Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 29 de agosto de 2007
Anos atrás, impressionado com a quantidade de autores nulos e desprezíveis a que Wilson Martins dera meticulosa atenção na sua História da Inteligência Brasileira , enviei a ele uma pilha de livros de Mário Ferreira dos Santos, sugerindo que remediasse, numa segunda edição, a falta de menções ao maior dos nossos filósofos. A resposta que recebi foi um atestado de leviandade: alegando que o assunto escapava à sua área de competência, Martins se eximia de cumprir o mais elementar dos seus deveres de historiador. Na edição aumentada do calhamaço, Mário continuou ausente. Melhor para ele, é claro: livrou-se de ser pesado na balança da inépcia.
Já eu não tive a mesma sorte. Abjurando do seu voto de abstinência filosófica, mas confirmando plenamente a razão que alegou para emiti-lo, o crítico paranaense se mete a resenhador e juiz de meus livros A Dialética Simbólica e O Futuro do Pensamento Brasileiro (São Paulo, É-Realizações, 2007), com resultados que me levam a conjeturar, entre espasmos de terror, o que teria ele podido entender da Filosofia Concreta ou de Pitágoras e o Tema do Número, que tive a ingenuidade de lhe remeter naquela ocasião.
Omitindo-se de tocar no conteúdo dos meus escritos, que lhe escapa por completo, Martins limita-se a condenar-lhes o tom “agressivo”, provando que a incapacidade de elevar-se à esfera das significações não imuniza contra a percepção das ênfases emocionais respectivas, como pode aliás confirmá-lo quem quer que já tenha gritado com um cãozinho doméstico ou mesmo com uma galinha.
No único ponto em que tenta discutir algo das minhas idéias, Martins não só escolhe um detalhe secundário, mas ainda lidando com tópico mais ao alcance do seu QI o melhor que ele consegue é produzir um formidável contra-senso: afetando desprezo pela distinção que faço entre verso e prosa, ele lhe opõe a de Gustave Lanson em L´Art de la Prose (1908) e, após citar esta última, assegura, com a cara mais bisonha do mundo, que “Olavo de Carvalho chega, por inesperado, a conclusões semelhantes” às do autor francês. O leitor jamais saberá se errei por discordar ou concordar e muito menos o que pode haver de tão inesperado no fato de duas opiniões concordantes concordarem.
Na verdade, não importa. O que Martins tem sobretudo a objetar aos meus ensaios é que estão imersos na ilusão pueril de poder contestar erros filosóficos, quando ele, Martins, desde o alto do seu Olimpo de serenidade e isenção, sabe que “não há idéias erradas” ( sic ), frase que ele atribui a um juiz da Suprema Côrte americana mas que, independentemente da autoria, é com certeza a mais idiota que li nos últimos quarenta anos (levando mesmo a suspeitar que o crítico, em segredo, alimente ambições presidenciais). Não havendo diferença substantiva entre verdade e erro, só restam, como critérios aceitáveis de julgamento filosófico, o bom-mocismo e a polidez, aos quais, é certo, falho miseravelmente.
Meses antes, eu já havia aqui condenado o primado das regras de polidez sobre a verdade, a moralidade, as leis – a apoteose do enfeite, em plena derrocada de tudo o mais. Martins não precisava, logo numa resenha dos meus livros, ter personificado tão bem o culto idolátrico à futilidade, que impera no Brasil de hoje. Mas, no fundo, estou felicíssimo de ter sido condenado como infiel a essa religião de socialites. Se para ser escritor neste país é preciso praticá-la, de bom grado deixo esse emprego para Wilson Martins e similares. Eu não o aceitaria por dinheiro nenhum deste mundo.