Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 14 de fevereiro de 2013
A tal ponto chegou a padronização esquerdista da mídia, da qual falava o meu artigo anterior, que em 2001, em O Globo, segundo confessou seu chefe de redação, Luís Garcia, teve de contratar pelo menos um colunista tido como “de direita”, para não dar muito na vista.
Esse colunista era eu, mas, assim que se tornou patente minha insistência em denunciar as atividades do Foro de São Paulo – cuja simples existência o establishment iluminado negava –, fui expelido não somente daquele jornal, mas da Zero Hora, do Jornal da Tarde e da revista Época.
Fui substituído por uma geração de direitistas soft, que se limitam a defender genericamente a economia de mercado e as liberdades democráticas, sem deixar de fazer toda sorte de concessões ao programa sociocultural da esquerda. E tanto se reduziu nesse ínterim a quota de “direitismo” admissível, que mesmo esses, hoje em dia, são rotulados de radicais, extremistas e golpistas, inclusive pela revista do sr. Carta.
A História já comprovou mil vezes que o rebaixamento da cultura a instrumento de um esquema de poder, acompanhado da supressão das vozes discordantes, é o caminho mais curto para a imbecilização geral.
É claro que a mídia, por si, não pode secar a criatividade das melhores inteligências. O que ela pode fazer, e fez, foi baixar o nível do debate geral para ajustá-lo a uma política que festejava o analfabetismo do sr. Lula como prova de suas “raízes populares” (uma ofensa brutal aos pobres estudiosos) e, coerentemente com o mais rasteiro populismo intelectual, entregava o Ministério da Cultura a homens incapazes de escrever três palavras sem errar duas e meia.
Isso começou com o dogma progressista-populista (já comentado no próprio Imbecil Coletivo), de que “todo es igual, nada es mejor”, de que toda distinção entre o mais alto e o mais baixo é um elitismo fascista, devendo portanto ser extinta a noção mesma de cultura superior e instaurado o cambalache universal que hoje arranca lágrimas de crocodilo do sr. Mino Carta.
Significativamente, o sr. Carta não diz uma palavra sobre a essencial causa mortis da cultura brasileira, a instrumentalização das universidades como centros de formação da militância comunista.
Num ambiente de compressiva uniformização doutrinal, intoxicados de slogans, chavões e cacoetes mentais obrigatórios, protegidos de todo desafio intelectual e cientes de que o menor desvio da ortodoxia dominante pode destruir suas carreiras, milhões de jovens entendem hoje a formação universitária como subserviência canina aos mandamentos de seus orientadores, incluindo, entre as demonstrações rituais de fidelidade, as expressões histéricas de ódio às bêtes noires da mitologia professoral – eu, é claro, em primeiríssimo lugar.
Que alta cultura pode sobreviver nessa atmosfera? Não foi decerto coincidência que alunos da maior universidade brasileira, tendo descido da condição de estudiosos acadêmicos para a de ativistas e militantes, tenham caído daí para a de drogados e praticantes do sex lib e depois para a de bandidos comuns. Qual será a próxima etapa?
Já que o sr. Carta deplora as diferenças entre a cultura brasileira dos anos 40 ou 50 e a de hoje, por que não diz que, dessas diferenças, a maior foi a passagem de um saudável pluralismo ideológico a uma atmosfera de monopolismo partidário, rancor insano e repressão do pensamento divergente?
Será possível imaginar, naquela época remota, um intelectual de boa reputação bloqueando o acesso dos seus adversários à mídia, ou baixando sobre eles uma cortina de silêncio em público ao mesmo tempo que, pelas costas, instigasse contra eles o ódio da juventude universitária?
Naquele tempo, o editor José Olympio costumava reunir no fundo da sua livraria os escritores das mais variadas tendências ideológicas, para conversações que hoje seriam impossíveis. Naquele tempo, foram sobretudo os críticos de esquerda que fizeram a fama de Gilberto Freyre, o inverso de um esquerdista. Naquele tempo, o socialista Álvaro Lins abria as portas do jornalismo a Otto Maria Carpeaux, que chegava da Áustria com a fama de doutrinário-mor do regime católico-autoritário do chanceler Dolfuss.
Não que inexistissem antagonismos. Existiam e eram feios. Mas ninguém fugia de lidar com eles no campo da palavra, ninguém seguia o preceito leninista de tentar destruir socialmente o adversário em vez de discutir com ele.
Diferença por diferença, pergunto se naqueles tempos áureos algum colunista de mídia seria capaz de falar de um problema já abundantemente denunciado e analisado por outro colunista, e fazê-lo com ares de pioneirismo absoluto, sem dar sinal de ter ouvido falar do antecessor. Se o sr. Carta diverge de mim, que seja homem e fale o português claro. Que pare de camuflar sua covardia por trás de uma afetação de superioridade olímpica.
Os exemplos poderiam multiplicar-se ad infinitum. Não foi só a produção de boas obras que diminuiu. Foi muito mais a estatura moral da classe opinante, hoje mais empenhada em consolidar o poder do PT e beneficiar-se financeiramente dele do que em preservar aquele mínimo de integridade e honradez sem o qual não existe vida intelectual nenhuma.
O sr. Carta imita enfim o mafioso que mandou matar o adversário e depois ainda foi ao enterro perguntar à viúva: “De que morreu o seu marido, minha senhora?” A dona, não podendo dar nome aos bois, saiu-se com este maravilhoso eufemismo: “Foi de encontro a um projétil que vinha em sentido contrário.” Pois bem, sr. Carta, foi disso que morreu a cultura brasileira: foi de encontro a um bloco de imbecis presunçosos que vinham em sentido contrário.