Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil, 02 de agosto de 2007
O prefeito de São Paulo deve estar se achando um Ph. D. em maquiavelismo por fazer passar uma lei “anti-homofóbica” antes do governo federal. Uma década e meia transcorrida desde que o Foro de São Paulo concebeu seu plano estratégico abrangente para a conquista do poder total na América Latina, os políticos “de direita” neste país ainda acreditam estar vivendo dentro do velho modelo brasileiro de concorrência mercadológica entre partidos ideologicamente inócuos, onde copiar o programa do adversário para sugar os votos dele era o cúmulo da esperteza. Mas o cenário em que se movem é puramente imaginário. O Brasil real é o terreno de uma transição revolucionária em marcha. A elite que comanda o processo não está interessada em miudezas eleitorais, e sim na mudança radical do sistema, pouco lhe importando que realize cada capítulo dela com suas próprias mãos ou por intermédio de adversários que imaginam ludibriá-la quando fazem precisamente o que ela faria no seu lugar. Não que lhes fique grata por isso, é claro. A ninguém a revolução despreza mais do que a seus servidores involuntários. Quanto mais para a esquerda estes vão deslizando, na ilusão de roubar-lhe o discurso, mais ela os rotula como direitistas típicos e até radicais, somando ao aproveitamento do esforço alheio a vantagem adicional de estreitar cada vez mais a margem de direitismo socialmente admissível.
A falsa astúcia que se deixa guiar pelo chavão de “fazer a revolução antes que o povo a faça”, esquece que o povo jamais faz revoluções. Quem as faz são as elites: a elite revolucionária, avançando sem parar; a elite conservadora, recuando, acomodando-se, hipnotizada pelo mito da inevitabilidade histórica. Quem começou a Revolução Francesa foi Luís XVI; a Russa, foi o tzar. E a nossa “revolução contra-revolucionária” de 1930, guiada por essa frase idiota, foi o começo da ascensão comunista que depois nem mesmo o interregno militar conseguiu deter.
Mas a obra-prima do colaboracionismo inconsciente são os protestos pontuais, “apolíticos e suprapartidários”, que, voltados contra alvos soltos e inconexos, desperdiçam a ira popular em descargas emocionais sem nenhum projeto político por trás, as quais, por isso mesmo, são facilmente tomadas como provas de alguma grande e temível manobra secreta em curso, fornecendo ao esquema esquerdista dominante o pretexto que ele queria para alertar contra o “golpe iminente”, a “ameaça fascista”, etc. etc.
A fuga ao enfrentamento ideológico, a recusa covarde de pronunciar o verdadeiro nome do inimigo, é a fórmula infalível do suicídio político.