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Breve história do machismo

Olavo de Carvalho

Jornal da Tarde, 16 de agosto de 2001

As mulheres sempre foram exploradas pelos homens. Se há uma verdade que ninguém põe em dúvida, é essa. Dos solenes auditórios de Oxford ao programa do Faustão, do Collège de France à Banda de Ipanema, o mundo reafirma essa certeza, talvez a mais inquestionada que já passou pelo cérebro humano, se é que realmente passou por lá e não saiu direto dos úteros para as teses acadêmicas.

Não desejando me opor a tão augusta unanimidade, proponho-me aqui arrolar alguns fatos que podem reforçar, nos crentes de todos os sexos existentes e por inventar, seu sentimento de ódio ao macho heterossexual adulto, esse tipo execrável que nenhum sujeito a quem tenha acontecido a desventura de nascer no sexo masculino quer ser quando crescer.

Nosso relato começa na aurora dos tempos, em algum momento impreciso entre Neanderthal e Cro-Magnon. Nessas eras sombrias, começou a exploração da mulher. Eram tempos duros. Vivendo em tocas, as comunidades humanas eram constantemente assoladas pelos ataques das feras. Os machos, aproveitando-se de suas prerrogativas de classe dominante, logo trataram de assegurar para si os lugares mais confortáveis e seguros da ordem social: ficavam no interior das cavernas, os safados, fazendo comida para os bebês e penteando os cabelos, enquanto as pobres fêmeas, armadas tão-somente de porretes, saíam para enfrentar leões e ursos.

Quando a economia de coleta foi substituída pela agricultura e pela pecuária, novamente os homens deram uma de espertinhos, atribuindo às mulheres as tarefas mais pesadas, como a de carregar as pedras, domar os cavalos, abrir sulcos na terra com o arado, enquanto eles, os folgadinhos, ficavam em casa pintando potes e brincando de tecelagem. Coisa revoltante.

Quando os grandes impérios da antiguidade se dissolveram, cedendo lugar aos feudos perpetuamente em guerra uns com os outros, estes logo constituíram seus exércitos particulares, formados inteiramente de mulheres, enquanto os homens se abrigavam nos castelos e ali ficavam no bem-bom, curtindo os poemas que as guerreiras, nos intervalos dos combates, compunham em louvor de seus encantos varonis.

Quando alguém teve a extravagante idéia de cristianizar o mundo, tornando-se necessário para tanto enviar missionários a toda parte, onde arriscavam ser empalados pelos infiéis, esfaqueados pelos salteadores de estradas ou trucidados pelo auditório entediado com os seus sermões, foi novamente sobre as mulheres que recaiu o pesado encargo, enquanto os machos ficavam maquiavelicamente fazendo novenas ante os altares domésticos.

Idêntica exploração sofreram as infelizes por ocasião das cruzadas, onde, armadas de pesadíssimas armaduras, atravessaram os desertos para ser passadas a fio d’espada pelos mouros (ou antes, pelas mouras, já que o machismo dos sequazes de Maomé não era menor que o nosso). E as grandes navegações, então! Em demanda de ouro e diamantes para adornar os ociosos machos, bravas navegantes atravessavam os sete mares e davam combate a ferozes indígenas que, quando as comiam, – era porca miséria! – no sentido estritamente gastronômico da palavra.

Finalmente, quando o Estado moderno instituiu o recrutamento militar obrigatório, foi de mulheres que se formaram os exércitos estatais, com pena de guilhotina para as fujonas e recalcitrantes, tudo para que os homens pudessem ficar em casa lendo A Princesa de Clèves.

Há milênios, em suma, as mulheres morrem nos campos de batalha, carregam pedras, erguem edifícios, lutam com as feras, atravessam desertos, mares e florestas, sacrificando tudo por nós, os ociosos machos, aos quais não sobra nenhum desafio mais perigoso que o de sujar nossas mãozinhas nas fraldas dos nossos bebês.

Em troca do sacrifício de suas vidas, nossas heróicas defensoras não têm exigido de nós senão o direito de falar grosso em casa, de furar umas toalhas de mesa com pontas de cigarros e, eventualmente, de largar um par de meias no meio da sala para a gente catar.

Transgênicos em Cuba

Olavo de Carvalho

Época, 21 de abril de 2001

Quem diria? Mas nem tudo o que é bom para Cuba é bom para o Brasil

Alertado por um gentil leitor, fui verificar na internet e comprovei que os transgênicos, tão odiados pela esquerda nacional, recebem as mais solícitas atenções do governo de Cuba e têm ajudado a melhorar consideravelmente a produção agrícola daquele Jardim do Éden.

Se têm dúvidas (e há indivíduos cuja ocupação primordial na vida é cobrir de suspeitas qualquer informação que venha de Olavo de Carvalho, chegando alguns a questionar a existência física desse articulista), podem tirá-las examinando o site http://www3.cuba.cu/ciencia/ibp/index.html , do Instituto de Biotecnología de Las Plantas, de Santa Clara, Cuba, entidade estatal destinada “al desarrollo y aplicación de técnicas biotecnológicas” e entre cujas criações se destacam “plantas transgénicas de caña de azúcar, banano, papa y papaya”, de grande sucesso entre os agricultores.

O senhor Bové, portanto, só será admitido na ilha de mãos amarradas e com focinheira, para não obstruir o progresso da ciência.

Mas a incongruência da situação não nos deve fazer esquecer que nada, na atuação das forças de esquerda no continente, é pura arbitrariedade de excêntricos. Desde a fundação do Foro de São Paulo, vem tudo muito bem coordenadinho de Havana, exatamente como nos tempos da Organización Latinoamericana de Solidariedad, a Olas, o QG da revolução continental do qual aquela entidade é a reencarnação pós-moderna.

Se Cuba aposta nos transgênicos, mas busca impedir que sejam usados aqui, não é por loucura: é por cálculo. É pelo mesmíssimo cálculo que o MST, dizendo querer plantar e produzir, invade, desmantela e paralisa fazendas produtivas.

“Loco sí, pero no tonto.” No novo panorama do mundo, os movimentos revolucionários tornaram-se um dos principais instrumentos com que a Nova Ordem Mundial debilita e subjuga os Estados nacionais. Por isso os ataques que esses movimentos fazem às grandes potências são meramente verbais e pro forma. Nem poderia ser de outro modo, pois delas vêm o dinheiro que os sustenta e o aplauso que recebem da mídia chique em Londres e Paris. Já suas investidas contra a ordem pública, contra os valores nacionais, contra as forças armadas e contra o progresso econômico dos Estados periféricos nunca ficam em palavras. São ações materiais, contundentes, eficazes, profundas.

Entregue à sanha de invasores e de ecologistas enragés, a agricultura acabará por se tornar um investimento caro demais para as fortunas brasileiras. Quem ganhará com isso? Investiguem quem patrocina esses sujeitos e terão a resposta.

Mas a agricultura é só um detalhe no conjunto de uma estratégia que, hoje, só os cegos de profissão não querem enxergar. Que exemplo poderia ser mais patente que a santa aliança das multinacionais com a extrema esquerda na luta pela affirmative action?

O mais cínico nisso tudo é que essa esquerda, para vender o país, se utiliza da velha retórica nacionalista dos anos 50. E o discurso ainda funciona tão bem que muitos patriotas sinceros, ouvindo-o, não chegam a perceber que o orador diz uma coisa e faz outra.

PS – Um outro leitor, escandalizado por minha afirmativa de que a associação de iluminismo com liberdade é só um reflexo condicionado verbal sem respaldo na realidade histórica, protesta que sou ingrato com o iluminismo, desfrutando as liberdades que ele criou e ainda falando mal dele. Que raio de raciocínio é esse? Se acabo de dizer que o iluminismo criou o totalitarismo, não posso, ao mesmo tempo, estar grato a ele por liberdade nenhuma. Ou o distinto trate de provar que minha premissa é falsa, ou não exija que eu aceite a conclusão da premissa contrária. Mas os requisitos mínimos de consistência, sem os quais nenhuma discussão é possível, parecem que se tornaram, para o típico brasileiro opinante de hoje, sutilezas inapreensíveis e mistérios esotéricos. E, quanto mais o sujeito tem preguiça de se elevar ao nível de uma discussão, menos resiste à comichão de dar palpite nela.

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