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Sociopatia e revolução

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 23 de outubro

Com toda a sua presunção e arrogância, a ciência social moderna não conseguiu produzir nenhuma descoberta que se aproximasse, em exatidão e força explicativa, da doutrina hindu das quatro castas, da qual a concepção marxista da luta de classes é uma imitação caricatural e remota, daí derivando a impressão de veracidade que possa exercer sobre a mente simplória do “proletariado intelectual” universitário.

É impossível, a quem tenha se dado o trabalho de estudar um pouco a explicação hinduísta do processo histórico, observar a seqüência das estruturas de poder que se sucedem ao longo da história ocidental sem notar que ela repete ipsis litteris a transição do governo brâhmana para o kshatryia, deste para o váishyia e deste para o desgoverno shudra e para a confusão dos párias que prenuncia ou o fim da sociedade ou o retorno à ordem inicial.

Vou aqui resumir brevemente essa doutrina, não como ela é em sua pura formulação originária, mas na adaptação que lhe dei, em cursos e conferências proferidos desde 1980, para torná-la mais flexível como instrumento explicativo de processos histórico-culturais mais recentes.

Os brâhmana são a casta intelectual, voltada à busca do conhecimento espiritual e à construção de uma ordem social que reflita mais ou menos a “vontade de Deus” – as leis que determinam a estrutura inteira da realidade.

Os kshatryia são os guerreiros e aristocratas, que sobrepõem à estrutura da realidade a glorificação das suas próprias tradições dinásticas e a expansão do seu poder militar.

Os váishyia são os burgueses e comerciantes. Buscam em tudo o lucro e a eficácia econômica, que tomam ilusoriamente como um poder efetivo, ignorando as bases militares e espirituais da sociedade e terminando por ser rapidamente destruídos pelos shudra. Estes são os “proletários”, no sentido romano do termo. Incapazes de governar-se a si mesmos, importam somente pelo poder do número, pela extensão quantitativa da “prole”.

Os brâhmana caem pela sua dificuldade de manter-se fiéis à intuição espiritual originária, esfarelada entropicamente em confrontações doutrinais de um artificialismo sufocante, cada vez mais insolúveis e violentas.

A ascensão do poder aristocrático, com a formação dos modernos Estados nacionais, nasceu diretamente da necessidade de apaziguar os conflitos religiosos por meio de uma força externa, político-militar.

O governo kshatryia cai porque o establishment aristocrático-militar é um poder essencialmente centralizador e expansionista, que tem de se apoiar numa burocracia crescente cujos funcionários ele próprio não pode continuar fornecendo indefinidamente e que ele colherá, portanto, entre os membros mais talentosos das duas castas inferiores, aos quais dará o adestramento necessário para o exercício de suas novas funções administrativas, judiciais, diplomáticas etc. Daí nasce a “intelectualidade” moderna, como subproduto de um sistema de ensino voltado à formação de funcionários para o Estado. Por outro lado, tão logo a burocracia se consolida como meio de ascensão social, os candidatos a ela são sempre em número maior do que os cargos disponíveis, ao mesmo tempo que o ensino, sendo ele próprio um instrumento de seleção, tem necessariamente de atingir um círculo maior de alunos do que aqueles aos quais pode garantir um cargo no funcionalismo público. A burocracia com que o Estado kshatryia controla a sociedade torna-se assim uma bomba de efeito retardado. De um lado, não é preciso dizer que a intelectualidade burocrática logo tem em suas mãos o controle efetivo do Estado, sonhando em sacudir de seus ombros o jugo de uma casta aristocrática cada vez mais ociosa e dispendiosa. De outro lado, há a multidão dos rejeitados. Suas ambições foram despertadas pelo ensino, frustradas pela seleção profissional. Eles formam o contingente daquilo que denominei “burocracia virtual” – o exército crescente daqueles indivíduos relativamente adestrados, mas sem função. Seu único lugar possível na sociedade é dentro do Estado, mas o Estado não tem lugar para eles. Eles são a classe revolucionária por excelência, o personagem central da aventura moderna. Não demorarão a sonhar com um Estado amoldado às suas necessidades. Enquanto não conseguem criá-lo, ocupam-se de tagarelar infindavelmente sobre todos os assuntos, espalhando por toda a sociedade seu rancor e suas frustrações e, sobretudo, adornando-se usurpatoriamente do prestígio dos antigos brâhmana, dos quais constituem a caricatura invertida. Os “intelectuais” são o clero leigo da Revolução. Se vocês já ouviram falar em PT, sabem do que estou falando. Mais adiante voltarei a isso.

Por outro lado, o Estado aristocrático custa caro e não pode se manter indefinidamente com os recursos de uma economia agrária tradicional e simplória; a expansão econômica requer a mobilização de capacidades específicas que são as dos váishya. Os banqueiros e industriais fornecem a nova base econômica do Estado, arregimentando a mão-de-obra shudra em proporções jamais sonhadas antes e substituindo à antiga economia agrária o moderno capitalismo.

É nesse momento – e só sob esse aspecto — que a diferença entre dois sistemas de propriedade dos meios de produção se torna determinante historicamente, criando uma situação peculiar que Karl Marx projetará enganosamente sobre todo o curso da História. Mas também é claro que a ascensão do capitalismo, em si, não apresenta risco para a classe aristocrática, a qual facilmente se adapta aos novos modos de adquirir riqueza e integra nas suas fileiras, por meio de casamentos e da distribuição de títulos nobiliárquicos, os novos ricos ascendidos sem nobreza ancestral, sine nobilitate (abreviatura s. nob., donde o termo “esnobe”). A essa adaptação corresponde, politicamente, a passagem do Estado monárquico absoluto à moderna monarquia parlamentar, um processo que não tem por que ser violento ou traumático, só vindo a sê-lo na França porque o crescimento excessivo da burocracia estatal tinha ocasionado fatalmente um crescimento ainda maior da “burocracia virtual” e transformado em puro rancor revolucionário as ambições frustradas da intelectualidade. Foi esta que fez a revolução. Não havia um só capitalista entre os líderes revolucionários, e a burguesia, como se viu na Inglaterra, jamais precisou de revolução nenhuma para se elevar socialmente a um status ao qual a própria aristocracia a convidava insistentemente. O conceito de “revolução burguesa” é uma das maiores fraudes da história das ciências sociais. Os componentes da burocracia virtual, por sua vez, não podem ser definidos economicamente. Seu único traço em comum era a educação que os diferenciava da massa. Vinham de todas as classes – do campesinato, do antigo clero, da pequena burguesia, dos setores empobrecidos da própria aristocracia. Não tinham unidade de origem, mas de situação social e ambições. A fórmula verdadeira da sua unidade residia no futuro: na imagem do Estado perfeito, investido de todas as virtudes que eles próprios julgavam encarnar. Vivendo de fantasia autoglorificante, compensação psicológica de sua posição social vexatória, não é de estranhar que se concebessem como herdeiros da autoridade intelectual dos brâhmana mas também se imaginassem os sucessores naturais da Igreja como porta-vozes e protetores dos pobres e oprimidos, os shudra. Por toda parte falam em nome da “ciência”, mas também da “justiça social”. Imaginam encarnar ao mesmo tempo a autoridade espiritual mais alta e os direitos espezinhados da casta mais baixa. Mas assim como não houve burgueses na vanguarda da “revolução burguesa”, não haverá proletários entre os líderes da “revolução proletária”. Toda a sociologia revolucionária é uma fraude ideológica destinada a encobrir o poder dos “intelectuais”. Estes não são casta nenhuma. São uma interface nascida acidentalmente do inchaço canceroso da burocracia, e por isso mesmo lutarão para fazê-la crescer ainda mais onde quer que adquiram os meios para isso. São, a rigor, párias – uma mescla confusa e delirante de fragmentos de discursos das várias castas. São a pseudo-casta sem função nem eixo, sociopática por nascimento e vocação.

A ascensão da burguesia capitalista não é um processo revolucionário. É um longo e complexo processo de incorporação e adaptação. O capitalismo francês nasceu e permaneceu raquítico por causa da Revolução, que veio com a expansão burocrática e continuou vivendo dela até hoje, numa nação que é, por excelência, o paraíso dos “intelectuais”. O capitalismo desenvolveu-se, isto sim, na Inglaterra, onde a aristocracia se adaptou suavemente às suas novas funções capitalistas, e na América, onde, sendo rala a presença da aristocracia de sangue, a própria burguesia capitalista se investiu do ethos heróico-aristocrático, gerando uma nova casta kshatryia. Observo, de passagem, que essa transfiguração da burguesia americana em aristocracia – o fenômeno mais importante e vigoroso da história moderna – jamais teria sido possível sem a profunda impregnação cristã da nova classe, que fazia dela, em contraste com a farsa dos “intelectuais”, a herdeira parcial e longínqua, mas autêntica, da autoridade brâhmana.

Na doutrina hindu, não há jamais um governo shudra. Os shudra são, por definição, governados e não governantes. O sujeito pode nascer shudra mas ao ascender a funções de importância já é um “intelectual” (se Lula continuasse torneiro mecânico, seria apenas torneiro mecânico). O que pode haver é o governo dos intelectuais fazendo-se passar por vanguarda shudra e, é claro, oprimindo os shudra mais do que nunca, para que criem a base econômica de uma burocracia estatal ilimitadamente expansiva.

Economicamente, o governo shudra, ou socialismo, só tem existência verbal. Em 1921, Ludwig von Mises deu a demonstração cabal de que a economia totalmente estatizada é inviável e de que, portanto, todo regime autonomeado socialista nunca passaria de um capitalismo disfarçado sob a carapaça de ferro da burocracia estatal. A história não cessou de lhe dar razão desde então.

Dessa breve exposição é possível tirar algumas conclusões que a experiência histórica comprova abundantemente:

1. Onde quer que a burocracia estatal se torne a via predominante de ascensão social, como aconteceu na França do século XVIII ou na Rússia do século XIX, a burocracia virtual tende a crescer indefinidamente e a tornar-se geradora de pressões revolucionárias. Muitas nações modernas aliviam essas pressões criando um número indefinido de sinecuras culturais e universitárias para integrar e “oficializar” de algum modo a burocracia virtual, mas isso, por um lado, é um paliativo caríssimo, que só pode ser custeado por um capitalismo pujante, o que supõe, precisamente, que a Revolução seja abortada em tempo; por outro lado, a burocracia virtual oficializada pode se satisfazer por algum tempo com suas novas funções na sociedade capitalista, mas a ascensão social mesma acabará por torná-la ainda mais presunçosa e arrogante. Isso explica que precisamente nas nações onde os intelectuais têm as melhores condições de vida eles sejam os mais rancorosos inimigos da sociedade que os nutre e lisonjeia, mas em compensação não consigam ou talvez nem queiram desferir o golpe mortal nessa sociedade, limitando-se a constituir um fator de corrosão estrutural permanente, neutralizado, no conjunto, pelo progresso técnico e pelo crescimento capitalista.

2. Onde a burocracia virtual ainda não perfeitamente oficializada tenha como principal veículo de integração social um partido político, esse partido, encarnando a seus próprios olhos ao mesmo tempo a suprema autoridade intelectual e os direitos de todas as vítimas reais ou imaginárias da injustiça social, se colocará necessariamente acima das leis e instituições, arrogando-se todos os direitos e todas as virtudes e não reconhecendo julgamento superior ao seu.

3. Toda esperança de integrar esse partido no processo democrático normal será repetidamente frustrada, pois ele jamais entenderá sua participação nesse processo senão como concessão temporária – e, em si mesma, repugnante – às condições que impedem a consecução dos seus objetivos.

4. A consquista do poder total será sempre o objetivo e a única razão de ser desse partido, que tentará toda sorte de golpes de Estado e ao mesmo tempo verá como golpe de Estado qualquer tentativa, por mais tímida e limitada, de impedi-lo de chegar a seus objetivos. Exemplos não faltam no Brasil. O mais recente é aquele em que os líderes do partido dominante pregam abertamente a resistência violenta a uma possível derrota nas eleições, ao mesmo tempo que denunciam literalmente como “golpe de Estado” a simples revelação jornalística do dinheiro que usaram num truque sujo contra o adversário (vejam a maravilha de retórica invertida em http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/394501-395000/394778/394778_1.html).

5. Como a função primordial do partido revolucionário, por baixo dos mais variados pretextos ideológicos, é justamente criar um Estado burocrático para servir a seus próprios membros, é normal e inevitável que esse partido, uma vez investido do poder estatal, encare o Estado como sua propriedade, usando-o para seus próprios fins e não vendo nisso a menor imoralidade. A burocracia virtual é sociopática por nascimento e por definição; e sua forma de governo, tão logo tenha as condições de implantá-la, é e será sempre a sociopatia organizada.

6. A afinidade do partido revolucionário com o banditismo comum é algo mais que conjunção temporária de interesses. Na perspectiva da burocracia virtual, o único mal no mundo é ela não ter o poder absoluto, é existir uma sociedade que a transcende e não a obedece. Todos os outros males, se enfraquecem essa sociedade e favorecem a conquista do poder total pelo partido revolucionário, são bens. A auto-idolatria solipsística do chefe de gangue e a do líder revolucionário são exatamente a mesma, com a leve diferença do requinte intelectual um pouco maior a favor desta última. É ridículo dizer que um partido como o PT “se transformou” numa quadrilha de delinqüentes. Ele nasceu delinqüente.

7. A insistência dos adversários em fazer de conta que esse partido pode participar honradamente do processo político normal levará sempre a condições de “guerra assimétrica”, em que um dos lados terá todos os encargos, e o outro todos os direitos.

***

PS – Para aqueles que tiveram a infelicidade de nascer membros da burocracia virtual, só há três caminhos de vida possíveis: (1) integrar-se na farsa revolucionária e sair alardeando que são benfeitores da humanidade; (2) cair para a marginalidade, a doença mental, a autodestruição ou o banditismo; (3) compreender sua situação histórica, lutar para escapar a uma condição social essencialmente farsesca e para adquirir, por meio do estudo e da autodisciplina espiritual, a dignidade do verdadeiro estatuto brâhmana, o que implica renunciar a todo poder político e a todas as vantagens psico-sociais da participação na intelectualidade revolucionária. Economicamente, sobreviver da atividade intelectual fora do esquema revolucionário de proteção mútua é um desafio temível.

Para os que nasceram váishyas, o desafio é resistir ao canto-de-sereia revolucionário e impor o capitalismo como modo de vida moralmente superior. Isto não é possível sem o cultivo da disciplina kshatryia e a aceitação dos encargos heróicos de uma nova casta nobre, o que implica a absorção, mesmo longínqua, do legado brâhmana. A luta no mundo moderno é entre os váishyia e os burocratas virtuais – isto é, entre aqueles que alimentam o Estado e aqueles que se alimentam dele. Se os primeiros se deixam hipnotizar pela cultura revolucionária, estão liquidados, e, com eles, os shudra, que perdem o estatuto de trabalhadores livres para ser escravos da burocracia comunista.

Adendo ao resumo didático

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 19 de outubro de 2006

Toda a cúpula petista se formou lendo Marx, Lênin, Trotski, Mao, Che Guevara, Antonio Gramsci, e nem uma palavra contra. Passaram a vida intoxicando-se de esquerdismo e nada enxergam fora do horizonte consagrado da sua mitologia grupal. O domínio que têm da cultura revolucionária contrasta brutalmente com sua radical ignorância do pensamento conservador, ignorância que lhes permite inventar uma direita por mera inversão mecânica de seus próprios estereótipos e investir suas melhores energias no combate a essa miragem.

Em última análise, eles nada têm feito nos últimos trinta anos senão arrombar portas abertas, sob os aplausos e a proteção paternal da classe que alardeiam combater. Críticas e acusações, quando lhes vêm, vêm da própria esquerda, com o cuidado meticuloso de ater-se a pontos específicos que não maculem a honorabilidade do esquerdismo enquanto tal. Combate ideológico, não sofrem nenhum. Devem seu sucesso à ausência de inimigos, exceto os nascidos das suas próprias fileiras. A lenda do assédio direitista serve-lhes como vacina contra a percepção de que todos os seus fracassos advêm de sua própria inépcia e não de alguma resistência exterior. Fugindo de uma autoconsciência deprimente por meio do ódio a um objeto imaginário, sua mentalidade é uma mistura quase inconcebível de astúcia maquiavélica e ingenuidade pueril, aterrorizada por fantasmas de sua própria fabricação. Conseguem criar planos estratégicos de requintada complexidade, ludibriando suas vítimas durante décadas, mas quando pegos com as calças na mão saem-se com evasivas de meninos de escola, tão rudimentares que dão pena. Passam da vociferação autoritária aos gemidos de autopiedade com a rapidez do fingimento histérico, que só não dá na vista deles próprios.

São falsos até à medula, mas seus críticos esquerdistas são piores ainda. O PT, quando subiu ao poder sobre os escombros das reputações destruídas pelo seu moralismo acusador, montando ao mesmo tempo uma máquina de roubar mais ambiciosa e voraz do que mil Anões do Orçamento, não fez senão seguir a fórmula clássica de Lênin: corromper o capitalismo para acusá-lo de corrupto (e ainda financiar a propaganda anti-roubo com dinheiro roubado). Isso é de um realismo inatacável e, dentro da moral comunista, perfeitamente obrigatório. O antipetismo de esquerda, ao fingir-se de indignado com a roubalheira oficial, quer nos fazer crer que pode e vai operar a transição revolucionária para o socialismo dentro da mais estrita obediência à moral e às leis do Estado burguês. O PT, quando fazia essa mesma promessa, sabia que mentia. Tanto que já ia preparando os futuros mensalões e waldomiragens. Era desonesto para com o Brasil inteiro, mas honesto para com o compromisso leninista. Já os psóis da vida são tão falsos intrinsecamente, tão desprovidos do senso da verdade, que prometem o impossível com perfeita sinceridade subjetiva. Por isso mesmo não se vexam de explicar como traição àquele compromisso o que foi na verdade a sua implementação fiel. Se há algo de que o PT está inocente, é de infidelidade à estratégia comunista.

O ridículo mata

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 17 de outubro

Em 25 de setembro escrevi neste Diário do Comércio: “Qualquer que seja o resultado das eleições, qualquer que seja o desenlace das presentes investigações de corrupção, a gangue petista não vai largar gentilmente a rapadura.”

Não se passaram quinze dias e a quadrilha confirmou minha previsão, como aliás costuma fazê-lo há anos, com a regularidade de um cuco. As ameaças explícitas ou veladas de represália violenta à possível derrota de Lula nas eleições são algo mais do que a “chantagem psicológica” que a assessoria de Geraldo Alckmin acredita ver nelas. São o anúncio de um ataque geral à ordem democrática que já está planejado há décadas por todas as organizações de esquerda — PT inclusive, é claro — como alternativa em caso de fracasso da transição pacífica para o socialismo. A coisa já foi proclamada mil vezes e, não tenham dúvidas, vai acontecer. O próprio Lula, um dos que a aprovaram com freqüência no passado, voltou a ela após um período de abstinência forçada e desde sexta-feira passada já está aquecendo os motores da engenhoca subversiva, incitando ao crime os militantes do MST, uma das entidades que prometem vingança golpista em caso de vitória de Alckmin (v. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1410200612.htm)

O contraste falso e artificioso que a mídia chique estabeleceu entre os chamados “setores radicais” do PT e o petismo supostamente ordeiro e legalista de Lula é ele mesmo um instrumento da trama esquerdista, à qual serve para encobrir a unidade da estratégia revolucionária dando uma aparência de dualismo substantivo ao que nunca passou de mera duplicidade de táticas, alternadas ou mescladas conforme as necessidades do momento (mais explicações na entrevista que dei domingo ao site www.conservador.wordpress.com).

Se, enquanto isso, o sr. Marco Aurélio Garcia chama de “terrorismo” a simples divulgação jornalística de fatos que o partido preferiria esconder, é porque é um comunista cínico, empenhado em ocultar a truculência irrefreável da esquerda revolucionária sob uma patética afetação de coitadice.

Terrorismo, no vocabulário dessa gente, não é colocar tropas de agitadores nas ruas para espalhar o pânico entre a população e anular pela força a decisão popular. Terrorismo é contar ao público que o presidente da República está comprometido oficialmente a legalizar o aborto no país – uma verdade banal abundantemente registrada em documentos do próprio PT (se têm dúvidas, vejam tudo em http://www.olavodecarvalho.org/textos/mensagem_aborto.html).

Seria ingênuo esperar racionalidade e senso das proporções da parte de pessoas dispostas a apelar à violência por incapacidade de submeter-se ao ciclo democrático normal do qual ainda ontem diziam ser a encarnação mais pura e elevada; mas o grotesco das alegações estapafúrdias surgidas do cérebro petista em desespero, nas últimas semanas, ultrapassa tudo o que se conhece historicamente em matéria de besteirol comunista.

Karl Marx dizia que a tragédia histórica se repete como comédia, mas, sinceramente, é horrível ver que o nosso país foi escolhido pelo demônio como palco da comédia revolucionária. Todo o potencial da esquerda para o ridículo parece que se concentrou no Brasil. A vergonha que isso traz é até possível de suportar. Insuportável é saber que o sangue que vai correr no palco da comédia é o mesmo da tragédia: não é massa de tomate, é sangue de verdade. Dizem que o ridículo mata, mas na palhaçada brasileira ele arrisca fazer isso em sentido literal, físico. Personagens de carne e osso, tornados ridículos por sua recusa obstinada e sonsa de enxergar um perigo óbvio, serão mortos nas ruas por outros personagens, que a incapacidade de suportar seu próprio ridículo transformou em loucos furiosos.

O romancista Georges Bernanos, que viveu no Brasil e o amava como sua segunda pátria, temia que o país viesse a sucumbir, um dia, na mais sangrenta das revoluções. Nunca foi mais urgente do que hoje a advertência dele: “O perigo que nos ameaça não é somente o de morrer, mas de morrer como idiotas.”

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