Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 29 de setembro de 2006

Pergunta: Por que, entre os esquerdistas decepcionados com Lula, há tantos que aparecem na mídia explicando os crimes dele como efeito de uma “guinada à direita” e nenhum, nem um único sequer, para dizer a mesma coisa nas assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo? Por que tantos querem convencer o eleitorado de que Lula os abandonou, mas não se mexem para repassar tão preciosa informação aos líderes máximos da esquerda latino-americana, Hugo Chávez e Fidel Castro, que, coitadinhos, ainda continuam iludidos confiando nele? Por que todos têm tanta pressa em denunciar o traidor ante o público em geral mas nem pensam em avisar as supostas vítimas da suposta traição? Por que permitem que o renegado, o vendido, o apóstata, continue desfrutando do prestígio de militante fiel e honrado nos círculos internos da esquerda, enquanto o desmascaram perante o resto da humanidade?

Resposta: agem assim porque são todos uns farsantes, mentirosos, salafrários como o próprio Lula. Agem assim porque, vendo que o homem está sujo demais perante a opinião pública, só lhes resta tentar limpar nele o projeto criminal-revolucionário que o criou, que o colocou no poder, que montou para ele a máquina de roubar e o adestrou no uso do equipamento. Estão apenas sacrificando o produto para salvar a fábrica. Sabem perfeitamente que estão mentindo. Contam, para isso, com a cumplicidade do próprio Lula. Quando o acusam diante do consumidor, mas não na reunião de diretoria, é porque sabem que em último caso ele é capaz até de sacrificar sua carreira pessoal pela salvação geral do plano. Chamam-no de infiel porque sabem que é fiel. Fiel o bastante para aceitar humilhações em prol da causa. Fiel o bastante para acobertar seus velhos cúmplices mesmo quando o acusam. Fiel o bastante para aceitar com igualdade de ânimo o papel que lhe destinem – de santo ou de réprobo, de herói ou de traidor –, sabendo que no círculo dos iniciados ninguém dá a mínima para a diferença e todo mundo sabe que ele é apenas um “companheiro”, um militante como qualquer outro. Dentro da fábrica de onde ele veio estão estocados, ou em linha de produção, milhares de outros Lulas, e Dirceus, e Paloccis, aguardando para ser lançados no varejo. Não vale a pena jogar fora o estoque inteiro por causa de uns quantos produtos que se desmoralizaram.. Não vale a pena perder clientes por causa de umas quantas vendas mal sucedidas. Ao contrário: pode-se até ampliar o mercado, lançando as culpas do fracasso no concorrente. Aliás, direitista existe para isso. Existe para ser xingado, cuspido, acusado do que não fez – principalmente dos crimes de seus inimigos. Existe para ser removido do emprego, proibido de trabalhar, reduzido à mendicância e depois ainda xingado de explorador capitalista, como se faz com os escritores de oposição em Cuba. Existe para para ser preso, torturado, assassinado às centenas de milhões, e depois ainda acusado de genocida. Existe para dar anistia aos que tentaram matá-lo e depois passar o resto da vida sendo difamado, caluniado, chamado de homicida e torturador. Direitista não é gente. Direitista é uma forma animal com aparência humana, criada pela evolução biológica só para ser sacrificada no altar do progresso, das luzes, do socialismo ou até da justiça poética, a única justiça que interessa quando os crimes da esquerda, como aliás sempre acontece, não rimam com o dogma da impecância essencial do esquerdismo.

P. S. – Os desiludidos a que se refere este artigo são tantos, que citá-los nominalmente ultrapassaria a extensão do Diário do Comércio. Mas, para não dizerem que falei só genericamente, dou o nome de três entre os mais famosos: Luiz Fernando Veríssimo, João Ubaldo Ribeiro e Luiz Eduardo Lins e Silva. Este último usou para fins de lavagem da esquerda até a resenha, no mais elogiosa, que fez do meu livro O Imbecil Coletivo na Folha de S.Paulo. Ser esquerdista, afinal, é ter todos os direitos – e não perder a mais mínima oportunidade de usá-los.

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