Olavo de Carvalho

Rio de Janeiro, 11 de maio de 1999

Ao
Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro
Jornal Tribuna do Escritor
Av. Heitor Beltrão, 353, Tijuca
Rio de Janeiro 20550-000 RJ

e-mail: seerj@vetor.com.br

Prezados Senhores,

Em carta à Tribuna do Escritor de março de 1999, o sr. Ivan Cavalcânti Proença informa ter lido, num artigo meu publicado em O Globo de 19 de janeiro, “entre outras indecências, que até que foram muito poucos os esquerdistas mortos pela Ditadura, levando em conta a população“. Decente como ele só, e escandalizado de que semelhante truculência fosse assinada por um indivíduo que aquele diário qualificava de “escritor”, o sr. Proença foi correndo delatar o fato ao Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, o qual por sua vez se apressou em comunicar ao distinto público que o indigitado apologista de morticínios, para alívio geral da classe, não pertencia ao seu quadro de associados.

O sr. Proença parece considerar-se escritor, e talvez até o seja, pois não há razões para duvidar da autenticidade da sua matrícula sindical que, na falta de maiores glórias curriculares, ele pode esfregar na cara de qualquer um como prova de algo que, pelo exame estilístico da sua cartinha, ninguém chegaria a imaginar. E como um escritor tem de ser necessariamente leitor habilitado, não posso admitir a hipótese de que o sr. Proença tenha compreendido tão mal ou porcamente aquilo que com a maior simplicidade jornalística escrevi em O Globo e com cujo sentido tantas empregadinhas domésticas e pilotos de carrinhos de sorvete atinaram sem qualquer dificuldade.

O que ali realmente se diz é que três centenas de esquerdistas mortos por um governo direitista num país de cem milhões de habitantes são uma dose bem modesta de crueldade política em comparação com os dezessete mil direitistas mortos por um governo esquerdista num país de população quinze vezes menor. Nada podendo contra esses números em que o cotejo estatístico de Brasil e Cuba tanto empana a imagem beatífica que os comunistas apreciam alardear de si mesmos, e em cuja autoridade postiça se escoram para impingir ao mundo a lenda do monopólio direitista da maldade, o sr. Proença optou por manipular cirurgicamente a minha frase, amputando dela toda menção ao caso cubano, de modo a dar a impressão de que não se tratava de uma comparação e sim de um horripilante apelo retroativo ao massacre de mais esquerdistas.

O dano injusto que o sr. Proença pretendeu fazer à minha reputação entre os escritores cariocas já está feito. A mágica besta da citação falseada já iludiu os leitores da Tribuna do Escritor. Este jornal tem agora o dever de impedir que a mentira se propague, e para tanto basta que publique este desmentido, sem cortes ou alterações. Mas, para não cair naquele tipo de imparcialidade cínica que se mantém a igual distância da verdade e da mentira, o Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro tem a obrigação de tirar o caso a limpo, examinando o meu artigo linha por linha para verificar que não tem, mesmo de longe, a nuance homicida que lhe atribui perversamente o sr. Proença. Anexo, para tanto, uma cópia do texto, e apresento a essa entidade, neste ato, não somente o pedido de retificação que me é facultado pelo direito de resposta, mas também uma comunicação formal da infração de ética profissional cometida pelo seu associado Ivan Cavalcânti Proença, um escritor que não se vexa de remanejar as palavras alheias segundo o molde de uma intenção difamatória baixa, vil e covarde.

Indivíduos como o sr. Proença apostam sempre na própria insignificância, contando com que suas vítimas, por compaixão ou preguiça, não se darão o trabalho de punir agressores tão miúdos. Fique ele avisado de que agora mexeu com alguém que não é suficientemente orgulhoso para se dispensar de esmagar um piolho que o incomoda. Contra o sr. Proença já estão sendo tomadas portanto as medidas judiciais cabíveis, sem prejuízo da solicitação que ora encaminho à entidade representativa dos escritores cariocas.

Não sou, é verdade, membro do Sindicato, mas tenho mais de uma dezena de livros publicados, objetos de enfático louvor de Jorge Amado, Josué Montello, Herberto Sales, Ariano Suassuna, Edson Nery da Fonseca e tantos outros escritores de primeiro plano, escrevo regularmente artigos de crítica literária para a revista Bravo! e, como se isso não bastasse, sou também membro da União Brasileira de Escritores, Seção de São Paulo, inscrito sob o número 2775.

Por fim, como não há mal que não traga em seu bojo algum bem, aproveito a ocasião para pedir a minha inscrição no Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, dado que agora resido nesta cidade e muito apreciaria ter um contato mais próximo com os colegas de ofício que essa entidade dignamente representa.

Atenciosamente,

Olavo de Carvalho

Muniz Sodré se explica

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