Olavo de Carvalho

7 de abril de 2000

Um empresário é um sujeito que ganha a vida organizando a atividade econômica. Ele acumula um capital, investe, ganha, paga suas dívidas para com os fornecedores, os empregados e o Estado, e no fim, se todo dá certo, tem um lucro. A quase totalidade do lucro é reinvestida no mesmo ou em outros negócios. Uma parte ínfima ele pode gastar em benefício próprio e da família. Se seu negócio é muito, muito próspero, mesmo essa parte ínfima basta para que ele compre mansões, iates, jatinhos e jatões, carros de luxo, cavalos de raça, e tenha, se é do seu gosto, múltiplas amantes. Em geral ele se contenta com muito menos.

Um político de esquerda é um sujeito que ganha a vida tentando jogar os empregados contra os empregadores. Ele mostra aos operários os aviões, os cavalos de raça e os carros de luxo do patrão e grita: “É roubo!” No começo ele faz isso de graça. É um investimento. Assim como o empresário investe dinheiro, ele investe insultos, gestos, caretas de indignação, apelos à guilhotina. Em troca, dão-lhe dinheiro. Ele vive disso. Quando alcança o sucesso, pode dispor de mansões, iates, jatinhos e jatões, carros de luxo, cavalos de raça e amantes em quantidade não inferior às do mais próspero capitalista.

Tanto a atividade do empresário quanto a do político de esquerda pode ser exercida de maneira honesta ou desonesta. O empresário pode dar golpes em seus fornecedores, vender produtos fraudados, sonegar o pagamento devido aos operários, ou então pode pagar tudo direitinho e vender produtos bons. Do mesmo modo, o político de esquerda pode desviar dinheiro público, utilizar-se indevidamente de imóveis do Estado, possuir sob ameaça aterrorizadas empregadinhas domésticas como o fazia Mao-tsé-tung. Ou então pode fazer tudo dentro da lei que ele próprio instaurou e ser incorruptível como Robespierre.

A diferença é a seguinte: da atividade do empresário, mesmo o mais desonesto, resultam sempre uma ativação da economia, uma elevação da produtividade, a expansão dos empregos. Esses resultados podem vir em quantidade grande ou pequena, mas têm de vir necessariamente, pela simples razão de que “empresa” consiste em produzi-los e em nada mais.

Da atividade do político de esquerda, mesmo o mais honesto, resultam sempre um aumento do ódio entre as classes, o crescimento do aparato estatal que terá de ser sustentado pelos padrões com dinheiro extraído aos empregados e consumidores, a politização geral da linguagem que transformará todos os debates em confrontos de força e, em última instância, desembocará num morticínio redentor. Esses resultados também podem vir em quantidades grandes ou pequenas, mas virão necessariamente, pois “política de esquerda” consiste em produzi-los e em nada mais.

Um empresário, honesto ou desonesto, está no auge do sucesso quando pode, sem prejuízo de seus investimentos, comprar mansões, iates, carros de luxo, jatinhos, jatões etc. Ele alcança isso quando se torna um mega-empresário. Para chegar a esse ponto, ele tem de deixar em seu rastro fábricas, bancos, plantações, jornais, canais de TV e mil e um outros negócios dos quais vivem e prosperam milhares de pessoas.

Em político de esquerda, honesto ou desonesto, está no auge do sucesso quando destruiu toda oposição às suas idéias e comanda uma sociedade fielmente disposta a realizá-las. Ele alcança isso quando se torna o chefe de uma revolução vitoriosa. Para chegar a esse ponto, ele tem de deixar em seu rastro milhares ou milhões de cadáveres, edifícios destruídos, plantações queimadas, órfãos e viúvas vagando pelas ruas, fome, miséria e desespero.

O governador Olívio Dutra acha que é imoral ser empresário e que é lindo ser um político de esquerda.

Ele não tem maturidade intelectual suficiente para perceber que o sucesso final de um empresário, mesmo desonesto, traz sempre mais bem do que mal, e que o sucesso final de um político de esquerda, mesmo inflexivelmente honesto como ele, produz uma quantidade de mal acima do que qualquer bem poderá jamais reparar.

O governador Olívio Dutra, como qualquer outro político de esquerda, tem uma consciência moral deformada por um uso falso da linguagem. Ele ouviu dizer na infância: “Lucro egoísta”, “justiça social”, e impregnou-se de tal modo desses símbolos verbais do mal e do bem, que pôs sua vida a serviço do que lhe parece uma nobre causa: combater as coisas que têm nomes feios e louvar as que têm nomes bonitos. Uma coisa que criou as nações mais prósperas e livres da Terra deve ser muito má, pois tem o nome hediondo de “lucro egoísta”. Uma coisa que matou cem milhões de bodes expiatórios e reduziu à escravidão e à miséria um bilhão e meio de outros inocentes deve ser ótima, pois leva o belo nome de “justiça social”.

Romper a unidade mágica de nomes e coisas é uma operação dolorosa. Custa vergonhas e humilhações à mente altiva. Mas é o preço da maturidade. No julgamento são do homem maduro – o “spoudaios” –, via Aristóteles a única esperança de um governo justo, do predomínio, ainda que relativo e precário, do bem sobre o mal. Não existe bem onde não existe amor à verdade, e não existe amor à verdade onde uma mente obstinada se apega ao instinto pueril de julgar as coisas pelos nomes que ostentam.

O problema do governador Olívio Dutra, assim como de milhares que pensam como ele, já foi diagnosticado por Jesus Cristo dois milênios atrás: “Na verdade, amais o que devíeis odiar e odiais o que devíeis amar.” Eles pecaram contra o Espírito, protegendo-se por trás da belas palavras contra a visão das realidades feias, e receberam como castigo exatamente aquilo que pediam: a cegueira forçada tornou-se espontânea, e hoje a sua moralidade invertida lhes parece a atitude mais natural do mundo, a única maneira possível de julgar as coisas — o caminho do bem, fora do qual tudo é perdição e “lucro egoísta”.

Não creio sequer que valha a pena rezar para que despertem. Eles não despertarão enquanto não enviarem milhões de seres humanos para o sono eterno.

 

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