Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil, 10 de abril de 2008
Num artigo publicado semanas atrás ( Engenharia da confusão), expliquei que muitas incoerências aparentes da política oficial não são incoerências: são a aplicação de técnicas consagradas de estimulação contraditória, planejadas para induzir o público a um estado de estupor, de passividade atônita, de obediência robótica.
Não digo que haja sempre nisso premeditação maquiavélica. O emprego dessas técnicas é tão antigo e disseminado no movimento revolucionário, e tão bem amoldado aos hábitos do pensamento dialético, que em muitos líderes e ativistas elas se tornam uma rotina banal. O discurso duplo jorra das suas bocas, a conduta desnorteante flui das suas pessoas com a naturalidade de um bocejo, de um suspiro, de um pum.
Reduzem as Forças Armadas à míngua e alardeiam planos ambiciosos de defesa regional.
Cortejam o apoio dos militares ao mesmo tempo que fomentam campanhas de ódio contra eles e engordam terroristas com indenizações milionárias.
Pavoneiam-se de uma grandiosa “política de segurança pública” e dão ajuda a organizações subversivas aliadas a quadrilhas de narcotraficantes, seqüestradores e assassinos.
Arrotam anti-imperialismo e entregam fatias inteiras do território nacional à administração estrangeira.
Asseguram que o Foro de São Paulo é um inofensivo clube de debates, enquanto seu líder máximo se gaba das vitórias políticas continentais dessa organização.
Em nenhum desses desempenhos tentam sequer camuflar a incongruência. Ostentam-na cinicamente, inibindo nos aparvalhados espectadores não só a coragem de denunciá-la, mas o desejo de percebê-la. Habituando-se a reprimir a própria consciência, o povo se perverte junto com seus governantes e acaba por atribuir a eles uma importância e uma autoridade infinitamente superiores a seus méritos reais.
Um contraste especialmente perturbador – tão contundente que o próprio Hitler o adotou no seu repertório de histrionismos – é a coexistência forçada do risível com o solene, da conduta grotesca com a exigência de consideração e respeito.
Ostentam amor xenófobo à língua pátria enquanto louvam o presidente que a destrói implacavelmente a cada novo discurso.
Dão apoio oficial ao deboche anticristão, e ao mesmo tempo querem ser tratados como pessoas digníssimas e santas, dando a entender que são mais respeitáveis que Jesus Cristo – pretensão demencial que o próprio sr. presidente ilustra em atos ao declarar-se homem sem pecado no instante mesmo em que comete sacrilégio com a cara mais bisonha do mundo.
Uma vez elevados a essas alturas celestes ao lado do seu chefe, um governador se esfrega em público na esposa de um ministro, enquanto outro ministro beija um cantor na boca, como se não lhe bastasse já ter desfilado de collant transparente num baile gay , encarnando triunfalmente aquilo que entende como cultura nacional.
São esses mesmos os que seguida se reunem para decidir, como anciãos veneráveis, os destinos do povo. E o povo, reverente, acata seus mandamentos.
O rei da fábula desfilava nu porque não sabia que estava sem roupa. Nossos reizinhos despem-se de propósito, pelo prazer sádico de forçar a multidão a prosternar-se ante a solenidade do ridículo, ante a majestade do desprezível.
A cada vez que repetem a performance , rebaixam e atrofiam na população não só o senso moral, mas o respeito por si própria e a capacidade de discernimento. Aviltam e estupidificam a nação inteira, e tiram proveito da ruína geral das consciências para aumentar o poder e a riqueza do seu partido, do seu grupo, da sua corja.
Só uma coisa pode libertar-nos da hipnose, da escravidão mental abjeta que esses bandidos impuseram ao país: recusar-lhes toda manifestação de respeito, mesmo casual e discreta, mesmo puramente formal e hipócrita. Conceder-lhes, no máximo, a obediência externa que as leis impõem e a força garante. Respeitá-los, nunca. Se querem deleitar-se na baixeza, na mentira e no crime, que o façam. Mas não precisamos ajudá-los a fingir que são muito louváveis por isso.