Por Donald Stewart Jr.
18 de Fevereiro de 1999
Meu falecido amigo Donald Stewart Jr. — brasileiro filho de canadense – foi um dos homens mais conscientes que conheci neste país. Engenheiro e empresário, sempre ocupadíssimo com projetos complicados de construção civil, escrevia melhor que qualquer jornalista da época e compreendia a sociedade brasileira com mais acuidade que muitos cientistas sociais. Autor de uma esplêndida tradução de Ação Humana de Ludwig von Mises e de vários artigos brilhantes publicados no Jornal do Brasil, foi também o fundador e o grande incentivador do Instituto Liberal. Um correspondente anônimo, a quem muito agradeço, teve a feliz lembrança de me enviar por e-mail este artigo de 1999, no qual Stewart mostra algo da sua capacidade de enxergar o óbvio que ninguém queria ver. – O. de C.
É crença geral que os donos do Brasil são aqueles que são donos de alguma coisa: donos de casas, apartamentos, empresas, fazendas, títulos, ações, direitos, etc. É compreensível que assim seja porque todos nós, seres humanos, queremos sempre ser donos de mais alguma coisa, o que nos leva a crer que os que são donos de todas as coisas são os `Donos do Brasil`.
O que também leva a maioria das pessoas, seja por inveja, seja por uma sensação de injustiça, a hostilizar os empresários, os banqueiros, os fazendeiros, os ricos, os herdeiros, os que são donos das coisas enfim. Curiosamente essa mesma hostilidade não ocorre em relação aos que são donos de um talento qualquer como compor música ou jogar futebol, embora não raro esses `artistas` possam ser donos de mais coisas do que os que são hostilizados como proprietários. Talvez seja porque todos nós podemos aspirar a vir a ter aquilo que os sem um talento explícito conseguiram ter e certamente nenhum de nós imaginaria ser possível vir a ter o talento de um Chico Buarque ou de um Ronaldinho. Confortados por essa hostilidade, com o ego atendido ao qualificar como injustiça o resultado que lhes desagrada, a imensa maioria das pessoas não chega a perceber quem são, na realidade, os verdadeiros donos do Brasil.
Os verdadeiros `Donos do Brasil` são os políticos. Não porque sejam os donos das coisas, mas porque são os donos de nós todos, os brasileiros, que somos apenas os donos das coisas. São eles que têm o poder de nos tornar mais ricos (os das elites empresariais que são beneficiados por alguma forma de proteção ou privilégio que o governo lhes concede), ou mais pobres (os que compõem a imensa maioria e que sofrem as conseqüências das medidas adotadas pelos políticos ). São eles que podem confiscar nossa poupança, conceder-nos aposentadorias milionárias, dar benefícios a empresas nacionais ou multinacionais para instalar seu negócio na sua área de influência, gastar mais do que arrecadam gerando um déficit público e por conseqüência uma dívida pública – e não pagar a dívida assim gerada. São eles que podem reduzir o poder de compra dos assalariados via inflação (poder que tem sido bem menos usado nos últimos anos, mas que pode voltar a ser usado a qualquer momento), aumentar impostos no último dia do ano, todos os anos, aumentar ou não aumentar a taxa de câmbio, a taxa de juros. São eles que podem criar novos municípios e os seus respectivos aparatos burocráticos (foram criados mais de mil desde 1990), embora a sua arrecadação não seja suficiente para cobrir sequer 15% da despesa. Enfim, será difícil apontar algo que os `Donos do Brasil` não possam fazer tanto para o bem como para o mal.
E, é verdadeiramente estarrecedor constatar que tudo isso podem fazer sem serem responsabilizados pelos seus atos. Podem contrair uma dívida para eleger o seu sucessor, assim como podem não pagar dívidas legitimamente constituídas e nada lhes acontece. Suas atitudes e opiniões são fruto de circunstâncias conjunturais e dos efeitos de curto prazo. São capazes de promulgar uma Constituição como a de 1988, e tentar reforma-la cinco anos depois. Vivem no paraíso: são donos sem serem responsáveis.
Eles são os FHC, os Lula, os Covas, os Maluf, os Sarney, os ACM, os Itamar, os Brizola. Pouco importa se tenham sido eleitos democraticamente ou tenham assumido o poder rompendo uma ordem institucional. São também, ou foram, os Getúlio, os Geisel, os Figueiredo, os Delfim. São eles, ou foram eles, pelo que nos meus já 50 anos de vida ativa pude observar, os que tomaram as decisões que resultaram no país que temos hoje. E sempre o fizeram, sem exceção, dizendo agir em nome e em benefício do povo brasileiro, preocupados com os mais carentes e com os mais necessitados e nos legaram o país não desenvolvido que somos, a constituição que nos rege, as instituições que nos vigem, os privilégios e os infortúnios que nos beneficiam ou nos infelicitam. Se V. está satisfeito com tudo isso é a eles que V. deve render a sua homenagem. Se não está, precisa tomar consciência da absoluta necessidade de reduzir o tamanho do Estado e, consequentemente, reduzir o poder da classe política.
Não se trata de substituir quem está no poder. Trata-se de reduzir o poder dos políticos o que implica em limitar o Estado àquelas funções em que ele é o agente mais adequado: as funções necessárias ao provimento da ordem e da justiça. E para isso não há necessidade de gastar, como é o caso nos dias de hoje, cerca de 37% do PIB. Bastariam 10% do PIB.
Não se trata de tirar o poder dos políticos para entregá-lo aos empresários ou aos militares ou aos padres ou a quem quer que seja. O poder, quanto mais diluído, mais descentralizado melhor, para que o cidadão não fique sujeito aos desatinos de seu arbítrio, nem possa almejar o benefício de sua generosidade, que, no mais das vezes, é apenas uma manifestação de altruísmo com o dinheiro alheio, não raro por motivos escusos. O poder dos empresários, as vezes tão temido e hostilizado, combate-se facilmente. Basta submetê-los à competição; à mais desobstruída competição. O que qualquer empresário realmente teme é ver outro empresário mordendo-lhe os calcanhares, obrigando-o a ter que trabalhar mais para poder vender por menos.
Reduzir o poder dos políticos não é tarefa fácil porque implica em tirar poder de quem está no poder. Se V. leitor achar que, embora difícil, é algo que precisa ser tentado, junte-se aos que defendem o Estado mínimo, a igualdade perante a lei, a responsabilidade individual, a ausência de privilégios e a economia de mercado. Mas venha munido de tenacidade e paciência porque uma mudança cultural dessa natureza implica num esforço de convencimento que leva, pelo menos, o tempo de uma geração. É difícil, é verdade, mas não é impossível. Talvez a maior dificuldade consista no fato de que muita gente prefere depender dos políticos do que depender de si mesmo; prefere ser propriedade dos políticos do que ser dono de si mesmo.