A Tarde entrevista Olavo de Carvalho
Por Davi Lemos
6 de abril de 2015
O filósofo e professor Olavo de Carvalho é hoje o maior expoente do pensamento de direita em âmbito nacional. Nesta entrevista realizada por e-mail, o filósofo, residente dos EUA, diz que o reavivamento da direita é resposta à prepotência da esquerda que desembocou no assalto aos cofres públicos. Mas ele aponta que somente a “inteligência individual” é capaz de contrapor-se à esquerda em uma “guerra cultural”.
Muitos brasileiros foram às ruas no domingo (15/03) impulsionados, em sua maioria, pelo escândalo do Petrolão e pedindo a deposição da presidente Dilma Roussef. O senhor entende que seja a corrupção sistemática, como apontou o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, o mal maior gerado nos governos petistas?
Sem dúvida, mas esse mal não surgiu sozinho. Ele nasceu desde dentro de um vasto projeto de poder e é parte integrante desse projeto. Afinal, os crimes de corrupção não foram cometidos para enriquecer este ou aquele indivíduo isoladamente, mas para financiar o PT. Esse é o mal mais vistoso, mas ele não é a raiz, é o resultado final de um processo corruptor muito mais profundo, que começou com a adoção da estratégia de Antonio Gramsci para a tomada do poder e assumiu forma decisiva com a fundação do Foro de São Paulo de 1990. O projeto de Antonio Gramsci consiste basicamente em ludibriar toda a sociedade para que aceite o socialismo sem percebê-lo, até que o partido que comanda o processo adquira – são palavras dele – “o poder invisível e onipresente de um imperativo categórico de um mandamento divino”. Nessa perspectiva, o Partido é o único juiz de si mesmo e pode fazer o que bem entenda, sem prestar contas à população e sem nem lhe explicar o que está acontecendo. A corrupção financeira é apenas o aspecto mais exterior que acaba assumindo a corrupção muito mais profunda de toda vida social e política. O Foro de São Paulo se arroga o direito de governar em segredo um continente inteiro, determinando o curso da vida de dezenas de povos, sem lhes prestar a mínima satisfação e, é claro, sem jamais se submeter ao seu julgamento moral. O direito de roubar é só a expressão financeira do direito mais geral de ludibriar.
Esse foi o primeiro movimento de massas identificado com a direita desde o início do governo Sarney. Como o senhor entende esse período de acabrunhamento da direita e o que a fez despertar neste momento?
A estratégia de Antonio Gramsci inclui como elemento essencial a “ocupação de espaços”, que significa preencher com elementos da esquerda todos os postos na educação, na mídia, nas instituições culturais e, por fim, na administração pública, tomando de uma possível oposição direitista todos os meios de se fazer ouvir. Nos anos 90, essa operação já foi coroada de sucesso, de modo que já não havia uma oposição de direita não somente no Parlamento, mas em parte alguma. Lula celebrava como apoteose da democracia o fato de que nas eleições presidenciais todos os candidatos fossem de esquerda. A esquerda tinha o monopólio absoluto da palavra, o restante da sociedade caiu na “espiral do silêncio” e perdeu até todo o desejo de falar. Foi só quando a prepotência da esquerda assumiu a forma do assalto geral e cínico aos cofres públicos, que a opinião excluída acabou por se ver praticamente obrigada a manifestar-se de novo.
O senhor é apontado por muitos líderes destes movimentos que pedem a saída de Dilma e que são contra o comunismo como o responsável pela quebra de uma “espiral de silêncio” que marginalizava o pensamento à direita. O senhor vislumbra para os próximos anos um ambiente favorável a verdadeiros debates, uma vez que o pensamento de esquerda é hegemônico entre profissionais de imprensa, na academia e no meio artístico?
A esquerda dominante jamais aceitará o debate franco, pois sabe que vive de mentirinhas tolas e que num confronto honesto sairá sempre perdendo. Sua única esperança é tapar definitivamente as bocas dos discordantes para que não mostrem que o rei está nu. Se queremos restaurar a possibilidade de um debate franco, teremos de impor isso à força.
Em um dos artigos de “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, o senhor explica porque não é um liberal, mas um conservador. Vê-se nos movimentos a união destas duas correntes. Isto demonstra a incipiência desta nova direita? Qual diferenciação o senhor faz entre elas?
Basicamente, liberais (especialmente libertarians) e conservadores se distinguem porque os primeiros privilegiam a argumentação econômica, fazendo vista grossa à guerra cultural, que é justamente o ponto principal da estratégia da esquerda. Conservadores, por seu lado, insistem na argumentação cultural e moral ao ponto de às vezes, deixar-se enganar pelo conservadorismo moralista de um Vladimir Putin. Nenhuma corrente ideológica é jamais inteligente o bastante para se mover com agilidade entre as sutilezas da vida política. Só inteligência individual é capaz de dar conta das ambiguidades e astúcias de uma situação política em mutação veloz.
O senhor vem denunciando há anos a influência do Foro de São Paulo sobre a política brasileira e da América Latina. O governo brasileiro não se manifesta contra o que ocorre na Venezuela, por exemplo, onde opositores são presos ou mortos. O Brasil pode chegar a isso?
Acho até engraçado quando ouço advertir que “o Brasil pode virar uma Venezuela”. O Brasil “fez” a Venezuela. No discurso do décimo quinto aniversário do Foro de São Paulo, o senhor. Lula confessou isso abertamente. O regime Hugo Chavez foi concebido no Brasil e criado através do Foro de São Paulo. Em segundo lugar, até muito recentemente, a Venezuela estava muito melhor que o Brasil, pois lá havia uma oposição atuante e combativa, enquanto o nosso povo, aceitava com passividade bovina e silêncio de pedra toda imposição do esquerdismo dominante.
Qual a gravidade de o PT ser ligado ao Foro de São Paulo? Por que o senhor defende que o Foro de São Paulo deve ser excluído da política brasileira?
Em primeiro lugar, o Foro articula, numa estratégia global, partidos legais e organizações criminosas de terroristas, de narcotraficantes, de sequestradores. Isso faz dele, como um todo, uma organização criminosa. Em segundo lugar, o Foro atuou de maneira clandestina, negando sua própria existência, até quando foi forçado a admiti-la pelas denúncias sucessivas que eu mesmo divulguei. Como se pode admitir que a política de um país ou, pior ainda, de vários deles, seja determinada por uma entidade clandestina, calculada, nas palavras do senhor Lula “para que ninguém soubesse do que estávamos falando”? Como pode haver normalidade democrática se as decisões são tomadas em conluio com criminosos estrangeiros e se nós, o povo, não temos sequer o direito de saber do que eles estão falando?
O senhor também é um grande crítico do sistema educacional brasileiro. De que forma esta “deseducação” contribui para a formação da hegemonia à esquerda?
A doença principal da educação brasileira foi a adoção do sistema de alfabetização chamado “socioconstrutivista”, criado inteiramente por estrategistas comunistas como Lev Vigotsky, Emilia Ferreiro e Paulo Freire para transformar as crianças em servos dóceis de um movimento político, com total desprezo pelo desenvolvimento real das suas capacidades. Hoje em dia está mais do que provado que o sistema socioconstrutivista destrói a inteligência das crianças e produz até mesmo lesões cerebrais. Os responsáveis pela adoção desse sistema são diretamente culpados pelo fracasso retumbante das nossas crianças, amplamente comprovado pelos testes internacionais. Esses homens não são educadores, são criminosos
O senhor defende uma hegemonia da direita? Em que ela seria mais saudável que a atual hegemonia?
Já tivemos uma hegemonia da direita durante o regime militar. Ela fez algumas coisas boas na esfera econômica mas, por ter idéias estereotipadas sobre o comunismo e nada entender da estratégia gramsciana, deixou o campo livre para que a esquerda se apossasse da mídia, do mundo editorial e do sistema educacional. Direitismo não é atestado de inteligência.
Costuma-se apontar o PSDB como a direita brasileira, e aqueles que protestam contra os governos petistas como “golpistas”, representantes de uma “elite branca opressora”. O que há de errado nestas qualificações?
Não se pode falar do PSDB inteiro, onde há homens bons e maus. O que é certo é que seus líderes mais destacados, como Fernando Henrique Cardoso e José Serra, estão comprometidos até à medula com o esquema do Foro de São Paulo. Estão entre os seus maiores aliados e protetores. Isso remonta pelo menos a 1993, quando o senhor. Fernando Henrique Cardoso teve uma reunião secreta com os dirigentes do Foro e os do “Diálogo Interamericano” que é o think tank da ala mais esquerdista do Partido Democrata Americano. O que se tem feito para esconder o conteúdo das decisões ali tomadas forma uma das mais estranhas histórias de mistério do mundo. Já contei isso várias vezes e não vou me repetir aqui.
O senhor vislumbra um Brasil melhor após o 15 de março? Em que estas manifestações são distintas daquelas de 2013? Por que se diz que em 2013 o povo protestou e agora se diz que foram as elites descontentes e desejosas de um terceiro turno?
Essa opinião nem merece resposta. Basta ver as fotos e vídeos das passeatas para saber que as camadas populares estavam ali muito bem representadas, enquanto a “elite”, especialmente a da mídia, fazia o possível para achincalhar o movimento e deformar a sua identidade. Termos como “burguesia”, “proletariado”, “elite”, “povo” etc., na boca de esquerdistas, quase nunca designam conceitos descritivos, ancorados em dados da realidade. São símbolos, estereótipos, slogans e senhas que nada dizem da realidade exterior, mas expressam apenas o sentimento de identidade de um grupo ativista, a mitologia que sustenta a sua existência e unidade enquanto grupo, ao mesmo tempo que delineiam, na mente dos seus membros, a imagem do inimigo ideal a ser odiado, temido e achincalhado – inimigo que, quando não é totalmente inexistente, pelo menos jamais está no lugar onde o apontam.
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