Olavo de Carvalho
Rio de Janeiro, 11 de junho de 1999
Ilmo Sr. Editor de Opinião – O Globo
Fax. 534.5535
Prezado Senhor,
Em O Globo de 10 de junho, o dr. Rubem César Fernandes faz o que pode para tentar provar que nós, cidadãos comuns, não devemos usar amas; que o uso destes mortíferos instrumentos deve ser coisa da polícia e só dela. O resultado do extenuante esforço silogístico é que todos os doze argumentos que ele encontrou provam exatamente o contrário: que é perigosíssimo dar o monopólio das armas à classe policial:
- “A arma de fogo ameaça as pessoas mais próximas”, expostas às conseqüências “das tensões que nos esquentam a cabeça no dia-a-dia”, diz ele.Mas nenhuma profissão esquenta mais a cabeça que a de policial, e nenhum grupo profissional, como conjunto, está mais envolvido em crimes com armas de fogo do que a classe policial. Logo, é insensatez dar o monopólio do uso de armas justamente a esse grupo.
- “Uma arma ao alcance da mão transforma conflitos banais em tragédias irreversíveis.”É verdade. Principalmente quando o portador da arma é um policial, que não precisa pensar duas vezes antes de fazer uma asneira, porque está ciente de que, para apagar as pistas do autor da tragédia, seus colegas de corporação possuem conhecimentos técnicos e meios de ação faltantes à população em geral.
- “É fácil produzir acidentes com armas de fogo.”Sim, principalmente quando a gente as carrega à maneira dos policiais cariocas: um 38 no coldre com o cano voltado para trás, bem à altura do umbigo dos transeuntes, e uma automática na cinta, com o cano apontado para os testículos do temerário portador. Criativa mistura de Eros e Thanatos que o dr. Freud pode explicar, mas o dr. Rubem não pode justificar.
- “A arma de fogo é mais eficaz para agredir do que para defender.”Sim, e a melhor prova disto são os crimes cometidos por policiais armados contra pessoas que nem de longe teriam meios de atacá-los.
- “A arma de fogo aumenta, imediatamente, a gravidade do problema.”Sim, principalmente quando policiais militares entram atirando num fuzuê entre civis desarmados.
- Este argumento é especial: não precisa ser desmentido porque se desmente a si mesmo. Após reconhecer que “a arma de fogo não é causa, mas instrumento”,logo na linha seguinte o ilustre sociólogo declara que “68 por cento dos homicídios são causados por armas de fogo”.Um sujeito que de uma linha para a outra se esquece do que vinha falando está na hora de ir dormir, e não de dar conselhos sobre assunto grave.
- “O uso da arma de fogo está fora de controle.”Sim, as únicas armas que têm controle são aquelas vendidas em lojas, com nota fiscal e registro. A nova lei proíbe justamente estas, e deixa livres as outras, apreendidas de delinqüentes e revendidas por policiais. Por que tanta pressa em controlar o controlado, esquecendo o resto? E se, como diz o dr. Rubem, o principal sintoma de descontrole é que “os bandidos atiram demais, e a polícia responde atirando demais“, por que deveremos dar o monopólio das armas justamente aos dois grupos mais descontrolados?
- “Os adolescentes e os jovens são os que mais se expõem ao risco das armas de fogo. No Rio, as armas de fogo mataram mais adolescentes do que todas as outras causas de morte reunidas.”Sim, e nas mãos de quem estava a maioria dessas armas? Justamente nas de policiais e bandidos — as duas classes que, pela lei de proibição, terão o monopólio do uso de armas.
- “A polícia está no centro do conflito. Atirar na polícia tornou-se um tabu, banalizou-se.”Sim. Mas quantos cidadãos atiraram na polícia com armas legalmente registradas?
- “A maior parte das armas apreendidas é de fabricação brasileira.” Tanto faz. O que importa é saber quantas delas tinham registro e quantas eram armas ilegais.
- “A cada brecha que se abre (por exemplo, para colecionadores), multiplicam-se as chances de desvios.”A cada nova arma apreendida pela polícia, essas chances multiplicam-se muito mais.
- “O número de armas em circulação é grande o bastante para alimentar o comércio clandestino por muito tempo.”Logo, a lei de proibição é inócua, exceto contra o cidadão honesto que não compra armas no comércio clandestino.
O dr. Rubem, definitivamente, não sabe distinguir um argumento pró de um argumento contra. Talvez seja essa dificuldade de distinguir as direções que o induza a julgar que as armas são mais perigosas para quem está por trás do cabo do que para quem está na frente do cano.
Sugiro que o dr. Rubem volte a cuidar da comidinha dos pobres, como fazia nos bons tempos de um movimento que, se continuar a exibi-lo em público no papel de seu guru, terá logo o nome mudado para “Viva Rindo”.
Atenciosamente,
Olavo de Carvalho, Rio de Janeiro.