Maria Lúcia Victor Barbosa
9 de dezembro de 2001
Duda Mendonça, o conhecido publicitário que durante anos seguidos acompanhou Paulo Maluf e fez a campanha de Menem, que por sinal acabou perdendo para De la Rúa, agora se encontra a serviço do Partido dos Trabalhadores. Experiente nas artes do marketing, parece que Mendonça sempre intuiu o pensamento de Hannah Arendt: “A política é feita, em parte, da fabricação de uma certa ‘imagem’ e, em parte, da arte de levar a acreditar na realidade dessa imagem”. E assim vai emergindo a imagem de um PT light no centro da qual refulge um candidatíssimo Lula de fala amena, embalado em terno e gravata e sempre pronto a fazer acordos à direita e à esquerda. Estas imagens reconfortantes vão conquistando aos poucos o próprio empresariado, e já não se teme o “Sapo Barbudo”, alcunha dada ao ex-sindicalista por Leonel Brizola.
Será que o partido dos trabalhadores já virou o partido dos patrões e ninguém percebeu?
Convenhamos, porém, que o especialista em marketing só deu uma melhoradinha no que já existia, não tendo executado nenhum passe de mágica, como aquele em que um sapo se transforma em príncipe. Isto porque, há muito tempo Lula trocou o macacão azul pelo colarinho branco. Para usar o jargão marxista, diria que o símbolo da classe trabalhadora se aburguesou. Nada de mais, uma vez que a luta de classes se resolveria se todos fossem burgueses, e todos querem alcançar o discreto charme da burguesia. Mas o fato é que o senhor Silva, ou “Lord Lula”, como o denominou recentemente Brizola, tomou gosto por charutos cubanos caríssimos, talvez por conta da amizade que entretém com o ditador Fidel Castro, com o qual esteve recentemente para tomar lições de democracia. Sim, o homem que quer ser presidente do Brasil entende que Cuba é uma democracia, e aqui não cabe maiores comentários, bastando a si mesmo o exotismo, digamos assim, da afirmação. Além do mais, Lula adora viagens ao exterior, onde realiza sua fantasia de estadista ao se avistar com certos chefes de Estado ou personagens de destaque do mundo fashion do socialismo. Nesses aprazíveis passeios ele vai a seus lugares favoritos como a China e a Venezuela, sendo que este país é governado por outra figura apreciada por Lula, o ditador disfarçado Hugo Chávez, amigão das Farcs. Mas se Lula, o eterno candidato do PT, tem sua imagem mais caprichada por obra do marketing, o que aconteceu ao seu partido? Ah, dirão muitos, o PT amadureceu, mudou. Já não é mais socialista, pela primeira vez tem um programa coerente de governo, seus membros deixaram de brigar entre si, abandonou o radicalismo, afirma que adotará em parte o Plano Real de FHC ao concordar com a manutenção do equilíbrio fiscal e a estabilidade da moeda, não fica apenas nas promessas. De fato o Partido dos Trabalhadores foi se tornando aos poucos um Partido de Classes Médias, que cultiva o moralismo udenista e se fortalece principalmente através do funcionalismo público, dos intelectuais universitários, dos profissionais liberais e dos devotos religiosos católicos, com algumas ramificações entre os protestantes politicamente corretos. Todos se dizem de esquerda, só que ninguém nunca conseguiu definir o tipo de socialismo que professam.
Na verdade, a idéia do socialismo se perde na noite dos tempos, espelhando a eterna luta entre ricos e pobres, a necessidade de igualdade que sempre foi muito forte no coração dos homens. O século XIX foi pródigo em socialistas, cada um com sua proposta igualitária como Saint-Simon, Fourier, Owen, Louis Blanc, Proudhon. Entretanto, o socialismo era um movimento relativamente burguês, e os burgueses tinham medo mesmo era do comunismo, este sim, um movimento operário por excelência. Por isso Marx e Engels, que se pretenderam socialistas científicos em oposição a todos os demais considerados por eles utópicos, acabaram preferindo para si mesmos a denominação de comunistas. Em 1848 lançam o “Manifesto do Partido Comunista”, panfleto destinado aos operários europeus, que substituía a divisa “todos os homens são irmãos”, excessivamente imbuída de cristianismo, de “devaneio amoroso” e debilitante, segundo os autores, pela epígrafe “proletários de todo o mundo, uni-vos”. Mais tarde, seguindo a tradição, os marxistas-leninistas se denominaram de comunistas e criticaram os sociais-democrátas por entenderem serem estes apenas reformadores das instituições capitalistas. O PT nunca soube a que socialismo veio e isso não mudou. É significativo, por exemplo, que no seu programa de governo exista uma só referência elogiosa ao socialismo. Depois afirmam paradoxalmente, que no seu partido “não existe nenhum compromisso com o socialismo”. Para complicar mais, asseguram que seu objetivo é o de “transformar o capitalismo selvagem em capitalismo democrático”, algo que deve soar enigmático aos ouvidos dos aguerridos militantes. O PT não mudou também em termos de brigas internas. Suas facções já estão se estranhando por conta justamente do programa de governo. E mesmo que o documento incorpore traços do Plano Real, não foge ao radicalismo nem às promessas impossíveis de se cumprir. Isso pode ser observado com relação ao antiamericanismo que rejeita a Alca, à centralização estatal, ao paternalismo trabalhista que acaba infelicitando aos trabalhadores, e outras mazelas que sempre conduziram ao atraso quem as cultiva. Além do mais, como observou o ex-ministro Maílson da Nóbrega, o documento do PT traz uma série de contradições, pois tem “propostas para aumentar os gastos, mas não explica como vai aumentar a arrecadação”. Tudo indica, portanto, que se Lula chegar lá, teremos não o efeito Orloff que vem da Argentina, mas o efeito caipirinha gelada com ressaca de cuba libre, pois, afinal, o PT é forever PT.
Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga e professora universitária.
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