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Uma nação de extremistas

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 12 de abril de 2007

Já se tornou prática geral da nossa mídia, quase uma norma de redação, carimbar como “extremista de direita”, sugerindo a conveniência de excluí-lo do debate decente, quem quer que se oponha ao abortismo, à eutanásia, à lei da mordaça gay , ao desarmamento civil, ao neo-racismo anti-racista e a outros itens do cardápio jurídico-moral servido às nações pelos autonomeados governantes do mundo.

Acontece que, segundo vêm mostrando repetidamente as pesquisas do Datafolha, a maioria do povo brasileiro se inclui precisamente nessa categoria. Mais de sessenta por cento dos nossos compatriotas vêem com mal disfarçada hostilidade os novos padrões de conduta que o governo, os jornais, a TV, o cinema e as escolas lhes querem impor como normativos e obrigatórios.

Em contrapartida, se somarmos todos os jornalistas, intelectuais, ativistas, ongueiros, empresários, banqueiros, políticos e burocratas que escolhem as opiniões aprovadas e condenadas, não obteremos um por cento da população nacional. Vamos portanto entrando num novo tipo de democracia, em que uma elite minúscula, montada no poder do dinheiro, do ativismo e da propaganda, marginaliza e criminaliza a maioria, sempre a pretexto de libertá-la das trevas da ignorância e conduzi-la ao paraíso da igualdade, da não-discriminação e dos direitos humanos.

A diferença é que essa minoria se reúne, se adestra, se organiza, suga e junta recursos, ocupa espaços, acumula poder e age sem parar. A maioria, amorfa e dispersa, a tudo assiste, boquiaberta e passiva, às vezes desejando reagir mas sem saber nem por onde começar.

A minoria não aceita contradição. Quando frustrada nas suas exigências, entende isso como recuo tático provisório, voltando à carga depois de algumas semanas. A maioria, justamente porque percebe a absurdidade das pretensões minoritárias, apega-se à esperança suicida de que tudo seja uma moda passageira, sem saber que se trata de uma estratégia abrangente preparada ao longo de mais de setenta anos sob o patrocínio de algumas das maiores fortunas do universo e calculada para desembocar na utopia de Herbert George Wells: o “mundo planejado”. Embora os preparativos para essa maravilha sejam abertos, públicos e fartamente documentados, convencionou-se que mencioná-los é “teoria da conspiração”, rótulo infamante que ninguém quer atrair sobre si.

Para completar, a minoria ambiciosa é totalmente desprovida de escrúpulos, não hesitando em falsificar estatísticas em massa, suprimir os fatos adversos, calar pelo boicote e pela intimidação as vozes discordantes e paralisar o adversário por meio de chantagem emocional, fazendo-se de vítima perseguida e clamando por socorro policial cada vez que ouve a palavra “mas”. A maioria, apegada aos resíduos de uma civilização milenar, ainda acredita estar diante de pessoas razoáveis e cordatas, das quais é possível obter concessões mediante argumentação e diálogo. Anestesiada por essa crença ilusória, vai ela própria fazendo concessão em cima de concessão, até o dia em que nada mais lhe restará para conceder, porque tudo lhe terá sido tomado.

A vigarice acadêmica em ação

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 10 de abril de 2007

A declaração escandalosa da ministra Matilde Ribeiro, incentivando abertamente a hostilidade dos negros aos brancos, não é um produto original da sua cabecinha oca. É o eco passivo de uma longa e ativíssima tradição cultural. Desde que Stalin ordenou que o movimento comunista explorasse todos os possíveis conflitos de raça e lhes desse o sentido de luta de classes, ninguém obedeceu talvez a essa instrução com mais presteza, fidelidade e constância do que os “cientistas sociais” brasileiros.

Praticamente toda a nossa produção universitária nesse domínio consiste num longo e barulhento esforço para instigar nos negros e mulatos o ódio retroativo não só aos senhores de escravos e aos descendentes de senhores de escravos, mas aos brancos em geral, inclusive os que lutaram pela libertação dos escravos, os que se casaram com pessoas negras, os que nunca disseram uma palavra contra a raça negra nem lhe fizeram mal algum. Todos esses, segundo a doutrina do nosso establishment acadêmico, são racistas inconscientes, virtualmente tão perigosos quanto Joseph Goebbels ou a Ku-Klux-Klan. Até os negros são um pouco racistas contra si próprios. Inocentes do crime de racismo, só mesmo os distintos autores desses estudos e os militantes das organizações inspiradas neles. Ou seja: ou você é um dos acusadores, ou é um dos culpados. Tertium non datur.

Um fluxo incessante de teses de mestrado e doutorado, fartamente subsidiadas pelo governo e por fundações internacionais bilionárias, jorra das nossas universidades para dar credibilidade a essa doutrina adorável. Os oito preceitos metodológicos que a fundamentam são os seguintes:

1. Atribuir à discriminação racial a diferença de padrão econômico entre negros e brancos, omitindo o fato de que entre a abolição da escravatura e o início da industrialização nacional transcorreram mais de quarenta anos durante os quais a população negra libertada se reproduziu incomparavelmente mais que o número de empregos disponíveis.

2. Mostrar os negros como vítimas predominantes de crimes violentos, sem perguntar se não são também predominantemente os autores desses crimes. Todo assassino, branco ou negro, é assim considerado a priori um instrumento da violência branca contra os negros.

3. Do mesmo modo, explicar toda violência policial contra negros como efeito do racismo branco, sem perguntar se os policiais que a cometeram eram negros ou brancos.

4. Mostrar os europeus sempre como escravizadores e os negros como escravizados, omitindo sistematicamente o fato de que as tropas muçulmanas, repletas de negros, invadiram a Europa e aí escravizaram milhões de brancos desde oito séculos antes da chegada dos europeus à África.

5. Explicar portanto a escravidão interna na África como mero efeito da escravidão européia, invertendo a ordem do tempo histórico.

6. Transformar cada raça em pessoa jurídica, titular de direitos, quando negra, e de responsabilidade penal, quando branca.

7. Dar por implícito que todo branco é culpado pelos atos dos senhores de escravos, mesmo quando não tenha um só deles entre os seus antepassados e mesmo que tenha chegado ao Brasil, como imigrante, décadas depois do fim da escravidão.

8. Lançar a culpa de tudo na “civilização judaico-cristã”, justamente a única que, ao longo de toda a história humana, fez alguma coisa em favor das raças escravizadas.

A palavra “viés” é delicada e sutil demais para qualificar a atitude mental que gera esses estudos. A sociologia das raças que se produz nas nossas universidades é puro material de propaganda, deliberadamente mentiroso e calculado para legitimar a violência revolucionária contra aquilo que o ex-governador Cláudio Lembo chamou de “elite branca cruel e egoísta”. Ciência social, no Brasil, é crime organizado.

A direita a serviço da esquerda

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 09 de abril de 2007

Dentre as muitas coisas verdadeiras ditas pelo sr. Fernando Henrique Cardoso entre uma mentira e outra, esta merece a maior atenção:

“Não existe direita no Brasil, no sentido clássico do conceito… O pensamento conservador filia-se a uma tradição ocidental que estabelece como pilares da ordem a família, a propriedade, os costumes. O nosso conservadorismo não é nada disso. Tem a ver com clientelismo, patrimonialismo, uso indevido dos recursos do Estado. Ele não é composto de um ideário, e sim de aproveitadores. Por que a ‘direita’, no Brasil, apóia todos os governos, não importa qual? Na história recente, ela apoiou os militares, apoiou o Sarney, apoiou o Collor, apoiou a mim, apóia o Lula. Porque seus integrantes não são de direita. Essa gente toda só quer estar perto do Estado, tirar vantagens dele.”

Só faltou ele acrescentar – e por isso acrescento eu – que esse é o mais grave problema do Brasil. Desde logo, só a economia capitalista pode gerar prosperidade, mas o sucesso dessa economia depende diretamente da conduta da classe capitalista. Ora, é precisamente a essa classe que o ex-presidente se refere. Se ela própria insiste em se tornar dependente do Estado, por interesses imediatistas e pela relutância covarde em se expor plenamente aos riscos da livre concorrência, ela condena o capitalismo brasileiro à atrofia perpétua. Não tem sentido um sujeito prosternar-se ante a autoridade governamental e depois reclamar que ela o oprime com sobrecarga de impostos e de exigências burocráticas. Se você quer independência, tem de agir com independência. No Brasil os ricos gritam “Enxuguem o Estado!”, mas querem continuar nadando na piscina das verbas oficiais. Assim não dá.

Mas os efeitos da subserviência capitalista ao Estado vão muito além da esfera econômica. O exemplo da classe rica se propaga por toda a população e a corrompe, fazendo de cada cidadão um virtual pedinte de dinheiro público. O brasileiro não sonha em enriquecer com trabalho, poupança e investimento, mas em chegar o mais rápido possível à aposentadoria. E ele não pensa assim por ser preguiçoso, mas porque sua poupança é comida pelos impostos e a única forma de investimento que resta ao seu alcance são as contribuições previdenciárias. O Brasil não é uma potência capitalista porque preferiu ser antes um imenso Instituto de Previdência. Os efeitos psicológicos dessa situação são devastadores: se o objetivo da vida é a aposentadoria, o trabalho não é o caminho da prosperidade e da auto-realização, mas uma incomodidade temporária que deve ser removida o mais rápido possível. Então o desleixo e a incompetência tornam-se não apenas direitos, mas até deveres: como o trabalho não tem nenhuma outra finalidade senão ser abolido o quanto antes, o trabalhador esforçado é visto como um vaidoso pedante ou como um puxa-saco do patrão.

Estragando a população em geral pelo mau exemplo, a acomodação capitalista no seio da burocracia corrompe ainda mais os políticos. Corrompe-os por três lados ao mesmo tempo:

1. Os que são seus amigos tornam-se ipso facto agentes de negócios, captadores de recursos estatais para financiar – ou salvar – empresas privadas.

2. Os inimigos, temporariamente excluídos da mamata, sentem-se investidos do direito de multiplicá-la em proveito próprio tão logo cheguem ao poder e imaginam-se, por essa mesma razão, as pessoas mais honestas do mundo. Quando, na CPI dos Anões do Orçamento em 1993, os petistas vociferavam contra “o Estado dentro do Estado”, referindo-se hiperbolicamente a vulgares negociatas entre empreiteiros e parlamentares, ao mesmo tempo que já iam preparando o futuro Mensalão – este sim um verdadeiro Estado dentro do Estado –, não tenho a menor dúvida de que ao menos inconscientemente identificavam a justiça social com a distribuição igualitária do direito de roubar. Por isso mesmo não sentem hoje a menor dor na consciência por tudo aquilo que têm feito desde que se tornaram os novos donos do poder. Vigarice por vigarice, acham mais lícita aquela que não favorece só as velhas elites mas reparte o botim entre os pobres e oprimidos – isto é, eles próprios. Caso contrário não teria razão de ser a afetação de coitadice com que um Lula ou uma Benedita, alçados à mais alta hierarquia do Estado, continuam se vendo como membros da classe desamparada.

3. Uns e outros, amigos e inimigos, acabam tendo seus interesses vitais diretamente ligados à burocracia estatal — e tudo farão para que ela continue crescendo, a despeito até de suas convicções pessoais.

Do ponto de vista ideológico, então, os efeitos da simbiose entre Estado e elite empresarial raiam o monstruoso.

Primeiro: por falta de advogados, a defesa dos “pilares da ordem, a família, a propriedade, os costumes” , como os resumiu Fernando Henrique, é excluída do linguajar político decente e jogada para o limbo da “extrema direita”. Como, por outro lado, ela expressa os ideais majoritários da população brasileira, o resultado é que o Brasil se torna uma nação de excluídos políticos, onde a maioria não tem representantes nem porta-vozes. Privado dos canais normais de atuação, o conservadorismo brasileiro recua para o inconsciente coletivo e tem de se expressar por vias simbólicas, indiretas, analógicas. Muitos dos eleitores de Lula votaram nele pelo simples fato de que ele parecia um tipo mais antigo, mais arraigado nas tradições populares, do que seus concorrentes moderninhos, com ares de tecnocratas. O motivo da escolha não foi político nem ideológico: foi puramente estético. Não encontrando quem falasse em seu nome, o povo votou em quem se parecia com ele fisicamente, sem ter a menor idéia de que elegia o candidato do aborto, do desarmamento civil, do casamento gay – de tudo o que podia haver de mais artificial e antipopular. Aí a política eleitoral se torna pura fantasia alucinatória.

Segundo: dentre os defensores da economia privada, muitos têm menos horror ao esquerdismo do que à perspectiva de ser tomados por “extremistas de direita”. Então apressam-se em isolar economia e cultura, articulando a apologia do capitalismo com a do programa cultural revolucionário, incluindo abortismo, eutanásia, liberação das drogas e anticristianismo professo ou implícito. Tornam-se assim forças auxiliares da revolução gramsciana, e toda a sua gritaria em favor da liberdade de mercado já não faz a menor diferença, pois ninguém na esquerda está lutando pela socialização dos meios de produção; todas as tropas foram concentradas no campo de batalha cultural.

Terceiro: se uma parte da direita não tem ideologia nenhuma e a outra tem uma ideologia que favorece a revolução cultural, o resultado é que a esquerda fica com o monopólio da propaganda ideológica. Até os que a odeiam são obrigados a falar na linguagem dela, o que significa que tudo o que dizem funciona no fim das contas como propaganda esquerdista.

Quarto: não é possível que a própria “direita” que criou essa situação permaneça psicologicamente imune a seus efeitos por muito tempo. Ela própria acaba introjetando a cosmovisão e os valores da esquerda, e no fim das contas já não tem nada a alegar em favor do capitalismo senão o fato de que ele é do seu interesse. E é exatamente assim que estamos hoje em dia: entre os opinadores de plantão, não há mais quem não veja a política como a luta entre “interesses” privados e “valores” coletivos. Em suma: no Brasil, entre as classes falantes, todo mundo é de esquerda – uns porque gostam, outros porque não sabem ser outra coisa.

Não conheço, por exemplo, entre os “direitistas” brasileiros, um só que não enxergue a economia, em última instância, exatamente nos termos em que a descreveu Karl Marx. Por menos que gostem disso, seu cérebro está programado para enxergar o capitalismo como luta de classes e exploração da mais-valia. Quanto mais dizem tomar o partido da sua própria classe, mais se tornam prisioneiros da jaula marxista.

Também não conheço um só capitalista que não acredite na lenda esquerdista de que Karl Marx foi “um grande pensador”. Podem proclamar até que “o marxismo está superado”, mais quanto mais o depreciam da boca para fora, mais lhe rendem homenagem em pensamento.

Ora, Karl Marx não foi nenhum gênio, nenhum grande pensador, nenhum cientista social notável. Foi uma besta quadrada, incapaz de dominar os problemas filosóficos mais elementares e de se orientar no meio da mixórdia verbal que ele próprio criou. Seu único talento foi o do vigarista intelectual capaz de angariar prestígio por meio do blefe, do boicote e da intimidação. Estudem a atuação dele na I Internacional e verão do que estou falando.

Mas, antes disso, examinemos um ponto essencial. Embora a tradição marxista condene com veemência o “abstratismo burguês” que supostamente raciocina a partir de meros conceitos sem ter em vista a praxis histórica, toda a análise que Marx faz da economia capitalista é abstratismo da espécie mais primária. Ele define o capitalismo como exploração da mais-valia e sai tirando conclusões dessa definição sem prestar a mais mínima atenção às condições histórico-sociais que já na sua época possibilitavam a existência do capitalismo. Na sua definição, este se resume a uma determinada relação entre capitalistas e operários, exploradores e explorados. Nesse esquema, não há nenhum lugar para a massa dos consumidores, a vasta classe média da qual depende a existência de capitalistas e operários. Uma máquina econômica constituída apenas de exploradores e explorados não poderia durar um só dia. Afinal, quem paga a brincadeira? Partindo da sua definição de capitalismo, Marx acreditava que o número de consumidores iria diminuir cada vez mais, até que a máquina de exploração já não tivesse condições de funcionar. Mas o único argumento que ele oferece em favor dessa previsão é que ela é uma decorrência lógica da sua definição de capitalismo – uma definição que, a priori , já omitia a existência dos consumidores. Na verdade, estes é que deveriam ser o centro da definição: o capitalismo pode até incluir exploradores e explorados, mas ele não consiste nem em explorar nem em ser explorado — ele consiste em comprar e vender. Até mesmo a relação entre patrão e empregado é apenas um caso especial de compra e venda – algo que qualquer principiante habilitado a distinguir gênero e espécie tem a obrigação de perceber. Em vez de definir o capitalismo pelo perfil real da sua existência histórica, Karl Marx preferiu reduzi-lo a uma “essência” abstrata que pudesse ser descrita mediante uma só relação simples, a relação entre salário e “valor”. Depois, vendo que a existência real do capitalismo não confirmava a essência, concluiu que esta acabaria por predominar sobre a existência. Maior “abstratismo burguês” não poderia haver: uma essência abstrata que pode mais do que a realidade histórica é uma espécie de platonismo radical, o primado absoluto das idéias (com o agravante de que as idéias platônicas eram pensadas por Deus, e a definição marxista de capitalismo é pensada apenas por Karl Marx). Na realidade objetiva, a existência e a prosperidade do capitalismo dependem inteiramente do mercado, isto é, dos consumidores, e isto é assim já na base, na “essência” mesma do processo. Se o capitalismo foi economicamente viável por um só dia, nesse dia já ele aumentou o número de consumidores, pois alguém então comprou o que não havia comprado antes. Dessa condição real, o que seria preciso deduzir é que o capitalismo consiste na ampliação do mercado, na multiplicação do número de consumidores. Se cabe descrever os processos históricos como “essências”, essa é a essência do capitalismo – e o que se deveria deduzir dela é que, se essa essência viesse a existir historicamente, o resultado seria a ampliação progressiva da classe média até à dissolução do “proletariado” como classe identificável. Isto foi exatamente o que aconteceu, e é exatamente o contrário do que Marx previa. Para fazer a previsão certa, ele precisaria ser um filósofo de verdade, isto é, saber pelo menos aquilo que todo discípulo de Sócrates já havia aprendido dois milênios antes: distinguir entre o que o cérebro inventa e o que a experiência ensina. A experiência pode ser confusa e o pensamento introduz nela alguma ordem e clareza. O que não vale é, em prol da clareza, substituir a experiência por meros pensamentos. Mas Karl Marx foi um pouco além: ele acreditou piamente que seus pensamentos acabariam por demonstrar a irrealidade da experiência.

Não é compreensível que alguém tenha sequer algum respeito por um idiota capaz de embarcar num erro tão básico. A fama de Karl Marx deve-se apenas ao fato de que a idiotice é contagiosa e o número dos contaminados acaba valendo como uma espécie de autoridade intelectual. Ao contrário do que pensava Descartes, é a idiotice e não a sensatez que é distribuída por igual entre todas as classes: a proporção de idiotas não é maior entre aqueles a quem o marxismo promete um paraíso do que entre aqueles que ele ameaça jogar na lata de lixo da História. Os primeiros são idiotizados pela ambição, os segundos por aquele medo extremo que acaba se tornando fascínio e subserviência.

Não adianta nada você gostar do capitalismo se acredita que ele é baseado na exploração da mais-valia e que sua única chance de sobrevivência reside em fazer concessões cada vez maiores à militância socialista detentora do monopólio dos valores morais e das esperanças de futuro.

Ou você acredita que o capitalismo encarna valores morais inegociáveis e que ele é a única esperança de dias melhores para a humanidade, ou é mais lógico você desistir logo dele e arrumar uma carteirinha do PSTU.

***

P. S. — Se você é católico, não se sinta obrigado a dizer amém à declaração do Papa de que Karl Marx “forneceu uma imagem clara do homem vitimado por bandidos”. Não é uma sentença doutrinal ex cathedra , é apenas uma opinião individual que todo católico tem o direito e até o dever de contestar. Não adianta nada o meu caro Reinaldo Azevedo tentar atenuar o sentido da frase, dizendo que ela não é propriamente um elogio a Karl Marx. A declaração não impressiona pelo que insinua a favor de Karl Marx, mas pelo que diz claramente contra os capitalistas: são bandidos. Assim os descreveu Karl Marx, e o Papa considera essa descrição uma “imagem clara”. E o mais bonito é que a ela o ex-cardeal Ratzinger não tem a objetar senão que Karl Marx, limitando-se à esfera material, não foi ao fundo espiritual do problema. Portanto, na perspectiva papal, não basta denunciar o mal econômico da exploração da mais valia: é preciso sondar as dimensões espirituais dessa abominação. Que eu saiba, esse é o programa da Teologia da Libertação: adornar a estupidez marxista com pretextos espirituais colhidos da religião cristã. Cabe recordar que, no trato disciplinar com os Boffs e Gutierres, Ratzinger sempre se limitou às reprimendas paternais sem o mínimo efeito prático, ao mesmo tempo que, para os católicos tradicionais, reservava a mais grave das punições: a excomunhão. Não espanta que um Pedro Casaldáliga não lhe tenha respeito nenhum e lhe passe pitos em público. A ninguém os comunistas desprezam mais do que a seus colaboradores discretos no seio da “direita”. Nossos direitistas deveriam aprender com o exemplo: quanto mais você se faz de bonzinho, mais a esquerda lhe cospe em cima.

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