Olavo de Carvalho
Diário do Comércio (editorial), 03 de abril de 2008
Em 1990, pronunciei na Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, uma conferência sob o título de “O fim do ciclo nacionalista”. A tese central era que a cultura brasileira, tendo como foco a busca e afirmação da identidade pátria, não sobreviveria ao advento de uma nova situação mundial marcada pela dissolução das soberanias nacionais e por aquilo que viria a ser chamado de “multiculturalismo”. O Brasil havia chegado tarde demais ao palco da História e, excetuada a inverossímil hipótese de um upgrade intelectual formidável, suas elites seriam engolfadas por transformações mundiais que ultrapassariam de longe a sua capacidade de compreensão. O Brasil como unidade política autônoma estava em perigo de dissolver-se, sem que suas lideranças fossem capazes sequer de perceber o que se passava.
Decorridos dezoito anos, a apropriação de parcelas imensas do território pela narcoguerrilha colombiana, pelas gangues locais intimamente associadas a traficantes estrangeiros, por “nações
indígenas” criadas em proveta nos laboratórios da ONU, pelos chamados “movimentos sociais” a serviço do Foro de São Paulo – tudo isso mostra que só tenho uma coisa a alterar no meu diagnóstico de 1990: os verbos devem ser transpostos do tempo futuro para o tempo presente.
Sem dúvida, um dos principais fatores que contribuíram para transmutar as minhas previsões em realidade foi a total apropriação do nacionalismo brasileiro pelos movimentos de esquerda. O nacionalismo de esquerda é uma criatura esquiva e bifronte, que finge defender a soberania nacional só para mais facilmente subjugar o País aos interesses de um movimento que é internacionalista na origem e nos objetivos, e que aliás é sustentado pelas mesmas forças globalistas que, da boca para fora, professa combater.
Toda e qualquer identidade nacional que signifique alguma coisa na realidade, que não seja só um mito oficial, funda-se na consciência histórica transmitida e reforçada de geração em geração, bem como nos valores tradicionais que essa História incorpora e simboliza.
A”revolução cultural” gramsciana que se apossou do sistema nacional de ensino há quase três décadas apagou totalmente essas referências básicas, substituindo-as por um novo conceito de “nacionalismo” que consiste na síntese de ódio antiamericano, chavismo militante e multiculturalismo dissolvente.
Esse nacionalismo só serve para subjugar o Brasil aos interesses do esquerdismo internacional, empenhado em “reconquistar na América Latina o que foi perdido no Leste Europeu” e em integrar as nações do continente numa unidade regional onde terão tanta autonomia quanto a Ucrânia ou a Polônia tinham sob o jugo da URSS.