fundo do que o fato inicial que lhe deu origem. Para isso é preciso falsificar toda a vida nacional, induzir a população inteira a viver uma situação hipotética, construída postiçamente como cenário real da sua vida. Não é de espantar que, nessas circunstâncias, o medo, a raiva e as suspeitas espouquem por toda parte, num festival de recriminações anárquicas que voam em todas as direções sem jamais acertar o alvo.

O fato é que não há praticamente, entre as lideranças nacionais – políticas, militares, empresariais, culturais e jornalísticas –, uma única que não carregue alguma dose de culpa por esse estado de psicose nacional. As exceções se tornam tanto mais honrosas quanto mais isoladas e, por isso mesmo, ineficazes no conjunto. Mesmo a voz possante da Associação Comercial de São Paulo acaba sendo abafada pela mais portentosa orquestra de falsificações e desconversas que já estreou no palco da loucura nacional. Nunca, na história do mundo, uma rede tão coesa de mentiras e omissões se manteve imune por tanto tempo às investidas da verdade, persistindo na obediência a um pacto diabólico a despeito das conseqüências catastróficas que ele dissemina. Nunca o apego à mentira foi tão geral e obstinado, nunca a persistência na farsa foi tão longe na sua disposição de encobrir seus próprios crimes com o sangue dos inocentes.

As elites falantes deste país, na sua quase totalidade, são criminosas até à medula. Não há castigo que não mereçam. O sofrimento brasileiro está apenas começando.

 

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