Atentado nos EUA
Luis Carlos Guedes
O conhecimento, em suma, é o recurso essencial de destrutividade tal como é o recurso essencial da produtividade.
Alvin Toffler, em Guerra e Anti-guerra
As ações terroristas realizadas em 11 de setembro de 2001 e que atingiram alvos e símbolos da nação americana em New York e Washington, materializam uma nova etapa dos conflitos que estão por surgir neste novo século. É a era da “assymetric warfare” refletindo, de modo destrutivo, a assimetria do mundo de hoje.
O que assustou no caso atual foi a grandeza e intensidade do ataque contra o alvo – os Estados Unidos da América (EUA) – que há muito tempo tem buscado formas de evitar esse tipo de ocorrência.
O terrorismo é um modo de guerra aceito e usado por grupos ou nações que entendem ser essa a maneira de lutar por suas causas. Condenado pela maioria dos países, essa forma de luta é considerada pela ONU crime contra a humanidade. Em todo o mundo, nos últimos 25 anos, em grandes atentados, cerca de 1.900 pessoas morreram vítimas do terror. Comparada a outras catástrofes nos EUA, a “blitzkrieg” terrorista de 2001 representará perda e choque incalculáveis. Em Pearl Harbor, marco na história americana, morreram cerca de 2.500 americanos e, em Oklahoma, marco mais recente, 168. Só em Nova York, haverá uma perda de algo em torno de 15 mil pessoas, segundo estimativas otimistas.
Nada na história da humanidade se compara a isso. Hiroxima e Nagasaki, tragédias da II Guerra Mundial, estavam em outro contexto: havia uma guerra para ser terminada. As conseqüências foram tão terríveis que a arma atômica nunca mais foi usada. No caso presente, é possível que fenômeno análogo aconteça, isto é, que o terror volte a ser de “baixa intensidade”.
Há choque e perplexidade nos EUA. No cidadão comum e nas esferas de governo.
Sem antecedentes a serem analisados, sem parâmetros estabelecidos e condições de se prever qual será a reação do país, podem ser levantados alguns aspectos que, com certeza, farão parte das ações a serem desenvolvidas para tentar esclarecer o ocorrido e, a partir daí, desencadear uma reação. Qualquer medida que o poder nacional dos EUA considerar adequada não terá objeção internacional.
Em primeiro lugar, não passou pela cabeça de nenhum norte-americano, em especial daqueles que têm a obrigação de zelar pela segurança nacional, que um atentado de tal monta pudesse ser perpetrado. Mesmo no caso do Pentágono, onde a hipótese do uso de uma aeronave contra o prédio era considerada, não houve como estabelecer qual seria a defesa possível. Em razão disso tudo não há, no momento, condições de reagir ou de explicar. A primeira tarefa é estatística: quantos mortos? Quantos feridos? Quais os danos? O “quem foi” ficará para mais tarde.
O assunto será tratado em clima de “crisis situation” e uma parafernália de hipóteses e situações vão ser levantadas para se tentar achar um caminho para a solução do caso.
Em segundo lugar, as engrenagens do aparato de segurança e de inteligência serão acionadas, em regime de urgência, para a busca de dados e informações essenciais para a montagem e execução de uma reação. Nesse ponto, serão buscadas ligações com os aliados a fim de que haja uma ação conjunta para fazer ver aos autores ou mentores do atentado que o ato desagradou a todos e a pressão possível de ser realizada tem caráter mais amplo. O apoio aos EUA deverá ser total.
Ultrapassada essa fase, surgirá uma linha de investigação para explorar a possibilidade de quebra na corrente de apoios que permitiu a realização das operações que resultaram nos atos terroristas. É provável que, mais cedo do que se imagina, essa possibilidade seja realidade.
A magnitude da operação, sua coordenação e execução, aparentemente quase sem erros ou falhas, permite a inferência de que houve um planejamento minucioso e demorado. Este fato leva à conclusão da necessidade do estabelecimento de uma extensa rede de apoio para que tudo saísse bem.
Dificilmente essa rede será tão compacta que não permita uma ruptura ou vazamento por parte de pessoas que, apesar de convicções políticas, não tinham idéia das conseqüências que a ação provocaria.
Do modo como foi realizada, é provável, ainda, que uma organização tipo “celular” tenha sido usada pela mente (mais de uma, talvez) que montou a operação, de tal modo que as partes não tinham conhecimento do todo. Tal procedimento daria mais segurança às operações e seria mais prudente. Em se confirmando essa hipótese será mais difícil, mas não impossível, chegar-se ao mentor principal.
Levantam-se suspeitas óbvias sobre radicais muçulmanos conhecidos. Admitem-se hipóteses de terror nacional, como Oklahoma. Nem uma, nem outra, neste momento encontram respaldo. É difícil crer que os terroristas “óbvios” corressem o risco de sofrer retaliações proporcionais ao dano causado. Da mesma forma, não se tem notícia de radicais norte-americanos ou ocidentais dispostos a morrer pela causa que defendem. Colocar a vida em risco, normal sob muitas circunstâncias, é algo muito diferente de ser “kamikaze”.
Difícil, pela mesma razão, que membros dos grupos “anti-globalização”, tão capazes de manifestações violentas, chegassem ao ponto de imolar-se em nome de uma “ideologia” ainda não consolidada como tal.
Os terroristas têm pouca chance de escapar em razão da condenação internacional do ato. Irã, Afeganistão, Síria, Líbia, por exemplo, já se manifestaram oficialmente contra o ataque. China e Cuba, idem. Resta ver a reação de alguns outros países-chaves que poderiam transformar-se em santuário como o Iraque ou, ainda, algum país africano.
De qualquer modo, a prevalecer esse sentimento de repúdio geral, obter abrigo será muito difícil. Diante das notícias que circulam nas agências internacionais o Iraque pode vir a ser um alvo compensador para as investigações. Se há dúvidas quanto à capacidade (e coragem) de organizar a ação, a prestação de suporte financeiro não pode ser desprezada.
Pelo exposto até aqui, seria lícito admitir-se a hipótese de que os mentores do atentado não assumirão sua autoria, seja por medo, seja por outra razão qualquer. Tal possibilidade, embora ilógica por não permitir ganhos políticos e, por isso, carecer de motivação efetiva, ajusta-se ao ineditismo, ousadia e conseqüências da ação realizada. Outra hipótese é o surgimento de várias “confissões” de responsabilidade com objetivo de auto-proteção ou de desinformação. É óbvio que quanto mais responsáveis, menor será a possibilidade de reação.
Os EUA, por sua vez, não irão tomar nenhuma atitude de “cowboy”. Haverá muita pressão interna e muita discussão a respeito do caso. Haverá, sobretudo, união. Partidos políticos e outras desavenças existentes no campo ideológico, em toda a sociedade, serão superadas em nome de um objetivo maior. Não será surpresa se criminosos de dentro e de fora das prisões movimentarem-se no sentido de auxiliar nas investigações. O “slogan” da CNN reflete o mote básico que impulsionará o comportamento da sociedade: “AMERICA UNDER ATTACK” e, aí, tudo virará esforço de guerra.
As agências de inteligência, a CIA em particular, serão acusadas de “falta de previsão”, apesar de gastarem muito dinheiro (algo em torno de US$ 30 bilhões/ano). A mídia repercutirá e aumentará reflexos da opinião pública. O caso vai ocupar manchetes no mundo inteiro nos próximos dez dias, pelo menos. Haverá, também, união em torno da busca de alcançar os culpados.
Levanta-se a hipótese de aumento dos controles de aeronaves, aeroportos e pessoas. Tal fato será verdadeiro em um primeiro momento, mas não servirá para garantir nada. As empresas aéreas cujos aviões foram seqüestrados têm regras rígidas de controle de passageiros e bagagens; os aeroportos de origem dos vôos do terror, da mesma forma, são (ou eram …) seguros. Os terroristas, até onde se sabe, usaram armas brancas (facas e/ou estiletes) para dominar as tripulações e as aeronaves e lançá-las contra os alvos.
Outro ponto a ser considerado com relação aos controles sociais é o dogma americano que atribui à liberdade do cidadão a grandeza da nação e principal suporte da democracia e de seu modo de vida. É improvável, portanto, que esse princípio seja abandonado diante de uma ameaça sem rosto, perfil ou origem definidas.
Na verdade, por intermédio desse ato, o terror estabeleceu novas regras para a guerra do século XXI, ou melhor, colocou em prática o que vinha sendo levantado como hipótese desde o fim da guerra fria. Ficam, ainda, abertas as hipóteses do terror nuclear, do terror cibernético, do terror biológico, etc.
Ficam abertas, também, todas as portas da incerteza que caracterizam o mundo de hoje. Ficamos nós todos reféns de pessoas ou grupos inconseqüentes (para dizer pouco) que julgam poder resolver seus problemas por meio da intimidação e da ação terrorista. Ao longo da história da humanidade tal comportamento jamais prevaleceu e jamais prevalecerá. Apesar de todos os defeitos do ser humano, a maioria absoluta ainda age como tal e despreza a violência parida da insensatez.
É muito cedo, porém, para se ter uma real avaliação das conseqüências da “blitzkrieg terrorista”. Seus reflexos atingirão a todos nós e, por esta razão, conduzir o processo de recuperação do trauma será uma tarefa tão global como é o mundo desse início de século.
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Luis Carlos Guedes, é Cel R/1 do Exército. É formado em Política e Estratégia dos Estados Unidos da América, pelo National War College, da National Defense University, em Washington, D.C.
O Mal Lógico
Martim Vasques da Cunha
Um dos assuntos mais interessantes – talvez o mais interessante – é o estudo na psicologia humana da apreensão e compreensão do problema do Mal. Esta questão é o que motiva o homem dedicado à vida do espírito a meditar dia e noite sobre as profundezas da Providência, mas, devido ao modo como a humanidade se esconde na carapuça da apatia, essa percepção mudou para algo isolado e sem quaisquer conseqüências – uma cópia pálida que enfraquece a própria luta que o ser humano enfrenta dia-a-dia.
Tudo isso mudou no dia 11 de setembro – pelo menos nos Estados Unidos da América. Os americanos, com seu incansável pragmatismo, possuem uma visão do Mal em que se descarta qualquer lógica própria, qualquer conexão com a realidade. Apesar de serem conhecidos como a nação da paranóia, com sua profusão de conspirações, os americanos são uns paranóicos de araque, como traduz bem aquele filme repleto de clichês chamado “Matrix”, em que a morte é virtual e a vida um mero arranjo de bytes.
Os ataques de 11 de setembro mostraram um outro Mal: articulado, preciso, simétrico, cronometrado nos mínimos detalhes. A primeira reação da América ao ver o primeiro avião se chocando na torre do World Trade Center foi de “Oh! Um acidente!”. Somente quando perceberam algo errado ao ver o segundo avião bater e ao saberem do avião que caiu no Pentágono, Bush já avisara de “um provável ataque terrorista”. O quarto avião que caiu em Pittsburgh foi a prova final de um ataque habilmente calculado, mas nada foi comparável ao desabamento das Torres Gêmeas. Aquilo não foi uma simples queda; foi a assinatura do Terror avisando que não existia mais nenhum limite.
Então vieram outros detalhes: o aviso de Osama bin Laden dado três semanas antes sobre “ataques sem precendentes nos EUA”, o aparecimento de um tal de “Leo Phoenix” em um fórum de discussões na Internet que também deu seus avisos no melhor estilo de Maomé, o detalhe que o World Trade Center agüentava o impacto de um Boeing 737 e foi atingido por um 767, o que foi decisivo para o estrago; as rotas escolhidas – de Boston para Los Angeles (ou seja, pessoas do entreteinimento estariam nos aviões – o que de fato aconteceu) e Newark para Los Angeles (em que teria passar obrigatoriamente por Washington) – somado aos números dos vôos que, se adicicionar os algarismos, dão 11, 12, 13 e 14 sucessivamente; e, claro, a cereja em cima do bolo, a data do dia escolhido, fruto de uma sinistra sincronicidade: 11 de setembro seria tanto o dia da Assembléia Anual da ONU como, se lido da maneira americana, é também o número de emergência nos EUA – 911.
Ora, seja lá quem foi o estrategista deste ataque não se pode negar que dividiu o terrorismo em antes e depois e, de um modo muito macabro, transformou-o em uma obra de arte. Mas como essa noção do Mal foi transformada? Existe uma explicação simples para esse fenômeno tão complexo: a partir do momento que o ser humano percebe que existe duas grandes forças que rondam suas ações, o Leviatã e o Beemote (os monstros que Jó encara quando Deus quer provar sua magnitude), ele somente tem duas opções: ou deixar essas forças o dominarem, ou se entregar a uma força maior que pesca o Leviatã e doma o Beemote – no caso, o aprimoramento espiritual, que envolve luta e conflito, e que somente pode ser simbolizado de maneira completa na figura de Cristo.
E todos sabem que se existe uma coisa que o ser humano evita a qualquer custo é a possibilidade de uma luta mais profunda, mais vital. Logo, ele evita o aprimoramento espiritual; logo, evita a Cristo. Assim, dá ensejo para as duas forças mundanas que o cercam e substitui Cristo pelos falsos profetas e sacerdotes ou então por algo pior – o Estado, já representado por Thomas Hobbes na figura do Leviatã. Dessa forma, o ser humano se amesquinha, se torna um mero componente de uma massa sem identificação, dependente de um meio que substitui sua luta espiritual e a verdade que tanto o amedronta.
Foi assim com o povo americano, já está sendo assim com o povo brasileiro. A prova disso é o que o Partido dos Trabalhadores está fazendo em suas administrações municipais e estaduais. Como bem falou o jornalista Daniel Piza em sua coluna de domingo no Estadão: “O leitor Nélio Weiss lembra: ‘No rol das acusações contra a gestão Olívio Dutra, além daquelas por você elencadas, constam a criação de milhares de empregos públicos, a sonegação sistemática de informações acerca do crescimento da violência, o direcionamento político da educação pública, etc.’ [Piza falou em colunas passadas sobre o pedido de impeachment feito pela Câmara Estadual do Rio Grande contra o governador do PT Olívio Dutra em torno de denúncias sobre favorecimento e superfaturamento em contratos com empresas de lixo. Esse mesmo fato já foi discutido em artigos do filósofo Olavo de Carvalho. Nota do Autor] É verdade. E a falta de crítica ao governo gaúcho pode ser vista também nas reportagens sobre o Orçamento Participativo em São Paulo – com o qual a prefeita Marta Suplicy, cada vez mais enrolada em inépcias administrativas, tenta agora reagir. Nada tenho contra canais diretos de reivindicação de comunidades. Mas que não seja como em Porto Alegre, onde 80 líderes comunitários decidem, num ambiente cooptado pelo partido, todo o investimento que a prefeitura pode fazer. Democracia ainda é governo da maioria”. A descrição de Piza sobre as “coincidências” que ligam as administrações petistas tem estreita ligação com o que vai acontecer em Campinas após o assassinato de Antonio da Costa Santos. Agora com a prefeita Izalene Tiene – uma fiel discípula do deputado estadual Renato Simões da “Frente Socialista” do PT – Campinas ficará inteiramente nas mãos de um partido que se preocupa apenas com ideologias que deformam a realidade e com projetos políticos que iludem a população para intensificar, de maneira dissimulada, a tomada ao poder. Esse novo governo que cuidará da cidade substituirão toda e qualquer discussão sensata sobre violência e segurança pelo favorecimento do Orçamento Participativo e de uma cartilha de lavagem cerebral disfarçada de programa de governo. Tanto a prefeita Izalene como o deputado Simões se dizem cristãos, mas seu cristianismo é da palha dos fracos, que queima fácil quando posto no mais tênue dos fogos. Para eles (como para todo o resto do PT) a confrontação e a crítica construtiva não fazem parte do seu país das maravilhas gramscianas.
Não bastasse isso, temos a declaração do partido sobre os ataques terroristas nos EUA. Falam que repudiam o Terror, mas não hesitam em “alertar” que uma guerra não é a resposta certa. Então, qual seria, sábios estrategistas? Deixar tudo quieto enquanto o terrorismo vai ganhando espaço com mais vítimas inocentes? Maquiavel dizia que a guerra só pode ser adiada, nunca evitada. E essa foi uma guerra que foi adiada há mais de 40 anos. Pode ser uma armadilha (e é), mas é a única forma que Bush encontrou para provar sua força e vencer o ódio obsessivo que os fundamentalistas xiitas têm contra o Mundo Ocidental. Ao afirmarem que retaliação é errado, os petistas e outros esquerdosos querem falar, por meio das metáforas que eles adoram, que os EUA devem ficar cada vez mais fraco, deixando crescer o monstro chamado Estado que nasceu de uma sociedade contrária a todos os preceitos de democracia e liberalismo americanos. O que esse pessoal quer é desordem pura e simples, seja aqui ou no outro lado do oceano.
Tanto os terroristas e o PT praticam o mesmo tipo de Mal, o Mal que sempre seguiu a humanidade e que agora reaparece com sua fúria para, por meios mui misteriosos, devolver um pouco de ordem a este mundo. É um Mal perfeitamente lógico, em que a simetria da ideologia não aceita as lacunas que a vida impõe. Ambos não são fatos isolados; fazem parte de um processo histórico que ninguém percebeu, pelo menos aqui no Brasil. No caso dos EUA, eles foram acordados por um estrondo. Como vamos sair desse torpor? Com o suspiro da morte?
A violência estudada, lá e cá
Paulo Brossard
Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
Zero Hora, 17/09/2001
Confesso que nas minhas cogitações, jamais considerei sequer como hipótese o que ocorreu em Nova York e Washington, no sinistro dia 11 de setembro. O ato vandálico não foi praticado por um Estado em guerra, mas supostamente por entidade materialmente distante e movida por fanatismo. O fato espantoso, menos pelos danos incomensuráveis que por seus requintes infernais, não teria se materializado sem que seus agentes diretos não houvessem selado um pacto com a morte. No instante da dantesca operação eles se consumiram no choque o no fogo. É um dado mais ou menos novo, embora se pudesse lembrar os camicases e os fanáticos que em Israel, carregados de explosivos, atacam alvos escolhidos. De qualquer sorte, o fato ostenta esse componente brutal.
Desde o dia 11 tudo quanto poderia ser dito já o foi e não vejo utilidade em redizer o que foi descrito e analisado. Serei breve, portanto, mesmo em face das dimensões universais do fenômeno.
Limito-me a notar que, numa guerra, a despeito das convenções tendentes à sua humanização, compreende-se que a violência seja inevitável e a destruição do inimigo o escopo. Mas a guerra agora inaugurada não tem lei e convenções. Sua lei é satânica. Nem a precede sua declaração. Daí por que, embora os EUA tenham sido a vítima imediata, o mundo se ergueu, em comovente solidariedade, para manifestar seu horror diante da brutalidade, até porque ficou claro que nenhuma nação pode estar segura em face da irracionalidade ululante da agressão. Hoje foram o World Trade Center e o Pentágono, mas amanhã poderá ser o Louvre, O Vaticano com seus museus fabulosos, o Museu Britânico, o Palácio Pitti, a Tate Gallery ou o Metropolitan e a National Gallery. Enfim… agora a guerra é assim.
Ao lado deste medonho episódio, que encheu o mundo de inquietação e de pavor, dois fatos aqui verificados, segundo jornais que tenho diante dos olhos, me levam a comentá-los ainda que rapidamente, dado seu alto teor de nocividade e sua indisfarçável periculosidade social e institucional. começo por dizer o óbvio, o que sucedeu em Nova York e Washington não foi o resultado de uma ação improvisada, mas o fruto de preparação demorada e meticulosa, até a execução terrivelmente exata. E o que vem sendo feito aqui, na calada da noite e à luz do dia, demonstra à evidência, a ação progressivamente ampliada de entidade que procede independente do Estado e a ele, certamente por suas omissões, se vai superpondo.
O título de uma das notícias diz assim: “Grupo é apontado por testemunhas como autor de execução a colono em assentamento de Jóia. Assassinato revela milícia do MST”. A crer-se na objetividade da informação, milícia de um grupo privado se substitui, por direito próprio, à Justiça e aplica a lei capital, sem processo nem julgamento, como os grupos de traficantes. Diga-se o que se disser, o fato é de suma gravidade e evidencia como a entidade em causa, sem face, sem domicilio, sem personalidade jurídica, sem direção responsável, depois de tornar rotineira a violação da lei e de direitos humanos, chegou ao ponto de dispor de milícia capaz de praticar atos que nem o Estado, por seu Poder Judiciário, poderia cometer. A notícia foi estampada, com riqueza de pormenores.
A outra notícia diz respeito à ocupação de área pertencente ao BC ou seja, à Uniao, no centro de Porto Alegre, ao lado do Ministério da Fazenda e da Agricultura. À ordem judicial de desocupar o imóvel esbulhado, e o esbulho é ilícito civil e penal, os autores do delito, 450 adultos e, sem falar nas inevitáveis crianças em número de 68, responderam que “não houve nenhum aceno do governo às nossas reivindicações. Por isso vamos permanecer aqui até termos uma resposta”. E o Judiciário que vá às favas. A indiferença de uns, a covardia de outros, permitiu que essas coisas pudessem acontecer e repetir-se à face do Estado que parece fingir nada ter com o fato. Dir-se-às existir desproporção entre o acontecido nos EUA e o que se passa por aqui, e ninguém o negará, mas entre ambos existe uma comunhão substancial, concretizada por grupos que se colocam acima da lei, nacional ou internacional, violando abertamente as regras do convívio humano. O alvo é agredir símbolos nacionais , lá e cá. Quem não se lembra da proteiforme agressão cometida que por ocasião de celebração dos 500 anos do descobrimento do Brasil, da cena selvagem da destruição do relógio, da deformação da história brasileira em livros didáticos, das tristes e inéditas manifestações no 7 de Setembro? Dir-se á que estes fatos não seriam imputáveis ao MST, mas isto apenas revela que o trabalho de mutilação dos valores nacionais tem mais agentes além desse movimento, o que é igualmente grave.
Os ‘Hashishim’
J.O. de Meira Penna
Jornal da Tarde, 17 de setembro de 2001
Segundo o Aurélio, o termo assassino procede dos “comedores de haxixe” (uma espécie de maconha) que constituíram uma seita ismaelita, notável por seu pendor homicida, na Pérsia do século 11. Ramo heterodoxo do xiismo, os “assassinos” eram seguidores de um fanático, Hasan ibn Sabbah, que, controlando fortalezas inexpugnáveis na Síria e no Irã, mataram em ataques suicidas o primeiro dos grandes sultãos turcos, Alp Arslan, e vários vizires – sendo finalmente eliminados pelas invasões mongóis. Eles herdaram do xiismo uma crença extrema na obediência cega ou submissão (Islã). Na paixão e valor do sacrifício, com recompensa final no paraíso de bem-aventurança que o haxixe proporcionava, eram fortemente influenciados pelo maniqueísmo que os proclamava únicos servos do verdadeiro Deus, defensores do Bem e destinados a morrer numa “guerra santa” (jihad) contra todos os infiéis, cultores de Satã – que seríamos todos nós…
No período entre as duas guerras mundiais, quando o Islã começou a ressurgir de séculos de modorra e declínio, muitos observadores, atentos ao fenômeno do nacionalismo árabe, apontaram para o fato de que o próprio Islã é uma reação histórica dos povos do Oriente Médio contra a civilização greco-romana, posteriormente cristã, que se estendera com as conquistas de Alexandre. Hermann Keyserling foi o primeiro a comparar o nazismo ao fundamentalismo xiita. O reverso seria mais verdadeiro: o mesmo ódio, o mesmo pendor belicoso, assassino e suicida. Naturalmente, os povos orientais, turcos, indianos, indonésios, malaios ou chineses que, nos mil anos da expansão do Islã, se converteram à mensagem do Profeta não herdaram a mesma tendência antiocidental porque seus inimigos pagãos eram asiáticos.
Mas no coração do fundamentalista xiita está o inextinguível rancor contra a Europa e tudo que ela representa.
Só podemos explicar o furor irracional dos palestinos contra Israel porque é este uma cunha ocidental no próprio âmago do Islã: os judeus foram traidores que ensinaram a Maomé tudo o que escreveu no Corão, mas recusaram a conversão que o Profeta lhes oferecia. A posse da Esplanada do Templo em Jerusalém é um símbolo da feroz ambivalência em relação à Cidade Santa das duas outras religiões, embora o único título que ela possua seja a lenda que Maomé a visitou, montado no cavalo alado Barak, para de Deus receber a Revelação. Mas não são as Mil e Uma Noites a obra de imaginação mais desvairada e o que de mais eminente criou a literatura árabe? Foi contudo a contaminação do xiismo pelo dualismo iraniano e o maniqueísmo, acoplado com a paixão suicida dos que desejam vingar a morte de Hussein (ano 680), filho de Ali, o genro do Profeta, também assassinado pelas rivalidades políticas dos sucessores, o que explicaria essa fúria sanguinária dos sectários. Os dados históricos acima oferecidos procuram dar uma explicação religiosa e psicológica dos motivos pelos quais o fundamentalismo islâmico se transformou no mais perigoso adversário do movimento de globalização econômica, política e cultural que se registra no novo milênio. Uma religião de cega “submissão” ao ímpeto assassino, como forma de cultuar o Deus da Verdade e eliminar os partidários do Grande Satã, não pode senão recorrer a esse tipo particularmente nojento de combate.
Certo, o terrorismo não é unicamente islâmico. No cerne da cultura da esquerda jacobina romântica, gerada por esse outro falso profeta paranóico que foi Rousseau, está encravado o terrorismo. O Terror foi o produto da violência revolucionária da França de 1793. Tratava-se de purificar a Humanidade, cortando a cabeça dos méchants, dos ricos e poderosos que oprimem os “miseráveis”. Uma cultura xiita, propriamente ocidental, acompanha a evolução da democracia pela mão esquerda, literalmente sinistra, de mau agouro, funesta e mortal, da equação ideológica sob a qual vivemos. O terrorismo é sua arma predileta. Sobretudo agora que o poderoso suporte geopolítico que o sustentava, a URSS, desmoronou de uma maneira menos ruidosa do que o World Trade Center. Terrorismo, o estamos descobrindo por toda a parte.
O mundo saiu da Idade das Guerras para penetrar na Idade do Crime. Facção Vermelha na Alemanha, IRA na Irlanda, ETA na Espanha, Farc na Colômbia, Montoneros na Argentina, Che Guevara em Cuba e na Bolívia e os asseclas do Marighela que o Exército brasileiro desbaratou na década de 70 são versões diversas, de variada virulência, do mesmo fenômeno que Bin Laden representa no Oriente Médio. Vide o recente livro A Grande Mentira, do general Aguinaldo Del Nero (Editora Biblioteca do Exército). Atualmente, o MST é o germe da nova transmigração. Lula, Chávez e Fidel já se apresentam como os patronos do novo xiismo fidelista-bolivariano-tupiniquim. Não me admiraria se, caso sobreviva, seja o milionário saudita convidado para encabeçar o gigantesco “Foro Social” que o bigodudo governador gaúcho está planejando para o próximo ano. O marketing já está sendo preparado quando vemos uma locutora da tevê Cultura fazer a apologia da destruição do WTC, sugerindo que o “Grande Satã” está em declínio, eis que não consegue nem mesmo defender o coração de seu poder financeiro e militar contra sua própria extrema direita – o que dá uma idéia, aliás, do tipo de informação que o MEC está fornecendo à juventude brasileira. O fato é que, em todo o mundo e não somente entre os palestinos, a esquerda sinistra, totalmente irracional, exultou com o golpe “mortal” dado ao “imperialismo”…
Mas examinemos agora a reação ao atentado. A democracia liberal sofre, infelizmente, de sua própria natureza tolerante. A impunidade é freqüentemente confundida com “direitos humanos”. A explosão de criminalidade em nosso país resulta do próprio bom-mocismo governamental, sendo regularmente interpretada como resultante não da perversidade do criminoso, mas de vários álibis sociais e responsabilidade da polícia. O Mundo Livre sofre do mesmo mal. A imprevidência e as falhas na segurança dos aviões demonstram que, se suas autoridades foram apanhadas “descalças” (with their pants down…), a culpa é do comodismo de uma próspera e pacífica população que não sofreu qualquer invasão estrangeira, desde a guerra de 1812.
Como vão os americanos reagir? Todos os potenciais inimigos dos EUA já estão humildemente se ajoelhando, pedindo condescendência, inclusive o bravo Fidel! Bush fala ominosamente em retaliação. Mas retaliação contra quem?
Contra a Argélia, com um governo militar que luta desesperadamente contra fundamentalistas? Contra Gadafi, na Líbia, cuidadosamente calado desde o bombardeio de 1986 contra seu valhacouto de piratas aéreos? Contra o Líbano, a Jordânia, o Egito, a Arábia Saudita, esta última terra natal de Bin Laden, todos aliados dos EUA e sofrendo na carne os ataques de seus fundamentalistas indígenas? Contra o Irã dos aiatolás, em luta interna de seu presidente eleito contra os extremistas religiosos? Contra a Síria dos Hezbollah e do Jihad, inimiga implacável de Israel, mas sob nova liderança, mais moderada? Será contra o Iraque, onde permanece o déspota presunçoso, duas vezes derrotado, mas continuando a desafiar a Otan com suas fábricas secretas de engenhos nucleares, biológicos e gases venenosos? Contra o Turcomenistão e o Casaquistão, fronteiriços do Afeganistão? Contra o próprio regime machista mais detestável da área, o Taliban, que apedreja mulheres, destrói monumentos budistas, mata a torto e a direito e acolhe o terrorista-mor? Provavelmente, este será “expulso” e se esconderá na região montanhosa mais inacessível do Planeta, o Pamir. Como apanhá-lo? Vamos assistir, dentro em breve, a uma das mais extraordinárias novelas de aventura do cinema, a não ser que Cabul compre sua segurança, entregando o criminoso.
Em princípios do século passado, Theodore Roosevelt pronunciou uma frase famosa que, desde então, tem sido interpretada para denunciar o “imperialismo” ianque: “Fale de mansinho e carregue uma borduna!” Quem melhor conhece a História sabe que Cuba e as Filipinas foram por ele libertadas dos espanhóis e da arrogância colonial européia contida na Venezuela, Panamá e República Dominicana. Os que temem o poder hegemônico dos Estados Unidos ou crêem em seu declínio estão muito enganados. Na luta entre “o bandido e o mocinho”, saiam da frente quando este se zanga.
Genocidas como Lenin, Stalin, Mao Dzedong e Polpot escaparam da fúria.
Hitler e Tojo, não. O terrorismo é a nova forma, a mais covarde e horrenda de combate no novo século. Mas aguardemos o revide do xerife do liberalismo e do capitalismo global…
J.O. de Meira Penna é embaixador, escritor e presidente do Instituto Liberal de Brasília e-mail: meirapen@zaz.com.br