Olavo de Carvalho
Época, 27 de outubro de 2001
O regime deste país mudou e ninguém foi avisado
Pessoas que só sabem por ouvir dizer juram que o comunismo morreu. Eu e o senhor Antonio Negri, que estudamos o assunto por décadas e que decerto não seremos acusados de combinar nossas falas por trás do pano, asseguramos que ele está mais vivo que nunca. Também o senhor Fidel Castro, que está por dentro das preparações subterrâneas, anuncia para breve a rentrée espetacular da sangrenta pantomima a cujo serviço dedicou sua porca vida.
Dois fatos recentes dão razão a mim e a esses ilustres cavalheiros.
1. Um juiz do Rio Grande do Sul, solicitado a devolver aos proprietários uma fazenda invadida pelo MST, negou a reintegração de posse sob a alegação de que não havia provas da “função social” do imóvel.
2. Um notório terrorista dos anos 70, que nunca se arrependeu de seus crimes, que antes se orgulha deles e que no máximo admitiu ter algumas dúvidas quanto à conveniência de repeti-los hoje, foi nomeado ministro da Justiça.
Quanto ao primeiro fato, cinco detalhes evidenciam o espírito da coisa. (1) A falta da “função social” não precisou ser provada: a falta de provas bastou como prova da falta. (2) Essa “prova” serviu para legitimar não uma desapropriação legal, feita pelo Estado, mas sim a ocupação do imóvel por particulares. (3) O juiz reconheceu que sua decisão foi política. (4) Os novos proprietários ficaram dispensados de provar por sua vez a utilidade social de sua posse ou a de quaisquer outros imóveis tomados pelo MST, aos quais nenhuma produção é exigida e, para ser reconhecidos como propriedades legítimas, basta que sejam usados para treinamento de guerrilhas. (5) A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado e elogiadíssima pelo doutor Dalmo Dallari, do qual ninguém aliás esperaria outra coisa.
Quanto ao segundo fato, ele ocorreu (1) num país em que a simples acusação de haver torturado um comunista basta para expelir do cargo, no ato e sem a menor necessidade de provas, qualquer funcionário público de escalão alto, baixo ou médio; (2) num momento em que o consenso internacional proclama a necessidade de perseguir e punir todos os terroristas e seus protetores.
O sentido do primeiro acontecimento é claro: o direito à propriedade adquirida por meios legais depende da prova de sua “função social”, mas o direito à propriedade tomada pela força depende somente da coloração política dos novos proprietários. Sem desapropriação, sem indenização, qualquer imóvel pode ser imediatamente transferido para o primeiro particular que o tome para si, com a única condição de que o faça sob um pretexto politicamente agradável a Suas Excelências – Dallaris e tutti quanti.
O princípio assim firmado deve valer para toda propriedade imobiliária – rural ou urbana, residencial, comercial ou industrial –, exceto aquela que tenha utilidade estratégica ou publicitária para a causa comunista, única função social que se exige dos imóveis do MST.
O segundo acontecimento também é claro: (1) o crime de tortura, mesmo não provado, e bastando que seja imputado a anticomunistas, é impedimento ao exercício de cargo público; já o de terrorismo praticado pelos comunistas, mesmo quando confesso, não o é; (2) ao adotar essa escala de valores, o Brasil se alinha oficialmente, declaradamente, entre os países que protegem e legitimam a prática do terrorismo. Nada pode atenuar ou camuflar o sentido dessa opção.
Quem conheça a história das revoluções comunistas reconhecerá que, desde a semana passada, o Brasil já não é uma democracia capitalista. É um país em plena transição para o comunismo, onde o atestado de ideologia vale como escritura de propriedade imobiliária e crimes de terrorismo cometidos com a motivação ideológica apropriada são láureas curriculares para o exercício de função ministerial. Poucas revoluções comunistas começaram de maneira tão eficaz, tão direta e sem encontrar a mínima resistência. Mas como explicar isso a pessoas que, por nada saberem do comunismo, se crêem autorizadas a proclamar que ele não existe?