Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 22 de abril de 2013
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 22 de abril de 2013
Olavo de Carvalho
Jornal da Tarde, São Paulo, 28 de setembro de 2000
Candidato à reeleição, o prefeito de Governador Valadares (MG), Bonifácio Mourão, mandou imprimir panfletos que mostravam a foto de dois homens beijando-se apaixonadamente e, abaixo dela, a inscrição: “É isto o que o PT quer para as nossas famílias. Diga não a essa aberração.”
A Justiça Eleitoral mandou apreender os panfletos, sendo aplaudida pela mídia elegante, a qual aproveitou a ocasião para qualificar o prefeito de neonazista.
Não sou idiota o suficiente para deixar de captar o sentido profundo da mensagem que, com essa decisão, as autoridades eleitorais transmitem ao povo brasileiro. É o seguinte:
1) Se é ilegal um candidato qualificar de aberrante o conúbio homoerótico enquanto tal, muito mais o será chamar de aberrante o projeto de lei que confere a essa modalidade de relação o estatuto de união matrimonial sob a proteção do Estado.
2) Se, em projeto, essa lei já não pode ser criticada como aberrante, muito menos o poderá quando aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República.
3) Se é proibido um candidato falar contra os casamentos gays agora que eles ainda não estão na lei, muito mais o será quando estiverem.
4) Assim, embora o uso da palavra “aberração” seja lícito e costumeiro no linguajar de quem condene e deseje revogar alguma lei ou mesmo algum dispositivo constitucional, a lei dos casamentos gays desfruta de um privilégio especialíssimo, que amordaça por precaução os que venham a pensar em criticá-la, antes de aprovada, ou em pedir sua revogação, depois.
5) Se é ilícito um candidato referir-se aos casamentos gays usando um termo bastante comedido que significa apenas “erro” ou “perturbação”, muito mais o será empregar, no mesmo contexto, o termo bem mais pesado “abominação”, que significa coisa asquerosa e digna de repulsa. Como é este último precisamente o termo utilizado no Antigo Testamento para qualificar a conduta homossexual, com mais presteza ainda a Justiça Eleitoral deveria apreender os panfletos se, em vez da declaração pessoal do candidato, estampassem o versículo 24 do capítulo 14 do Terceiro Livro dos Reis. Se é proibido imprimir as opiniões do sr. Mourão, proibidíssimo portanto é publicar, ao menos em tempo de eleições, esse trecho das Sagradas Escrituras.
6) Como a declaração ostentada nos panfletos, de que o PT deseja ver casamentos gays entre os membros de nossas famílias, é uma simples verdade empiricamente comprovável – pois afinal todos os gays provêm de alguma família e o projeto de lei que os une em matrimônio é criação da bancada petista, na pessoa da aliás candidata à Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy -, a proibição da circulação desses papéis deve ser compreendida no preciso sentido de que, contra os gays ou contra o projeto, mesmo a evidência mais patente não pode ser alegada nas campanhas eleitorais, cabendo apenas discutir se poderá sê-lo fora delas.
7) Mas se no caso está proibido não somente alegar fatos, mesmo comprovadamente verdadeiros, mas também emitir opiniões, seja as brandas como a do prefeito Mourão, seja, mais ainda, as duras e contundentes como a do Livro dos Reis, isto é, se contra o homossexualismo e contra o projeto de d. Marta não se pode alegar nem juízos de fato nem juízos de valor, então essa proibição abrange, simplesmente, todas as afirmações e todas as negações.
Restam, portanto, somente as interrogações. Aproveito-me dessa margem de liberdade que escapou à vigilância cívica dos juízes eleitorais, e pergunto, “data venia”, a todos os gays, a seus apóstolos e à autora do projeto:
Vocês querem mesmo que essa sua lei, já antes de aprovada – e mais ainda depois -, seja defendida mediante a proibição de todos os argumentos adversos, ou estariam dispostos a concordar comigo se eu dissesse que a iniciativa da Justiça Eleitoral de Minas é um abuso de autoridade, uma aberração jurídica e uma abominação moral?
Na segunda hipótese, vocês terão demonstrado que sabem sacrificar os interesses imediatos do seu grupo em prol de um direito mais geral e mais alto, que é a liberdade de expressão assegurada pela Constituição a todos os brasileiros. Na primeira, nossa conversa acabará aqui mesmo, pois já terei concluído, com pouca margem de erro, quem é o neonazista neste episódio.