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Salvando o triunvirato global

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 25 de novembro de 2012

O mais óbvio dos erros é medir os gigantes apenas pelo seu coeficiente de visibilidade. Nessa escala, o establishmentanglo-americano – para usar o termo de Carroll Quigley – fica tão mais volumoso, que os outros dois parecem pigmeus inofensivos empenhados bravamente num combate desproporcional. O professor Alexandre Duguin aproveita-se dessa ilusão de ótica para dar às platéias do Terceiro Mundo a impressão de que os blocos russo-chinês e islâmico são seus companheiros de infortúnio, gemendo juntos sob o tacão do “poder unipolar”.

Ele sabe que essa visão das coisas é falsa, que os três grandes esquemas globalistas são igualmente poderosos, ricos, temíveis, ambiciosos e amorais, além de cúmplices uns dos outros. Quando os favelados mentais da USP o aplaudem, ele ri entre dentes. Imaginem com que satisfação sádica ele não vê a juventude enragée apoiar, por puro ódio aos EUA, o regime que proíbe a propaganda gay e se apresenta ao público conservador como a nova e puríssima encarnação dos valores cristãos tradicionais, explorando, com destreza admirável, duas credulidades opostas.

Mas não é só o senso das proporções que aí sai distorcido por completo. É a trama real das relações entre os três blocos, que o duguinismo reduz à simploriedade postiça
de um conflito esquemático entre dois.

Ninguém ignora que a escolha de Barack Hussein Obama como candidato do Partido Democrata em lugar de Hillary Clinton, em 2008, foi uma imposição, um diktat do Grupo Bilderberg. Também é preciso ter feito juramento de cegueira para não enxergar que, durante seu primeiro mandato, o ungido do globalismo fez tudo para desbancar o dólar e debilitar a posição dos EUA no cenário internacional, estancou a produção nacional de petróleo, gás e carvão, atrofiou o sistema americano de defesa, pôs seu país de joelhos ante a China  e a Rússia e, tanto no Oriente Médio quanto em suas políticas de segurança interna, deu mão forte  aos arautos do Califado universal. Igual favorecimento à expansão islâmica tem orientado a política da União Europeia e de vários governos do Velho Mundo abençoados pela internacional fabiana.

Bastam esses fatos para mostrar, acima de qualquer possibilidade de dúvida, que:

(1) A política da elite fabiana não coincide em absolutamente nada com os interesses geopolíticos da nação americana. A demolição do “Império Americano” está no seu programa tanto quanto nos do bloco russo-chinês e do Califado.

(2) O único “poder unipolar” que existe não tem um centro geopolítico, mas reside na área de interseção entre os três grandes esquemas globalistas.

(3) O futuro do mundo, a curto e médio prazo, depende de saber se a frágil unidade que ainda vigora nessa área de interseção vai predominar sobre os interesses de  cada esquema globalista em particular ou se o tripé vai ceder, jogando os três esquemas um contra  o outro, ou dois contra um.

Na primeira dessas hipóteses, teremos uma ditadura mundial. Na segunda, a guerra mundial. Dos três blocos, o único que está preparado para a segunda hipótese, militar e ideologicamente, é o russo-chinês. O islâmico – com a exceção do Irã, que é um boi-de-piranha de Moscou – tem mais a ganhar com a expansão pacífica e a chantagem terrorista, ao passo que o bloco Ocidental procura desarmar-se a olhos vistos, tudo apostando na unidade da ditadura mundial em que os Estados nacionais perdem autonomia na esfera internacional ao mesmo tempo que enrijecem seus controles sociais internos.

A vitória de Barack Hussein Obama é mais um passo nessa direção, um indicador claríssimo de que os EUA vão prosseguir na sua política de autodesmantelamento militar e econômico aliado à expansão ilimitada dos mecanismos de controle policial da sociedade, segundo os mesmos cânones “politicamente corretos” que os organismos internacionais vêm impondo a todos os países do hemisfério Ocidental.

Até onde será possível prosseguir nessa via é algo que depende de como a elite ocidental vai manejar a sua contradição constitutiva: ela tem de  debilitar o poderio americano para subjugá-lo ao comando internacional, mas de outro lado continua precisando dele, por enquanto, como sua base militar. Nada poderia evidenciar mais claramente a sua natureza de parasita.

A pergunta decisiva, para os próximos anos, é: a Rússia e a China vão se contentar em prosseguir desfrutando do seu quinhão na partilha do mundo entre os três grandes blocos, ou vão tentar um golpe de mão para livrar-se dos parceiros e apossar-se de tudo de uma vez?

Obama já foi pego de calças na mão em pleno ato de prometer aos russos que, no seu segundo mandato, fará toda sorte de concessões para aplacá-los e salvar a unidade do triunvirato global. Foi sob o mesmo pretexto que ele afagou as pretensões da Fraternidade Islâmica, obtendo como únicos resultados o acréscimo da violência terrorista e o fiasco de Benghazi.

Vladimir Putin sabe que, em última instância, a unidade é inviável. Ele  tira proveito dela, por enquanto, mas, entre o triunvirato global e o Império Eurasiano, sua escolha já está feita.

O império das puras coincidências

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 22 de novembro de 2012

          

O visconde Christopher Monckton de Brenchley, matemático inglês que deu assessoria ao gabinete de Margaret Thatcher como especialista na aplicação da teoria das  probabilidades à avaliação da autenticidade de documentos, firmou duas semanas atrás uma declaração juramentada quanto à certidão de nascimento de Barack Hussein Obama tal como divulgada pela Casa Branca.

Segundo seus cálculos, a possibilidade de que as pequenas e grandes irregularidades encontradas na certidão sejam puramente acidentais é de 1 para 75 trilhões. Tal é o grau de confiabilidade do documento. Monckton colocou os resultados da sua análise à disposição dos tribunais americanos, sob pena de perjúrio. Charles Neal Delzell, professor de Matemática da Universidade Estadual da Louisiana, fez por sua vez uma declaração juramentada de que os cálculos do visconde estão corretos.

Mas se a presidência americana, o Partido Democrata e a grande mídia em peso podem exigir que os eleitores apostem numa probabilidade tão ínfima, ridicularizando e estigmatizando como louco quem veja nisso um risco excessivo, por que não poderiam também impor a crédula genuflexão ante outras tantas coincidências fortuitas com margem de erro até mais modesta, reduzida, digamos, a alguns bilhões ou milhões? Por que não poderiam exigir que, para não ser acusados de adeptos de “teorias da conspiração” todos se tornassem devotos da “teoria das puras coincidências”?

Por pura coincidência, o general David Petraeus, que estava marcado para depor no Parlamento sobre a omissão de socorro à legação americana na Líbia, foi de repente pego em flagrante vexame de adultério com sua biógrafa Paula Broadwell, sendo forçado a pedir demissão do cargo de chefe da CIA, e, para alívio do alto comando obamista, automaticamente dispensado de prestar o depoimento.

Mas os parlamentares decidiram convocar o general para depor assim mesmo. O que ele disse foi, em substância, que desde o primeiro momento informara à Casa Branca que o ataque em Benghazi fora um ato terrorista premeditado, e que alguém do governo convencera a embaixadora Susan Rice a modificar a história, atribuindo tudo a um protesto popular espontâneo contra um ridículo vídeo anti-islâmico amador divulgado pelo Youtube.

O testemunho do general foi tanto mais importante porque agora se sabe que o embaixador assassinado, Chris Stevens, estava distribuindo armas aos insurgentes sírios, entre os quais havia muitos membros da Al-Qaeda e do Hamas que viriam a participar do ataque ao escritório. Depois essas armas foram usadas para assassinar 28 civis cristãos. O caso assume as dimensões de um crime de alta traição – que a lei americana define como “dar ajuda e conforto ao inimigo” – seguido de uma operação de acobertamento.

O FBI declarou oficialmente que teria descoberto o affair Paula Broadwell meses atrás, por acaso, por mero acaso, quando estava investigando outra coisa. Ao espalhar essa desculpa, porém, a agência dava com a língua nos dentes, confessando que decidira adiar a divulgação até depois das eleições. Isso sugeria uma premeditação duplamente maquiavélica: se o adiamento livrou Obama de um escândalo à véspera da votação, a súbita pressa de divulgar o caso antes do depoimento do chefe do seu serviço de inteligência foi um esforço desesperado para livrá-lo de um escândalo maior ainda.

Na lentidão como na pressa, o controle do fluxo de informações pelo FBI correspondeu ao timing perfeito para evitar danos à imagem do presidente. Mas, claro, quem pensa assim é teórico da conspiração. As pessoas sãs e equilibradas acreditam piamente que foi tudo coincidência, mera coincidência.

Mera coincidência foi também que o computador da campanha republicana, com a lista dos partidários preguiçosos e recalcitrantes a ser visitados nas últimas horas pelos cabos eleitorais e persuadidos a votar, entrasse em pane no dia da eleição, deixando longe das urnas muitos votos que poderiam fazer diferença em favor de Romney. Tudo coincidência, mera coincidência.

Mais coincidência ainda foi que Obama saísse perdendo em todas as zonas eleitorais que exigiam carteiras de identidade com foto dos eleitores, e vencedor nas que aceitavam identidades sem foto ou identidade nenhuma. Coincidência, igualmente, o fato de que até agora todas as máquinas de votar apontadas como defeituosas trocassem sempre os votos de Romney para Obama, jamais deste para aquele.

Etambém quem, senão um paranoico reacionário, veria algo de suspeito no fato de que, em todas as zonas eleitorais das quais foram excluídos os fiscais republicanos, Obama tivesse entre 99% e 100% dos votos, chegando ao prodígio de ter 108% em uma delas? Coincidência, pura coincidência.

As autoridades e a grande mídia têm, por definição, o dom daquilo que se chama “fé pública”: expressam o que a sociedade e as pessoas de bem têm a obrigação de acreditar. Quando, porém, os detentores da fé pública desafiam reiteradamente o cálculo das probabilidades, quando o simples uso da lógica se torna uma abominação e quase um crime, é evidente que se atingiu aquele ponto em que o esquema partidário dominante já desfruta da “autoridade onipresente e invisível de um mandamento divino, de um imperativo categórico”, que Antonio Gramsci descrevia como a situação ideal para a mutação revolucionária da sociedade.

O início da confusão

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 18 de novembro de 2012

Lendo esse tour de force historiográfico admirável que é O Concílio Vaticano II. Uma História Nunca Escrita, de Roberto de Mattei, chamaram-me a atenção duas séries de fenômenos que se repetiram ao longo de todo o Concílio, ao ponto de marcar para sempre a sua fisionomia no quadro da história das ideias no século 20. De um lado, aparece o contraste entre a malícia e destreza política da minoria progressista, cujo ativismo incansável venceu todas as resistências, impôs à assembleia praticamente tudo o que desejava, e a ingenuidade patética dos conservadores, que chegaram ali despreocupados, sem ter ideia de que os esperava um adversário tenaz e organizado.

A maioria do episcopado acreditava piamente que o modernismo teológico condenado no Syllabus de Pio 9 em 1864 estava morto e enterrado. O Concílio mostrou que ele estava se fazendo de defunto para assaltar o coveiro. Renovadas, maquiadas, camufladas sob mil aparências desnorteantes, patrocinadas no fim das contas pelos próprios papas que teriam a obrigação de condená-las, as teses modernistas reapareceram  com  força avassaladora, reduzindo os oponentes ao estado de estupor paralisante, de indignação impotente, que a Bíblia descreve como “escândalo”.

Mas esse fenômeno, por mais chocante que pareça, não foi propriamente novidade: apenas reencenou, em escala eclesial, o crônico triunfalismo suicida dos conservadores em geral – não só religiosos –, que universalmente confundem a teoria com a prática, a superioridade abstrata com a supremacia de facto, e, porque impugnaram os erros do adversário, acreditam que com isso o removeram do cenário histórico, muito se surpreendendo quando o bicho sai do túmulo com um sorriso de escárnio e os faz de otários pela enésima vez.

Se a vida fosse um tratado de lógica, as ideias cretinas não teriam vez; não existiriam revolucionários, demagogos insanos, inventores de sociedades paradisíacas que invariavelmente se transmutam, no devido tempo, em infernos sangrentos. Mas a vida  é um teatro do absurdo, onde as promessas enganadoras são justamente as mais persuasivas e onde desprezar os conselhos da sabedoria parece ser a obrigação número um do ser humano.

Na Igreja ou fora dela, revolucionários e conservadores esmeram-se em ignorar essa obviedade, os primeiros buscando incansavelmente novos e sofisticados motivos para deixar-se seduzir pela serpente, os segundos apostando que, deixada a si mesma, sem advertências especiais, desta vez Eva rejeitará a maçã. O que mais me surpreendeu no panorama traçado por de Mattei não foi, portanto, que essa tragicomédia de erros se repetisse. Foi a pobreza intelectual, a rigidez mental dos debates, onde posições firmadas  de antemão se confrontaram estaticamente, sem  interpenetração dialética nem fecundação mútua, reduzindo tudo, em última instância, a uma disputa política no sentido de Carl Schmitt, a uma contagem de cabeças.

O partido progressista, é verdade, chegou ali armado de um instrumental dialético mais aprimorado e sutil, mas de uma dialética perversa, que em vez de compreender em profundidade as intenções do adversário buscava apenas macaquear-lhes as aparências para convertê-las  nos seus opostos, dando-se os ares inocentes de quem seguia a tradição católica no instante mesmo em que fazia tudo para destruí-la.

 Em favor dos progressistas, deve-se reconhecer também que descreviam acuradamente o estado de coisas na sociedade moderna, apenas conferindo-lhe indevidamente o valor e o status de um princípio fundador, de uma fonte doutrinal, consagrando em lugar da revelação a autoridade do fato consumado. Por exemplo: o planeta está superpovoado? Suprima-se a primazia da procriação na doutrina católica do matrimônio. Os comunistas dominaram metade do mundo? Passemos a afagá-los, esquecendo tudo o que os papas falaram contra eles.

E o que fizeram os conservadores? Limitaram-se a repetir  mecanicamente a doutrina de sempre, opondo-a às pretensões modernistas como se estivessem no mesmo plano, como se fossem programas antagônicos de partidos políticos. Não fizeram o mínimo esforço de absorver e transcender criativamente essas pretensões, de provar em ato a superioridade da doutrina tradicional pela sua força de explicar e compreender desde a raiz a realidade sociocultural da qual seus adversários se faziam meros bonecos de ventríloquo e legitimadores acríticos, quando não apologistas deslumbrados.

A palavra “concílio”, que significa “assembleia”, vem da mesma raiz do verbo “conciliar”. Mas, nas condições mencionadas, a única conciliação possível entre os opostos era o acordo político, um ajuste mecânico de concessões que só favorece os mais astutos e oportunistas, como  acabou acontecendo. Nada da conciliação dialética que ensinava o velho Aristóteles, a qual exige absorção, integração e superação. A malícia de uns e a inércia intelectual de outros fizeram do Concílio o toque inaugural da confusão contemporânea.

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