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Viva o fascismo!

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 4 de março de 1999

No Brasil de hoje, há três e não mais de três blocos ideológicos.

O primeiro é o neoliberalismo globalista. Ele proclama que a liberdade econômica é a condição necessária e suficiente de todas as outras liberdades, que toda interferência de valores extra-econômicos na vida econômica é uma ameaça ao progresso, que o enriquecimento de todas as pessoas é o objetivo moral supremo e que portanto as leis, os Estados, as religiões, as artes e os costumes devem ser julgados segundo sua maior ou menor capacidade de fomentar a prosperidade geral num ambiente de livre mercado.

Daí ele conclui que todas as barreiras nacionais, religiosas e culturais que se opõem à mundialização do mercado são obstáculos ao progresso humano. Para derrubá-los, ele cria a técnica da engenharia social que permite destruir os valores tradicionais, abolir as diferenças de culturas nacionais e religiosas por meio da educação em massa, da propaganda e das leis. Todos os atos, sentimentos e reações humanas, mesmo os mais íntimos, tornam-se então objeto de planejamento estatal – e, quando finalmente a liberdade econômica impera sobre o mundo, todas as demais liberdades desapareceram para sempre.

O segundo bloco é socialista. Ele proclama que a igualdade é o supremo valor. Não existe pior mal no mundo do que um homem ser rico e o outro pobre. Quando todos estiverem economicamente nivelados, um não poderá mais oprimir o outro pela ameaça da fome e do desemprego.

Para instituir a igualdade, é preciso quebrar a espinha dorsal do poder econômico, e o instrumento para fazer isso é o Estado. Mas como quem tem o poder econômico não o cede de mão beijada, o Estado, para tomá-lo, tem de ser forte, muito mais forte do que o ralo Estado liberal que se contentava em ser um árbitro entre mercadores. Os funcionários do Estado socialista investem-se então de poderes especiais. O poder não somente se centraliza, mas se eleva. Abolido o poder econômico, resta apenas o poder político. As diferenças entre os homens não desapareceram, mas agora só há uma diferença essencial: a diferença entre quem tem e quem não tem poder político, entre quem está dentro e quem está fora da Nomenklatura. Antigamente, o homem alijado do poder político podia usar do poder econômico, seu ou emprestado, para fazer face à autoridade do Estado. O poder econômico fazia a mediação entre os de cima e os de baixo. Agora não há mais mediação. Quem sobe, sobe dentro do Estado. Quem cai, cai pelo cano do esgoto do Estado. E como não há poder fora do Estado, é compreensível que quem está dentro não queira sair nunca, e quem está fora não tenha como entrar senão por especial concessão dos de cima. Quando finalmente se estabelece a perfeita igualdade econômica, a desigualdade de poder político é tamanha, que torna o governante socialista uma divindade inacessível aos clamores de baixo.

O terceiro bloco é o fascismo. Hoje ele não encanta senão a uma minoria, mas é uma minoria profética. Ele proclama que o liberalismo é a ditadura do poder econômico, o socialismo a ditadura do poder político. Quem tem de mandar, diz ele, não é este nem aquele: é a nação.

Para fortalecer a nação, ele propõe uma aliança do poder econômico com o poder político, do capital com o Estado. A nação é a unidade, a conciliação dos contrários, a superação de todas as divergências. Com os dois poderes irmanados e cantando em uníssono na harmonia do Estado-síntese, a nação ergue a cabeça entre as nações e, se alguém reclamar, pau nele. Se o neoliberalismo realizava a liberdade mediante a supressão das liberdades, se o socialismo realizava a igualdade mediante a absolutização da desigualdade, o fascismo encarna o terceiro ideal da modernidade. Ele realiza a fraternidade: no fascismo todos os que têm poder são irmãozinhos, e não gostam que a gente se meta nos assuntos de família deles.

Donde concluo fatalmente que só o fascismo, embora aparentemente minoritário, tem futuro, porque só ele pode tornar felizes, ao mesmo tempo, os neoliberais e os socialistas. E nós? Ora, eles vão estar tão felizes que não vão querer saber a nossa opinião. E, a essa altura, se vocês querem meu conselho, será melhor mesmo não ter nenhuma.

O sorriso e a baba

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 18 de fevereiro de 1999

Já tenho assinalado, aqui, a perigosa farsa que consiste em rotular de “direitista” o governo FHC. Um governo direitista não tolera paternalmente invasões de terras, não incentiva o sexo livre sob a desculpa de prevenção da aids, não subscreve slogans feministas e abortistas, não impõe o controle estatal do vocabulário e, sobretudo, não transforma o ensino público numa rede de propaganda marxista (v. os artigos de J.O. de Meira Penna no JT sobre os livros didáticos oficiais).

FHC é um esquerdista, um gramsciano de carteirinha, apenas em parte comprometido, na esfera econômica e exclusivamente nela, a fazer aos capitalistas certas concessões que um governo comunista as faria ainda maiores, se isto lhe interessasse, como as fez o próprio Lenin nos primeiros anos da URSS ou as faz hoje a inabalável ditadura chinesa.

A vantagem que os comunistas obtêm da lenda de um FHC direitista é óbvia: nas camadas profundas e de longo alcance – a educação, a formação da mentalidade nacional –, o governo vai preparando o terreno para o comunismo, enquanto na superfície do noticiário todos os seus erros e desvarios são explorados para atrair o ódio popular sobre uma “direita” evanescente e fantasmal. Cinco décadas de hegemonia mental esquerdista fazem o resto, ajudando a manter as atenções dos liberais fixadas nas manchetes econômicas, onde uma inconsciente impregnação marxista os ensinou a ver o motor decisivo do processo histórico – enquanto os comunistas, mais espertos, preferem apostar na ação cultural, usando a doutrina do primado do econômico apenas a título de trompe l’oeil.

Se o governo social-democrata e a oposição comunista houvessem tramado conscientemente a farsa, ela não teria igual sucesso. Mas, de fato, não é preciso planejar nada: que no estupro revolucionário das nações os social-democratas desempenhem docilmente o papel de preservativos, prestes a ser jogados na lata de lixo da História uma vez consumado o ato, é algo que está simplesmente na natureza das coisas. E a partilha do cenário entre duas forças de esquerda, onde a menos truculenta faz as vezes de “direita”, assinala nada menos que o deslocamento estrutural do eixo, da qual se deduz para que lado vai ser a queda.

Mas isso não quer dizer que os comunistas permaneçam inativos, aguardando comodamente a hora de embolsar os lucros do investimento social-democrata. Eles agem mais que nunca. E como, para passar da fase da “revolução passiva” à tomada do poder, nada mais urgente que o apoio das Forças Armadas, eis que, nos últimos anos, a palavra de ordem nos círculos esquerdistas é: lamber o ego militar. Paparicar, bajular, seduzir, ocultar sob a imagem de um futuro róseo um passado de ressentimentos que insiste, não obstante, em se infiltrar nas entrelinhas do discurso incensatório, como a gota de baba no canto de um sorriso hipócrita. Infiltra-se, às vezes, por um simples erro de diagramação: na edição de janeiro da revistinha fidelista Caros Amigos , Gilberto Vasconcellos, comentando na página 10 o número anterior, celebra uma entrevista antiamericana do almirante Sérgio Ferolla como “o fim do dissídio entre civis e militares”. Desnecessário comentar a pretensão calhorda que identifica esquerda armada e “sociedade civil”: o engodo verbal é desmentido com todas as honras na página seguinte, onde um ato falho freudiano de Frei Betto proclama a morte de Tito de Alencar Lima (o dominicano que delatou Marighela) como “o que de mais hediondo produziu o militarismo brasileiro”. No esquerdismo, nem tudo, como se vê, é esperteza maquiavélica: o ódio recalcado vaza pelas rachaduras da máscara afetuosa, desmantelando a improvisada encenação. E, se ninguém se reconcilia com o adversário atirando-lhe na cara discursos sobre seus “feitos hediondos”, talvez seja bom aos esquerdistas saber que a memória militar não é tão facilmente manipulável pela mídia como a dos civis. Vale a sugestão: leiam A Grande Barreira: Os Militares e a Esquerda Radical no Brasil (1930-1968) , do coronel J. F. Maya Pedrosa, publicado meses atrás pela Biblioteca do Exército com o apoio pessoal do ministro Zenildo Lucena, e verão que o Exército brasileiro ainda não está suficientemente idiotizado para começar a acreditar em vocês.

Rumo ao socialismo

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 4 de fevereiro de 1999

Se há uma entidade que nunca discriminou ninguém por ser de esquerda, é o Instituto Brasileiro de História e Geografia Militar, que funciona na casa que foi do marechal Deodoro, no Campo de Sant’Anna, Rio de Janeiro. O historiador comunista Nelson Werneck Sodré tomou posse lá em pleno 1964, sentando-se ao lado do marechal Castelo Branco, do qual escrevia coisas horríveis na Revista Civilização Brasileira . Outra entidade que ficou famosa pela tolerância mútua entre membros de ideologias diferentes é o P. E. N. Club, organização internacional de escritores que muito fez pela liberdade de opinião no mundo inteiro.

O Instituto não mudou, mas o P. E. N. já não é mais o mesmo. O presidente do Instituto e diretor da Biblioteca do Exército, cel. Luís Paulo Macedo Carvalho, que foi eleito no ano passado para o clube, acaba de receber do presidente do P. E. N., Marcos Almir Madeira, um pedido dos mais extravagantes: que escreva uma carta renunciando a tomar posse, alegando um motivo imaginário qualquer. Madeira explicou ao coronel que uma comissão de escritores esquerdistas o havia procurado para exigir que expelisse da entidade o membro recém-eleito, por ser este um amigo pessoal do general Augusto Pinochet.

O coronel respondeu que, nessa altura dos acontecimentos, seria para ele uma honra ser barrado no baile, mas que ele não era idiota o bastante para barrar-se a si mesmo, cabendo, pois, ao próprio Marcos Almir, se quisesse assumi-lo, o honorável encargo de inventar a mentirinha, com ou sem a ajuda do misterioso lobby esquerdista a cujas exigências se mostrara tão solícito.

O cel. Macedo foi apenas colega de estudos de Pinochet e não teve a menor participação nos acontecimentos que viriam a tornar o general a bête noire da mídia esquerdista mundial. Para o lobby esquerdista, isso não interessa. Partindo do princípio de que na direita não há seres humanos, apenas vampiros e lobisomens, qualquer aproximação com essas criaturas, mesmo casual e extrapolítica, expõe o suspeito a um risco de contaminação diabólica que o torna um potencial inimigo público. Expeli-lo da sociedade decente é, pois, dever do Estado e do cidadão. Já o contrário se passa no outro lado do espectro político, onde mesmo o fato de um sujeito ter sido agente do serviço secreto cubano, como se passou com o líder petista José Dirceu (v. Luís Mir, A Revolução Impossível ), não o desqualifica para os mais altos cargos na administração da República brasileira; e onde a amizade com Fidel Castro, principalmente se acompanhada de cumplicidade política, conta muitos pontos na avaliação de um curriculum para o Senado, o Ministério, a Academia ou a Vida Eterna.

O coronel não é a primeira vítima dos “comitês de salvação pública” que hoje dominam as instituições culturais, o mundo editorial e a imprensa em geral. Em cada grande editora, em cada grande jornal ou revista, já estão funcionando a pleno vapor os comitês internos destinados a no momento devido expulsar os proprietários e tomar de assalto as empresas, mas que, tendo em vista a suposta inevitabilidade da revolução socialista, se consideram desde já os legítimos dirigentes, provisoriamente cerceados no seu direito de mandar pela escandalosa intromissão de usurpadores capitalistas. Cerceados, é claro, timidamente. Nenhum proprietário de jornal ou revista é hoje louco o bastante para contrariar de maneira ostensiva o poder do lobby esquerdista na sua empresa, do qual quase todos se tornaram reféns por preguiça e covardia.

O mais nojento em toda a história é a boa consciência com que os administradores do futuro Brasil socialista se permitem, por antecipação, mandar e desmandar, oprimir e demitir, censurar e controlar. Nunca um deles parou para pensar que, se pode haver algo de imoral na dominação capitalista, que se afirma pelo dinheiro, muito mais imoral é a expropriação socialista, na qual arrivistas e aproveitadores, da noite para o dia, se autonomeiam senhores e donos de tudo sem outro investimento de risco senão uma cota de engodo, de violência e de arrogância.

Não, essa gente não tem problemas de consciência. E terá menos ainda no futuro, quando ao seu poder de fato se acrescentar a conquista do poder nominal, que tudo santifica perante a deusa História.

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